SarahUm som estridente, me tira da névoa de sono em que me envolvi. Aperto os olhos, os reabrindo e percebendo que cochilei depois de conversar com Nina.A médica me disse que eu dormiria.Sento-me, sentindo meus músculos pesados de sono e vejo Nina atender o telefone. Acendo a luz ao meu lado, assistindo os olhos de Nina se arregalarem um pouco e ela se levanta.Mantenho-me quieta, mesmo que minha vontade seja lhe exigir por respostas e considerando a forma como ela desvia os olhos para mim com rapidez, tenho quase certeza de que o assunto tratado na linha agora, sou eu.— Certo. Sim. Vou fazer. — Ela vai respondendo em sequência.Nina encerra a ligação e se adianta para a porta, a trancando como se nossas vidas dependessem disso.Espero que não seja o caso.— O que ta acontecendo? — Pergunto, retirando os lençóis de cima de mim e tirando as pernas da cama.— Merda... não levanta, pode te prejudicar! — ela me repreende e lhe direciono um olhar impaciente.— Eu só estou em observação
SarahA viagem de volta para casa foi o que eu posso chamar de estranha. Fomos separados por casal, após eu assinar o termo de responsabilidade, Dylan, mesmo que a contragosto, sendo guiado pra um carro com Nina e Samuel e eu indo para outro. Até onde eu entendi, os dois veículos contavam com no mínimo dois seguranças cada.Ren ou Pixie, como ele disse que gostaria que eu o chamasse, mudou da água para o vinho após sairmos do hospital, assumindo uma postura mais séria, perigosa até. Quando eu parei para prestar um pouco atenção, percebi que ele estava todo equipado por debaixo do sobretudo.Foi estranho e levemente frustrante, saber que a partir de agora não conseguirei dar um passo sem Pixie ou qualquer outro na minha cola, mas com o pouco que conheci do segurança, algo se acalentou em meu peito, pois o homem exala vida.Ao entrarmos no carro, fui enlaçada pelos braços de Samuel e mesmo ainda um pouco magoada com ele, deitei minha cabeça em seu peito e adormeci, só acordando algumas
SarahFito o closet, ainda indecisa sobre o que colocar na minha mala, pois considerando a pouca informação que Samuel me deu, eu poderia estar indo para o Caribe ou Antártida. Passo as mãos nos cabelos, me lembrando da noite quente e cheia de carinhos que nos embalamos ontem, após a nossa conversa. Como movida pela lembrança, minha mão alcança o pingente, o metal quente pelo contato com minha pele.Tudo no gesto de ontem me encantou de formas que ele talvez nunca perceba. Toda a história por trás do ato, as palavras dele e a certeza de que Samuel realmente está comigo nessa. Tocando no pingente, um remorso vai me impelindo, ao me lembrar de que eu perdi o apito que Samuel havia comprado para mim. Em algum momento de toda aquela loucura com Nicolas, eu perdi o objeto.Ou aquele maluco o levou.Estremeço, não querendo lembrar de nada daquilo, agora.Um barulho no cômodo ao lado, que sei ser o closet de Samuel chama minha atenção e eu me aproximo, temendo ser Xerez destruindo alguma c
Sarah O jardineiro, um senhor atarracado e de olhos castanhos claros, que agora sei se chamar Sandro, me olha como se eu tivesse acabado de criar chifres. — A senhora quer o que? — ele guincha, os olhos se desviando para a terra pronta que ele estava para mexer. — Jogar as cinzas, no canteiro que está preparando. Eu pesquisei, é possível. — Digo, tentando não soar desesperada. Rui ao meu lado se remexe, um pouco impaciente. — Senhora... tem certeza? — ele me indaga, o sotaque mal trabalhado do que acredito ser um italiano bem enraizado. — Deixe de ter teimoso homem! — Rui brada com o outro, me assustando — A casa é dela e se ela quiser pôr fogo nessas flores, ela vai fazer. O rosto de Sandro vai ficando vermelho de um jeito preocupante e eu me sinto um pouco mal por ele. Não é justo eu ficar me intrometendo em seu serviço. — Minha mãe era uma amante das flores e teve pouquíssimas chances ou nenhuma, para ser bem sincera, de apreciar as coisas belas da vida. — Pauso, controla
