Khaled
O caminho de volta para casa foi silencioso. Lara estava perdida em pensamentos, e eu percebia isso pelo modo como olhava pela janela, mordendo o lábio inferior.Ela estava assustada.E eu sabia o motivo.Desde o jantar, quando contei sobre minhas esposas anteriores, pude ver a inquietação crescendo dentro dela. Era divertido observar a maneira como tentava agir naturalmente, mesmo que seu corpo estivesse tenso ao meu lado.Ela achava que eu não percebia.Mas eu percebia tudo.Chegamos a um semáforo, e a luz vermelha iluminou seu rosto. Seus olhos estavam fixos em um ponto qualquer da rua, e então, sem me encarar, ela perguntou:— Como você nunca teve filhos até agora?Meu olhar permaneceu no trânsito à frente.— Porque eu não quis.Ela finalmente se virou para me encarar, franzindo a testa.— Mas… você não se protege. E eu não estou tomando anticoncepcional.SLara A noite estava silenciosa, e o quarto escuro era iluminado apenas pela fraca luz da lua que entrava pelas cortinas entreabertas. O calor do corpo de Khaled ao meu lado era reconfortante, e por um momento, quase consegui esquecer o medo que crescia dentro de mim desde o jantar. Quase. Virei para o outro lado da cama, tentando afastar os pensamentos que martelavam na minha mente. Eu não podia ficar alimentando aquele pânico. Se ele quisesse me matar, já teria feito isso, certo? Me forcei a fechar os olhos e me concentrar na respiração dele. Foi quando o barulho do celular cortou o silêncio do quarto. O som era abafado, mas alto o suficiente para me despertar completamente. Khaled se mexeu ao meu lado, pegando o aparelho no criado-mudo. Olhei pelo canto dos olhos e vi o brilho da tela refletindo em seu rosto. Ele franziu o cenho, leu alguma coisa e se levantou. F
LaraO sol já brilhava forte quando descemos para tomar café. O restaurante do hotel era um espetáculo à parte, com um buffet impecável e uma vista de tirar o fôlego.Eu deveria estar aproveitando.Eu deveria estar me sentindo feliz por estar aqui, viajando, experimentando uma cultura nova ao lado do meu marido.Mas tudo o que eu conseguia pensar era na ligação da madrugada.As palavras de Khaled ainda ecoavam na minha cabeça como um pesadelo do qual eu não conseguia acordar."Mata eles."Respirei fundo e me forcei a manter a expressão neutra enquanto sentava à mesa. Khaled parecia tranquilo, como se nada tivesse acontecido. Ele serviu uma xícara de café para mim e outra para ele, pegou um pedaço de pão e começou a comer.Fiz o mesmo, mas minha fome tinha desaparecido.O silêncio entre nós durou pouco.O celular dele tocou.Meu coração acelerou.Ele tirou o aparelho do bolso e olhou a tela por um segundo antes de atender.— O que foi agora?Seu tom de voz estava firme, impaciente.Ape
LaraO avião havia pousado há pouco tempo, e já estávamos de volta à casa em Dubai. O caminho até ali foi silencioso, e Khaled parecia ainda mais sério do que o normal. Algo em seu olhar, no modo como apertava o volante, me deixava inquieta. Desde o café da manhã em Omã, eu sabia que algo estava errado, mas o jeito como ele evitava os detalhes me fazia pensar que o que ele escondia era muito maior do que eu imaginava.Assim que entramos em casa, Khaled largou a mala no chão do hall e olhou para mim com aquele sorriso de canto que sempre me fazia gelar por dentro. Mas dessa vez... era diferente. Havia algo frio no olhar dele. Algo que eu não conseguia ignorar.— Eu preciso sair por algumas horas. Tenho que resolver um problema de trabalho. — Ele disse, já pegando o celular e olhando notificações como se falasse sobre um compromisso qualquer.— Aconteceu alguma coisa séria? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas o aperto no meu peito não colaborava.Ele me olhou de lado, ainda co
Narrado por Khaled O telefone vibrou no meu bolso antes mesmo de eu sair do quarto com Lara. Eu já sabia o que era. Aquela tensão no ar... não vinha à toa. As informações estavam se acumulando há semanas, mas agora, a traição tinha se concretizado. Quando atendi, a voz do Omar veio carregada de urgência: — Khaled, Yasser assinou o contrato com a Emaar. Aquilo que era nosso. Cerrei os dentes. — Eles passaram por cima da cláusula de exclusividade? — Passaram. Pagaram o triplo. Ele fez por provocação. E foi ele quem entregou os documentos que vazaram. — E o restante da família? — Estavam todos na casa. Desliguei sem responder. Lara ainda dormia, encolhida entre os lençóis. Ela era leve demais, pura demais para esse mundo. Eu a tinha afastado de tudo isso, mas não podia esconder a verdade para sempre. Mesmo assim, ela ainda não estava pronta. Me vesti em silêncio, deixei a casa e fui direto para a sede da empresa, onde meus homens já me esperavam. Eu não era sócio
