Liliane

Quando a apresentação acabou, agradeci aos céus por ter acabado tudo que mais quero é chegar em casa, comer alguma coisa e dar em beijo na minha pequena. 

– Lili, o Cláudio pediu pra falar com você! 

– Fala sério, Hector! Meu expediente já acabou. O que esse homem quer comigo? 

Já tinha trocado de roupa e não iria ficar até mais tarde mesmo que ele precisasse, Cláudio adora explorar as meninas daqui mas ele sabe que comigo não tem vez mesmo sendo meu patrão aceitou que não iria ficar até mais tarde. 

– Vai lá, Lili! As vezes não é nada demais e não vai atrapalhar você. Aliás, estou de moto hoje se quiser uma carona, estou a disposição! 

Hector ainda alimenta alguma esperança de ter algo comigo e não é certo da minha parte aceitar suas caronas mesmo que seja imensamente melhor do que ir de ônibus. 

– Agradeço pela carona mas não precisa de verdade! 

– Deixe disso, Lili! É bem melhor ir de carona comigo, além de chegar mais cedo em casa poderá ter á minha maravilhosa companhia. Não seja má, aceite minha carona! 

Hector fez aquela carinha típica de cachorrinho que caiu da mudança, por mais errado que isso seja vou aceitar sua carona. 

– Tudo bem, Hector! Mas vai aceitar um bauru, é a única coisa que posso oferecer! 

– Ótimo, então vou pegar a coca cola no bar, estou bem ansioso para comer o famoso bauru da Liliane. 

Dei um tapa no ombro dele enquanto ia em direção do escritório de Cláudio que ficava em uma parte afastada do resto da boate a cada vez passo nesses corredores escuros é como se estivesse revivendo meu passado, como se a qualquer momento aquele monstro fosse aparecer aqui e fizesse tudo aquilo novamente. Lembro bem da sua expressão alucinada, ele não parava de dizer que eu era dele e que nunca iria fugir dele, fico assustada só de passar aqui, e os gemidos e gritos das outras enquanto estão no quarto com seus clientes me deixava mais apreensiva ainda. 

Quando finalmente cheguei bati na porta por duas vezes mas Cláudio não me atendeu então resolvi abrir a porta sem esperar por uma resposta dele. Tinha um homem de costas olhando pela janela, o cheiro de maconha estava bem forte mas pelo que sei Cláudio só fuma cigarro ou charuto alguma coisa está errada aqui. O homem sentiu minha presença e se virou pra mim, o grito saiu da minha boca assim que percebi quem era não conseguia sair do lugar como se minhas pernas não conseguisse se mover, minhas mãos tremiam e por mais que tentasse segurar minhas emoções não conseguia. 

Ele começou a andar em minha direção, o monstro que me violentou voltou e veio atrás de mim. Quando consegui me mover fui até a porta do escritório mas ela não abriria como se estivesse sido trancada, cai em uma armadilha. 

– Por favor, não me machuque! Eu não contei pra ninguém, não denunciei você. Me deixe sair, não vou contar para ninguém que veio aqui. Pelo amor de Deus, preciso ir embora! 

– Eu sei que você não contou, que também não me denunciou. Acredito em você mas não posso deixá-la ir antes de conversarmos. Cláudio me disse que seu nome é Liliane, quero conversar com você! 

Tentei abrir a porta mais uma vez mas continuava trancada, não tinha lugar como fugir. Meu maior pesadelo veio pra assombrar minha vida mas não entendo porque. 

– Liliane, sou Estêvão Sampaio de Alcântara deve saber que sou um homem muito rico e herdeiro de uma grande fortuna quando aquilo aconteceu estava drogado e bêbado. Eu sou um dependente químico mas até aquele maldito dia, meu vício apenas prejudicava à mim quando fiz aquilo com você percebi que precisava me tratar. Fiquei internado na clínica de reabilitação por dois anos, e durante esse tempo fiquei limpo não usava uma droga sequer e nem bebi uma gota de álcool. A cada momento que fiquei naquele lugar não pensava em outra coisa à não ser no que havia feito, sai de lá há um ano mas como pode ver não estava preparado para sair. 

