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Paulina Mendes

Mas uma vez estou na frente desse maldito espelho maquiando meu rosto, tentando disfarçar as olheiras de noites mal dormidas e choros constantes. Essa é minha vida depois que meu pai morreu, nunca houve alguém mais honesto, bom, generoso e íntegro como ele mas a vida é injusta com os bons. Ele viveu para amar minha mãe e cuidar de mim e do meu irmão até mesmo renegou sua família para viver uma linda história de amor.

Dona Eni era uma moça pobre e empregada doméstica na casa da futura noiva do meu pai mas assim que ele viu minha mãe, a atração entre os dois foi instantânea tanto que ele resolveu terminar tudo que tinha com a moça rica e de boa família para se unir à minha mãe, na verdade ele sempre dizia que não amava sua noiva apenas iria se casar com ela por motivos fúteis, não havia amor.

Mas meu pai teve que enfrentar a ira do meu avó que não aceitou muito bem a ideia de ter um filho seu casado com uma empregada, então meu pai saiu de casa abandonando tudo para viver seu amor com minha mãe. Ele começou a trabalhar como contador em uma grande empresa, não era o melhor cargo mas era o suficiente pra nós. Quando fiz 15 anos minha mãe descobriu que estava grávida do meu irmão, Lucas foi um bebê inesperado mas foi a melhor surpresa das nossas vidas.

Meu pai costumava dizer que eu era a cópia da minha bisavó, Amália Mendes, ele apenas conheceu ela por foto já que faleceu muito nova. Ele gostava de contar sobre a história dela e eu sempre gostei de ouvir, apenas ficava triste no final quando ele contava como ela morreu jovem no parto do meu avô. Meu pai contou que a vida da família Guimarães acabou com a morte dela, meu bisavô se tornou um homem triste e morreu alguns anos depois vítima de um infarto enquanto dormia, meu avô foi criado por tutores designados pela empresa que pertencia à Pedro Guimarães o que acabou tornando Otávio Guimarães Mendes, um homem ganancioso, que preferiu colocar o dinheiro e a posição social acima do amor do filho. 

Meu pai sempre teve uma rotina tranquila, saia as sete da manhã, chegava no serviço as 8:30 e saia as 18. Durante o dia sempre ligava em casa para saber sobre mim e meu irmão que naquele ano tinha dois anos, meu irmãozinho amava ouvir a voz do nosso pai todo babão em cima do seu pequeno menino, ao chegar em casa abraçava e beijava minha mãe com todo carinho do mundo, é sempre nos dava atenção com seu habitual carinho e afeto apesar das lutas diárias éramos muito felizes com nossa linda família. Mas um dia meu pai não ligou como sempre fazia pensávamos que poderia ser por causa do trabalho, era fechamento de mês e nessa época ele trabalhava muito mas infelizmente não era isso. Meu amado pai, Pablo Guimarães Mendes havia sido assassinado em um assalto. Os bandidos não satisfeitos de levarem tudo que meu pai tinha resolveram dar um tiro no peito dele, lembro como se fosse hoje quando a polícia apareceu em nossa porta dando a notícia pra minha mãe. Recordo que ela gritava como uma louca, dizendo que era mentira e que logo meu pai iria voltar pra casa mas infelizmente ele não iria voltar nunca mais!

Tive que tomar todas as decisões em relação ao velório e ao enterro sozinha enquanto cuidava do meu irmãozinho, foi  tudo muito simples mas foi a última homenagem que podíamos fazer para o meu pai.  Foi o momento mais triste da minha vida, que para ser sincera nunca consegui superar. Minha mãe ficou o velório inteiro dopada e apenas conseguiu se despedir dele no enterro, daquele infeliz dia em diante tive que assumir as responsabilidades da casa. 

Desisti das aulas de dança, deixei o pré vestibular de lado, comecei a trabalhar em dois empregos e à noite cuidava do meu irmão e da minha mãe. Um ano depois, ela caiu de cama à morte do meu pai foi muito dura para todos mas quem sofreu mais foi minha mãe, a depressão fez dela uma mulher triste e melancólica logo ela não tinha mais vontade de viver e foi se entregando cada dia mais em sua dor. Logo as doenças começaram a aparecer tanto que ela não conseguia mais cuidar do meu irmão e nem dela mesma. 

O dinheiro não dava mais para cuidar da casa, para comprar os remédios da minha mãe e nem dar o necessário para Lucas ter uma infância digna como eu tive. Já desesperada e sem um dos empregos que trabalhava pois ele era temporário encontrei um anúncio de uma boate de luxo que precisava de uma dançarina sensual, havia feito dança durante toda infância e adolescência. Tinha conseguido uma bolsa de estudo na escola mais conceituada na cidade mas antes de concluir meus estudos tive que sair das aulas, deixando meu sonho pra trás mas a dança foi o meu meio de ganhar dinheiro mesmo que seja de forma tão ruim. 

Minha professora dizia que meu corpo se movia como uma pluma no ar e que conseguia fazer o tempo parar somente com minha dança, foi assim que aconteceu quando o dono da boate me viu dançar, tive que fazer um teste na frente do homem apenas de calcinha e sutiã para que pudesse ver minhas habilidades, foi bem humilhante mas era isso ou passar dificuldades, perder a casa, não ter dinheiro para comprar os remédios da minha mãe e deixar Lucas ter uma infância privada de tudo, não queria isso então me concentrei na música e na dança. 

