Sirene

— Tem roupões no guarda roupa se não me engano, minha casa é no mesmo formato — comentou abrindo o guarda roupa de metal. — veja, tem coisas até dentro de embalagens ruivinho.

— Se me dissessem que eu iria dormir com um cara hoje eu diria que a pessoa bateu a cabeça com força... — Falou irônico.

— Eu ergueria as mãos para o alto e agradeceria o milagre.— riu um pouco da cara do ruivo.

— Você não aguenta meia hora da brincadeira garoto... Então... Não provoque os mais velhos. — Henry tinha um olhar sarcástico.

— Quando fiz 15 anos meus pais faleceram, daí fui emancipado automaticamente, e mesmo sem experiência e com pouca idade a construtora me contratou para que eu não morresse de fome e não ficasse sem nada, recebi um dinheiro de uma herança pouco tempo depois e tudo o que meu dinheiro podia comprar era uma casa na reserva, então digamos que eu sei brincar tão bem quanto você, afinal vivo sozinho aqui no meio da reserva a um tempo considerável. — Gabriel também mentiu, sua historia de vida era outra e bem mais complexa, mas aquela era a mais facil de ser contada. ( e bem mais fácil de apresentar), a mentira era tão boa que até ele chegava a creditar nisso.

— Tem 19 anos, pela sua forma de falar, provavelmente não tem amigos muito próximos, e pelas linhas escurecidas em baixo dos olhos posso julgar que tem insônia por causa da sua depressão e que não faz terapia, e é claro você se denuncia muito ao falar.

A boca de Gabriel se abriu em um O, ele com olhar cético foi até o espelho verificar se tinha mesmo linhas escurecidas e de fato tinha.

— Não gostei da brincadeira... Melhor dormir... — Disse se deitando na cama, agiu como uma criança birrenta, uma de suas características marcantes o que deu a ele o apelido de criança da reserva e por ter começado a morar ali muito jovem também.

— Nem fudendo, tu achas mesmo que eu vou lá tomar banho e vou vir aqui e me deitar sentindo cheiro de suor alheio... Pode ir na frente se quiser ... "loirinho"

Gabriel revirou os olhos e pegou um roupão e uma toalha e ainda via o sorriso convencido de Henry.

— Vou tirar esse sorriso da sua cara... — Ameaçou, mas sabia que não conseguiria nem olhar mais na cara daquele homem por causa da vergonha que estava sentindo.

— Ansioso por isso. — Henry provocou o mais novo e ele estava se divertindo com a brincadeira, porém vendo a irritação do mais novo se limitou a rir.

Assim que Gabriel entrou no banheiro, Henry se certificou de estar de fato sozinho no quarto e pegou o celular em seu bolso e começou a digitar uma mensagem.

— " Estou preso no abrigo da família, não tem como sair daqui, tem mais um rapaz aqui, vai ser difícil sair" — digitava a mensagem de maneira apressada.

— " Cara a situação tá feia, a gente também está em um abrigo na casa que fica a dez minutos dessa aí" — Jonas que era um dos parceiros de equipe de Henry respondia a mensagem.

— " Feia o quanto?"

— " Chefe, o rádio dessa família captou uma informação picada, parece que foi um animal, mas eles não ter certeza, tinha marcas de pneu próximo ao corpo." — respondeu se lembrando de que o rádio captava sinais do rádio da polícia e do guarda florestal.

— " Vamos resolver isso tudo o mais rápido possível e boa noite, hoje não podemos fazer nada ou vamos chamar atenção" — Henry não queria comprometer seu disfarce.

Henry agia naturalmente, e assim para não cometer nenhum erro apagou as mensagens do celular, sabia que os outros fariam a mesma coisa.

Gabriel voltou em menos de vinte minutos e o ruivo vendo a cara de sem graça do garoto não resistiu a mais uma brincadeira.

— Não foi tão difícil assim foi? — o sorriso irônico e sarcástico parecia ter se impregnado na face de Henry

Gabriel não respondeu, apenas ficou em silêncio.

Henry sentiu a aura pesada no ar e riu mais para si mesmo do que para o loiro.

Assim que o ruivo entrou no banheiro Gabriel pegou o celular e ficou olhando algumas coisas aleatórias, viu no meio das publicações de redes sociais um grupo de colegas de trabalho postando fotos de lugares badalados e cheios a ponto de causar tontura em qualquer antissocial.

Ele colocou o aparelho de lado e se deitou no canto da cama virado pra parede, agradeceu mentalmente o fato de ser uma noite um pouco fria, assim poderia se cobrir até a cabeça e não teria que interagir com o outro já que ele o tinha deixado sem graça.

Henry saiu do banheiro olhou a cena e pensou.

— "Tão jovem... "

O ruivo com muito cuidado se deitou ao lado do loiro na cama e puxou um pouco da coberta para si até a cintura, e ficou mexendo no celular, um jogo bobo, apenas para cansar seus olhos e acabar apagando de vez.

Gabriel estava incomodado com a situação, e percebeu que para levantar da cama teria que passar pelo ruivo, se forçou a dormir, contou carneirinhos, chegando ao carneirinho de número 200 ele se virou de barriga pra cima e tirou a coberta do rosto.