Ele deu um trago no cigarro de maconha enquanto falava, os olhos dele já estavam vermelhos pelo uso da droga, estou com tanto medo que mesmo estando frente à frente com ele não consigo largar a maçaneta da porta tentando abri-la de qualquer maneira. 

– Uso drogas todos os dias, não sabe como é ficar sem elas, Liliane! Agora por exemplo se não fosse esse cigarro de maconha não conseguiria conversar com você sem pensar que prejudiquei você e sua vida. Olha eu queria remediar o mal que fiz com você, sabe que tenho muito dinheiro. Posso dar uma quantia alta pra você, é só dizer quantos quer! 

Ele tirou a carteira do bolso enquanto pegava um talão de cheque e várias notas de 100 reais mas eu não quero dinheiro, só quero ir embora e ficar com minha filha. 

– Não quero seu dinheiro, eu quero ir embora! Eu juro que nunca vou denunciá-lo, somente abra a porta e vamos esquecer isso! 

– Sei que precisa de dinheiro, tem um problema há mais de três anos e estou disposto à ajudá-la. É só dizer o quanto quer! Vamos lá, todo mundo tem seu preço, você também deve ter o seu! 

Esse homem pensa que dinheiro vai apagar tudo que fez comigo como se ter apanhado e ter sido estuprada não fosse nada pra ele. Quero apenas seguir minha vida e tentar esquecer que esse monstro reapareceu para me atormentar. Meu celular começou a tocar e como sei que não é uma ligação atoa resolvo pegar o aparelho na minha bolsa e atender. 

Das Dores 

Minha filha, graças a Deus que você atendeu! Isa está tendo uma crise de asma muito forte, venha por favor! 

Liliane 

Eu já estou indo, Dona das Dores. Faça os procedimentos que lhe ensinei, já estou indo! 

Naquele momento nada mais importava, Isabela precisava de mim e não podia mais ficar presa aqui com Estêvão. 

– Está tudo bem? 

– Vai ficar quando você abrir essa merda de porta, não posso mais ficar aqui. Deixe o dinheiro que quiser para Cláudio, é pra ele que você deve pagar pois foi ele que me convenceu à não denunciá-lo. 

Estêvão pareceu nervoso como se ouvir um não incomodasse ele mas eu não quero dinheiro apenas quero distância desse homem.

– NÃO! VOCÊ PRECISA ACEITAR MEU DINHEIRO, LILIANE. VAMOS DIGA O SEU PREÇO! NÃO AGUENTO MAIS VIVER COM ESSA CULPA PELO AMOR DE DEUS! 

Estêvão já estava descontrolado mas ele não conhecia uma mãe desesperada pois sei que à cada minuto que fico aqui vendo o descontrole desse homem mas a vida da minha menina corre risco.

– QUER SABER DE UMA COISA? NADA QUE VOCÊ ME DER VAI APAGAR O PASSADO, QUERO QUE APODREÇA DE REMORSO E CULPA, SEU MONSTRO! AGORA ABRA A MERDA DESSA PORTA POIS A MINHA FILHA PRECISA DE MIM E NÃO POSSO MAIS PERDER MEU TEMPO COM VOCÊ! 

De repente Estêvão que até aquele momento estava afastado se aproximou de mim como se a mente dele processe tudo que falei, quando pare para pensar percebi a grande merda que havia dito. 

– FILHA? QUE FILHA? QUANTOS ANOS ELA TEM? ELA É SEU PROBLEMA DE TRÊS ANOS? SE ELA TEM TRÊS ANOS ENTÃO ELA É... 

– PARE AGORA DE PENSAR! ABRE ESSA PORTA, MINHA FILHA ESTÁ TENDO UMA CRISE DE ASMA E PRECISA DE MIM. POR FAVOR,  ABRA ESSA PORTA! 

Estêvão olhou pra mim com os olhos ainda vermelhos mas havia lágrimas ali, como se estivesse entendido tudo. 

– Sou asmático! Liliane, essa menina é minha filha não é? 