Assim que terminei o dono da boate estava encantado e também excitado, para minha tristeza sou atraente aos olhares masculinos apesar de sempre detestar isso. Aproveite de um momento de distração dele enquanto atendia o telefone e vesti minha roupa, não daria oportunidade para ele abusar de mim.

Cláudio me contratou naquele mesmo dia dizendo que iria ganhar muito dinheiro principalmente se quisesse me prostituir mas não queria ser prostituta, nada contra a profissão mas tudo isso seria temporário. Minha mãe ia melhorar, voltaria a me ajudar com as despesas da casa e tudo ficaria bem mas infelizmente três anos se passaram e as coisas só pioraram. 

Dançar pra aqueles homens era horrível mas o pior era ter que fugir das investidas deles, a maioria das meninas que trabalham aqui são prostitutas portanto a pressão em cima de mim por não ser era grande mas permanecia firme. Ganhava meu dinheiro apenas com a dança e nada mais. 

– Você entra em dez minutos, Lina?

Escutei Hector avisando que estava chegando a hora de dançar, então tratei de terminar minha maquiagem e vestir a lingerie da noite, sempre era uma calcinha fio dental que deixava tudo à mostra e um sutiã bem sexy e decotado, tudo para chamar atenção dos clientes ricos e tarados que vem aqui.

– Está bem gostosa hoje, Lina!

Sizia é uma das meninas que trabalha aqui, além de dançarina ela também é prostituta mas na verdade Sizia é bissexual mas diz que prefere homens do que mulheres, apesar de que costuma dizer“ Gosto de tudo que me convém, se não me convém fujo pras colinas”. Gosto dela pois foi a única que me tratou com carinho nesse maldito inferno quando cheguei, era novata e as outras ficaram com ciúmes de mim com o passar do tempo aprendi à me defender sozinha mas ainda sou grata à ela por tudo. É uma amiga de verdade.

– Também está muito bonita hoje, Si! 

– Hoje a pista está cheia de homens gostosos com cara de Ceo daqueles livros que você gosta de ler. 

Sou amante da leitura, leio de clássicos da literatura até bula de remédios mas desde do dia que Sizia viu o livro função Ceo na minha bolsa não parou mais de tirar sarro de mim.

– Isso não importa pra mim e sabe disso. A última vez que esse tipo de gente veio aqui, você sabe muito bem o que aconteceu. 

Um empresário playboy infeliz estuprou Liliane que entrou junto comigo, ela tinha acabado de sair do orfanato e queria apenas um emprego para poder se sustentar, ela como eu não é prostituta mas acabou sendo estuprada quando sem querer estava perdida aqui dentro da Luxus, aqui é enorme e o maldito pensou que minha amiga era prostituta, violentado ela como se não fosse ninguém importante. Foi horrível a cena dela toda machucada em um dos quartos da boate  e para piorar a situação, Liliane ficou grávida. Como o cara é muito poderoso, Cláudio fez questão de dar um “jeito” na situação, dizendo que se o empresário fosse denunciado todos ficaríamos sem emprego. Por medo ficamos calados, era o melhor. Liliane ainda trabalha aqui mas sempre tem medo quando empresários ricos e jovens vem aqui, sei que ela apenas continua nesse lugar por causa da filhinha de dois anos, fruto da terrível violência que sofreu. 

– Sei disso, mas nem todos são iguais aquele infeliz. Ainda bem que a Lili já fez o show dela provavelmente já deve ter indo embora, no domingo é aniversário da Isa, não esquece que o bolo é você quem vai fazer!

Havia momentos raros mas bem significativos e felizes pra mim como quando estou com as amigas que fiz aqui ou quando estou com Lucas e minha mãe. Quando me ofereci para fazer o bolo, fiz isso sabendo que Lili paga o aluguel sozinha, que cuida de Isa sem ajuda de ninguém e ainda tenta superar tudo que aconteceu sem esmorecer, ela não teria condições de fazer uma festinha para ela por isso eu, Sizia e Hector nos unimos para fazer uma festinha pra pequena, sou uma ótima confeitaria e não me custava nada fazer um bolo pra Isa. Arte essa que aprendi com minha mãe, ela ajudava com as despesas da casa antes da morte do meu pai fazendo doces, bolos e salgados mas agora ela não consegue fazer nada além de ficar deitada olhando o nada e abraçando a foto do meu pai, também choro e sofro pela perda mas preciso ter força pra continuar. 

– Não esqueci. Será bolo de prestígio, sei que ela gosta muito. 

Liliane é uma mulher maravilhosa que merece toda felicidade do mundo mas infelizmente a felicidade é um luxo que pessoas como nós não tem por muito tempo.

– Lina, chegou a hora. 

Fiz o sinal da cruz segurando a correntinha que um dia foi da minha bisavó e que era do meu pai antes de morrer. Sentia uma ligação especial com aquela corrente apesar de ter 72 anos, era como se pudesse sentir tudo que Amália Mendes sentia como uma conexão com o seu passado. Preciso focar no meu trabalho agora tenho que representar o meu papel de dançarina sensual e totalmente desprovida de pudores em mais uma noite que quero muito que acabe rápido!

Seja bem vindo à minha nova história

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