— Perdeu o sono? — perguntou Henry levantando a bandeira da paz.

— Perdi... Gostaria de achar mas toda noite é isso. — Gabriel respondia já estando um pouco menos sem graça vendo que o outro tinha parado de sorrir maliciosamente.

— Também não tenho o costume de dormir muito, as vezes fico sem dormir por dias. — dizia Henry sem tirar os olhos do celular.

— Mexer no celular antes de dormir tira o sono...

Henry olhou para o lado, respirou fundo e colocou o celular em uma mesinha ao lado da cama.

— E o que te faz dormir? — Perguntou olhando para o loiro esperando que o mesmo mante-se um contato visual.

— Bom, Quando o serviço é muito pesado na construtora eu meio que apago, e só acordo no dia seguinte e quase sempre isso acontecia as sextas feiras... — o loiro comentou sem graça.

— Você é engraçado, está a Quanto tempo brincando de ser adulto? E não veja isso como uma provocação, não quero te irritar nem nada.

— Desde que eles morreram... Não tinha o que eu pudesse fazer, meus parentes mais próximos optaram pela emancipação, era melhor do que um abrigo sendo que eu tinha algo a receber deles... — Manteve a mentira com receio que que Henry o lesse novamente.

— Sinto muito, a depressão começou aí?

— Acho que sim... Não muda nada... — agradeceu mentalmente pelo fato do mais velho não questionar o nervosismo em sua fala.

Henry levou a mão até a mão de Gabriel e segurou firme enquanto se arrumava na cama para dormir, o loiro ficou vermelho de vergonha.

— Minha avó dizia que a insônia vai embora se alguém segurar nossa mão. — Henry inventou aquilo, porém o loiro acabou comprando a mentira.

Os dois ficaram de frente um para o outro de mãos dadas.

E Gabriel realmente acabou dormindo.

— "Uma criança crescida" — pensou Henry ao ver o mais novo adormecido.

Pela história que Gabriel havia contado, Henry presumiu que o loiro era apegado e mimado pela família, mas é claro, a mentira era nítida e se Henry tivesse prestado mais atenção no nervosismo do loiro ao falar sobre a família teria notado.

— " Essa noite foi a mais estranha da minha vida, acabei mentindo pra esse garoto e acabei comprando minha mentira dormindo de mãos dadas, ahh quando contar esse fato vão me zuar muito" — pensou Henry antes mesmo de abrir os olhos, sentia sua mão grudada a mão do garoto.

Ainda não tinha amanhecido por completo, mas isso não fazia muita diferença, não podiam sair do abrigo enquanto a sirene não tocasse de volta alertando que era seguro sair.

Gabriel permanecia de olhos fechados e também já tinha acordado.

— Hm, sua respiração mudou, acabou de acordar...— Henry proferiu as palavras com a voz ainda um pouco rouca de sono e com os olhos fechados.

— Me falta coragem para abrir os olhos... — murmurava Gabriel, se referindo a situação esranha em que estavam.

— Situação estranha loirinho... — Resmungou o ruivo com um sorriso ladino.

— Sim, acho que se um de nós dormisse primeiro o outro teria coragem de soltar a mão e se levantar... — Gabriel tentava achar uma solução para evitar o constrangimento por terem dormido de mãos dadas.

— Sou um ótimo ator, quer que eu finja? — Perguntou Henry com um sorriso de canto, mas ainda de olhos fechados.

— Você está de olhos fechados?

— Estou... Mas não vou ficar assim por muito tempo...

— Se contar até três talvez a gente se assuste com a cara amassada um do outro... acho mais fácil de abrir os olhos e não se constranger tanto... — Falou Gabriel apertando suavemente a mão de Henry.

Henry sentiu o aperto e pensou em dar um susto no mais novo e não só pensou como o fez ainda de olhos fechados se movimentou na cama indo na direção do mais novo que pra sua surpresa não recuou, e abriu os olhos estando a milímetros dele.

— Não vai recuar? Estou muito perto de fazer uma coisa...

— Não. — Gabriel provocou.

Henry então lhe deu um selinho rápido e nesse momento sentiu a boca do loiro vindo na sua direção ao se separar, ele então jogou o corpo na direção e iniciou um beijo calmo e sem malícia, apenas estava curtindo a sensação.

Gabriel soltou do aperto de mão e abraçou o ruivo ficando dentro de seus braços, se deixava controlar, e aos poucos quando Henry ia se afastar ele o puxava de volta, não queria parar o beijo por mais que a necessidade de respirar normalmente o obrigasse a se separar.

Henry lentamente com alguns selinhos espaçados foi se separando do beijo, e quando as bocas estavam separadas viu o loiro enfiar o rosto em seu peito.

— Ficou com vergonha?

—Sim... — falou abafado contra o peito de Henry.

— Não precisa ficar com vergonha, somos adultos e essas coisas acontecem, a gente não se conhece, mas podemos trabalhar nisso, você já me falou um pouco de você então acho que devo falar um pouco a meu respeito.

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