Ele segurava meus braços com tanta força que parecia que ia quebrar. Precisava ficar calma senão iria fazer uma loucura com este homem. Continuei segurando a maçaneta com força rodando ela desesperadamente, quando por um milagre de Deus Estêvão entregou a chave pra mim. Peguei ela abrindo a porta como uma louca, sai correndo pelos corredores sentindo a presença dele atrás de mim mas não me importava somente precisava ver minha filha. Hector quando me viu logo entendeu que algo estava errado mas quando percebeu a presença de Estêvão ficou na minha frente tentando me proteger. 

– O que faz aqui, cara? 

– Não é hora, Hector! Isa está tendo uma crise de asma pelo amor de Deus, vamos para casa o mais rápido possível. 

Estêvão segurou meu braço me impedindo de ir com Hector. 

– Vamos no meu carro, Liliane! Venha! 

Tentei sair do aperto dele mas não consegui, Hector foi pra cima dê Estêvão mas entrei na frente na hora. 

– NÃO É HORA PRA ISSO! VOU COM ESTÊVÃO, HECTOR.  MAS POR FAVOR ME SIGA ATÉ LÁ. SE FOR PRECISO VAMOS TER QUE LEVAR MINHA FILHA NO HOSPITAL. 

Hector entendeu o recado e foi até sua moto pronto para dar a partida. 

– Solta meu braço! E vamos depressa pois minha filha precisa de mim. 

Ele continuou calado como se estivesse em outro mundo, Estêvão estava no modo automático como se não estivesse ali, fui falando pra ele sobre o caminho para minha casa e ele não falava absurdamente nada somente dirigia. Quando chegamos na minha casa, fui correndo até a Dona das Dores que estava com Isa no colo enquanto minha pequena estava com a bombinha de ar na mão. Apesar de tão nova tive que ensinar Isa a usar a bombinha quando as crises de asma acontecesse. 

– Mamãe! 

Os olhinhos dela brilhavam a me ver mas ela não conseguia vir correndo até mim por causa da falta de ar.  Fui até ela enquanto Estêvão ficou olhando minha filha por longos minutos, notei como analisava cada traço dela com interesse e até mesmo curiosidade. 

– Quem é ele, mamãe? 

Isabela já estava melhor quando notou a presença dele, Estêvão ficou olhando pra mim e pra ela com um olhar de pesar, não entendia o que estava acontecendo. 

– Ela é tão linda! Parece uma princesa!

Isabela sorriu com o elogio mas continuei com a mesma expressão séria de antes, preciso apenas que ele vá embora. Não quero ele perto de mim e da minha filha. 

– Dona das Dores, fica só um pouco com minha menina. Vou levar esse moço até a porta! 

Estêvão entendeu o recado quando vi eu ir até a porta, guiei ele até o portão quando enquanto Hector ficou encostado na moto olhando toda situação. 

– Vai embora, nunca mais vai aparecer na minha frente. Esqueça que um dia viu Isabela, ela não conhece você e se depender de mim vai continuar não conhecendo. Agradeço por ter me trazido aqui mas não preciso de você nem do seu dinheiro. 

– Liliane, ela é minha filha! Quero fazer parte da vida dela, é nítido que Isabella precisa de um tratamento adequado para viver bem apesar da asma. Posso fazer isso por ela, deveria ter me procurado quando soube da gravidez ia dar todo suporte para você. 

Como havia alguém tão sem noção como esse homem. 

– Sei muito bem a ajuda que ia me dar! Pagar um belo dinheiro para tirar minha filha não é mesmo? Pois pessoas como você resolvem as coisas com dinheiro eliminando pessoas como eu e minha filha. Agora vá embora, e pare de procurar redenção em mim e na minha filha pois não vai encontrar nada aqui. 

Hector percebeu que algo estava errado e veio até mim. 

– Já deu, playboy! Vaza daqui, se não percebeu Liliane não o quer aqui. Agora sumi logo! 

Estêvão percebeu que não era bem vindo e saiu não sem antes deixar seu recado. 

– Amanhã, eu venho ver minha filha, não pode me impedir, Liliane! 

Vi quando entrou no carro e saiu cantando os pneus, não era possível que depois de todos esses anos esse monstro veio me atormentar. Mas se ele pensa que vai conseguir se aproximar de Isabela ou de mim, Estêvão está muito enganado.