Narrado por LaraJá fazia uma semana. Sete longos dias desde que ele entrou em casa coberto de sangue e eu, paralisada, percebi que o homem com quem me casei era mais perigoso do que qualquer pesadelo que minha mente pudesse criar.Desde então, venho vivendo como uma prisioneira voluntária.Evito Khaled de todas as formas. Não desço para o café da manhã, não almoço com ele, não janto. Todos os meus pratos são deixados na porta por uma das empregadas. Eu espero ela se afastar, abro a porta, pego e volto para o meu isolamento.Tranco a porta com duas voltas na chave. Sempre.Durmo pouco. Passo as noites assistindo a séries no notebook, tentando mergulhar em outros mundos que não o meu.Na maior parte do tempo, fico com medo. Medo dele. Medo de fazer algo errado. Medo de me tornar a próxima esposa “desobediente”.E por mais que eu tente, não consigo esquecer o modo como ele entrou naquela noite.Calmo. Sujo de sangue. Sem dizer uma palavra.Ele não se importou com meu olhar de horror. Nã
Narrado por LaraMinhas mãos tremiam enquanto eu abria a gaveta e pegava a camisola de cetim claro. Era leve, quase translúcida, e eu mal conseguia olhar para ela sem sentir o estômago revirar. A ordem ainda ecoava na minha mente, como uma sentença:“Hoje você vai dormir no meu quarto. E eu não aceito negativa.”Engoli em seco.Troquei de roupa devagar, sentindo a pele arrepiar a cada pedaço de tecido que tocava meu corpo. Eu estava com medo. Não era mais um medo vago, uma sensação... era real. Palpável.Terminei de me vestir, respirei fundo e saí do quarto. Cada passo pelo corredor parecia me levar direto para o centro de um abismo.A porta do quarto dele estava entreaberta. Empurrei devagar, revelando a luz baixa, o ambiente perfumado, e Khaled sentado na beirada da cama, com um copo de uísque na mão.Ele levantou os olhos lentamente. Quando me viu, não disse nada por alguns segundos. Apenas me observou. Eu podia sentir o julgamento no olhar dele, mas também algo mais... algo mais e
Narrado por KhaledA noite anterior queimava na minha memória como álcool em ferida aberta. A forma como ela me olhou... como se eu fosse um monstro. Como se tudo que eu tivesse feito por ela fosse lixo.Passei a madrugada em pé, andando pelo quarto como uma fera enjaulada. A raiva me consumia por dentro. Eu dei tudo. Proteção, luxo, poder. E ela me olha como se eu fosse a escória do mundo.Ela quer ir embora? Ótimo.Na manhã seguinte, ainda antes do sol nascer completamente, liguei para minha secretária.— Compre uma passagem para Lara. Um voo direto para o Brasil. Primeira classe.— Senhor...— Sem perguntas, Amira. Também quero o passaporte dela pronto, e entregue até o meio-dia.— Sim, senhor.Desliguei sem dizer mais nada.Peguei um uísque, mesmo sendo cedo demais pra beber. Eu não ligo. Eu estava com raiva. Raiva dela, raiva de mim mesmo por me permitir sentir alguma coisa. Eu sabia que era um erro desde o início. Ela era diferente, sim. Mas isso não fazia dela especial o sufici
Narrado por LaraO envelope ainda estava sobre minha cama, como se me provocasse silenciosamente. Passagem de volta. Passaporte. O caminho de fuga que eu tanto desejei durante dias… ali. Fácil. Mas o que me esperava do outro lado?Peguei o celular. Minhas mãos suavam. Disquei o número do meu pai. Eu precisava ouvir dele. Precisava saber se, de alguma forma, ainda havia espaço para mim naquela casa.— Alô? — a voz dele soou fria, impaciente.— É a Lara… pai.Houve um silêncio incômodo. Um que dizia muito mais do que qualquer palavra.— O que você quer?Engoli em seco.— Eu… recebi meu passaporte de volta. Uma passagem. Queria saber… se o senhor quer que eu volte pra casa. Se as coisas mudaram.Mais silêncio. Dessa vez, ele soltou uma risada baixa. Sarcástica.— Mudaram sim. Estamos vivendo bem, graças ao acordo que eu fiz com aquele homem. Vendendo você.Meu coração despencou.