SarahO caminhar de Pixie com a minha mala a minha frente é cheio de gingado, uma postura bem diferente do que geralmente ele usa, quando estamos fora de ambientes seguros.Tive pouquíssimas oportunidades para conversar com ele até agora, mas ele já parece ter me conquistado com poucas palavras, o que é claro, não apaga o fato de que ele está indo junto com Samuel e eu, para o que deveria ser a nossa lua de mel.— Sério mesmo, que ele vai? — Resmungo com Samuel, na entrada de nossa casa, me sentindo um pouco infantil com essa resistência toda.— Eu também gostaria de ter todos os momentos só para nós dois querida, mas um pouco de prudência não irá nos matar. — Ele me diz e deixa um beijo singelo em minha testa.Mordo a parte de dentro da bochecha, não querendo entrar em outra discussão, que sei não ter meios de vencer. Samuel está certo e eu estou sendo infantil... droga.Olho para trás, vendo Luci, trazendo uma bolsa térmica e uma garrafa.Ela não fez um lanche... fez?— Aqui querid
SarahSeguro bem firme o casaco a minha volta, enquanto uma brisa fria nos cerca. Após acordar me sentindo especialmente aventureira, tive um árduo trabalho para tirar Samuel da cama, tentando convencê-lo a dar um passeio nos arredores.Meu marido se espreguiçou, fingiu cochilar mais um pouco, mas depois com um sorriso genuíno, ele se levantou e tivemos longos minutos um com o outro, só sentindo o contato de nossas peles, nossa harmonia e tranquilidade que não conseguimos aproveitar desde o começo do nosso casamento.Agora, depois de um café da manhã preparado por nós dois, caminhamos, sob o olhar vigilante de Ren a alguns metros atrás.Não tão perfeito.... mas ao menos um pouco mais seguros.— É realmente deserto aqui, né? — pergunto, olhando as árvores a nossa volta e o barulho das ondas que quebram nas rochas do nosso lado direito.— Eu comprei a propriedade justamente por isso. — Ele me responde, os cabelos loiros revoltos com o vento, a mão em minhas costas, me apoiando nas subid
Sarah“Algo pesa em minha mão, mas não consigo abaixar meu olhar para ver o que é. Eu caminho, mesmo que não entenda para onde estou indo. Os corredores em que estou parecem conhecidos, os ladrilhos escuros de uma parede, me remetendo a algo muito antigo em minha memória. Mais uma vez, tento pensar, rever, o que é, mas não consigo distinguir o que é. Minhas pernas batem em algo e me abaixo, pegando algumas folhas, as letras nela, sendo algo que eu reconheço bem. Eu identificaria o autor dessas palavras sempre que necessário.É a carta de minha mãe... aquela que eu guardei muito bem no cofre. Não deveria estar assim.A dor que a descoberta da carta me trouxe, parece ganhar vida novamente, me lambendo como fogo, me fazendo arquejar em negação, impedindo a qualquer um, a qualquer erro do destino que seja um engano.O peso em minha mão se intensifica e eu novamente tento olhar para baixo, mas não consigo.Que diabos está acontecendo?Olho para o meu lado esquerdo, todos os meus movimento
SarahAbro a porta dupla devagar, a expectativa fazendo um estrago e tanto em meus batimentos cardíacos. As imagens vão sendo absorvidas com demora, cada detalhe me arrebatando um pouco mais da alma, dos sentimentos que eu achei já não terem como mudar.Um caminho de pedras lisas abaixo de mim, me dá uma trilha para Samuel, sentado em uma espécie de pedestal de pedra simples, uma manta branca sob ela.Meus olhos percorrem o nosso arredor, as árvores altas e curvadas nos acobertando com carinho em uma espécie de túnel, as folhagens laranjas, quase avermelhadas caindo no solo e sob nós como pequenos pedaços de puro paraíso.A emoção vai me dominando como um manto, meus olhos queimando com as lágrimas que deixo guardadas, meu peito parecendo não caber de tanta alegria.Certa vez, quando menina, eu havia confidenciado a Samuel, minha voz petulante:“— Se algum dia, um cara me der meu conto de fadas, aí sim eu vou acreditar nessa bobagem de felizes para sempre.”Samuel naqueles dias, nada