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Sedução e mistério

Capítulo 2

Sedução e mistério

O jantar transcorria calmo. À mesa estavam Eléa, Emma, Hanna e Théo estavam em silêncio total até que Théo se referiu a sopa.

- Está deliciosa, senhora Eléa.

Ele sabia que não era seu jantar dos sonhos, estava morto de fome e aquela sopa rala não faria aquela dolorosa fome ir embora e achava que iria dormir com aquela sensação de vazio no estômago. Emma soltou a colher dentro do prato e limpou a boca com um pano o olhando. Théo desviou o olhar para Emma enquanto Eléa sorria.

- Não está Théo, me perdoe, não temos o seu padrão mais, a sopa está rala.  - Respondeu Eléa em seguida baixando o olhar.

- Senhora, não é porque sou médico que tenho algum padrão melhor  -  Sorriu com dó da família mas sabia que tinha sim.

- Théo nos conte um pouco sobre o Brasil - Pediu Emma.

Hanna o observava pelo canto dos olhos e decidiu olhar diretamente para o rapaz esperando sua reação e a da mãe que não gostava de falatório à mesa. Théo olhava Emma que parecia ter vontade de se pronunciar desde que largou a colher e que o observava. Ele ouviu a pergunta e baixou o olhar para a mesa reparando em tudo que havia ali. A toalha da mesa era de flores rosas e os talheres e pratos caros faziam jus ao tempo em que a família possuía de tudo do bom e melhor, algo que já não era mais a realidade daquelas mulheres. Théo, por alguma razão, se sentia observado, comentado, vigiado e de certa forma aquilo o deixava sem jeito, desconfortável. Ele só precisava descobrir por qual razão. Pigarreou um pouco e deu um sorriso se lembrando de seu país.

- O Brasil é quente e bonito, mas em algumas regiões do Sul também neva igual aqui, somos um país de muitos climas diferentes mas as praias são as mais bonitas do mundo -  Ele pensou que elas nunca deveriam ter visto o mar  - Já viram o mar?

- Não tivemos a oportunidade, nascemos e crescemos em Lauterbrunnen. Quando meu marido era vivo,  -  prosseguiu Eléa - Tivemos vontade de viajar até Gênova, na Itália para conhecer o mar, mas não foi possível, ele partiu  -  Ela baixou os olhos marejados e seu queixo tremeu com a emoção, então parou de falar.

- Lamento  -  Théo respondeu  -  Um dia todas vocês irão.

- Eu vou!  -  Disse Emma -  Eu acho fascinante todas essas pessoas que chegam aqui para esquiar e vão a tantos lugares no mundo, um dia quero fazer isso, Théo, igual a você.

Hanna olhou um e em seguida outro.

- Você não pode - Disse Hanna  -  Tem que cuidar da vovó, assim como eu e a mamãe, ela não pode se levantar e você sabe que toda essa responsabilidade não pode ficar nas nossas costas.

Elas se olharam com mágoa. Hanna invejava que Emma quisesse ir embora mas sua vontade também era essa, desde que pudesse fazer o mesmo. Na verdade ela invejava a irmã por muitos motivos, Emma era mais velha e, portanto, tinha mais condições de fazer o que as duas tinham vontade de fazer. Ou pelo menos isso era o que Hanna achava. Emma, por sua vez, sabia que todo homem para quem ela olhava, Hanna iria cobiçar também. Emma achava que aquela competição deveria parar e logo, já estava virando uma rixa idiota e perigosa entre duas irmãs que deveriam ser unidas pela família e não separadas por assuntos banais.

- Chega Hanna, o rapaz não tem nada com nossos assuntos pessoais e é feio conversar isso à mesa. Acabou esse assunto aqui. - Eléa pôs fim ao debate.

- Eu... - Théo largou a colher  -  Eu lamento por sua perda senhora Eléa e acredito que tudo vai melhorar. Agradeço pela sopa e pela estadia.

Emma se levantou, largando colher e prato sobre a mesa e se levantando com lágrimas nos olhos para subir correndo as escadas emocionada.

- Lá vai ela, não posso dizer as responsabilidades dela com a família que fica assim.

- Emma!  -  Gritou a mãe, sem obter resposta.

Todos ouviram a porta do quarto bater. Em seguida ouviram batidas no teto da sala de jantar. Ambas sabiam que era Lya, a avó que certamente ouvira a correria nas escadas e a batida de porta e já sabia que algo estava errado. A avó controlava a família através de sua influência matriarcal e embora as netas achassem que ela estava demente, a avó Lya estava ainda muito bem.  Eléa bufou.

- Eu não aguento essas discussões de vocês, colocam mamãe nervosa.

Eléa se levantou, abandonando o jantar e rumando para o segundo andar para acalmar sua mãe.

-  Desculpe Théo  - Respondeu Hanna -  Você tem irmãos? Todo irmão briga, mas as coisas com Emma estão saindo do controle desde que papai morreu, ela não quer ajudar mais...   -  Hanna buscou mais sopa com a colher o olhando e em seguida olhou o crucifixo pendurado em seu pescoço, mas reparava em mais do que somente um símbolo em seu peito. Hanna reparava em como o brasileiro era bonito.

- Me desculpe - Disse ele  -  Acho que minha estadia trouxe discórdia, agradeço a sopa mas vou me retirar e dormir, amanhã vou montar minha barraca e preciso estar descansado.  Muito obrigado Hanna -  Théo se levantou com toda a educação familiar que aprendeu em toda sua vida e moveu a cadeira para junto da mesa sorrindo e em seguida saiu dali para ir para o quarto.

- Não precisa, mal tocou na sopa  -  Disse Hanna, mas ficou observando o rapaz de costas para em seguida se voltar a sua sopa com um sorriso vitorioso nos lábios.

Théo subiu as escadas sabendo que aquela noite dormiria depois de devorar os biscoitos que comprou no mercado.  Aquele drama familiar não era bem o que pretendia presenciar ao aceitar a estadia e estava certo de que no dia seguinte montaria sua barraca de camping um pouco mais longe da casa da família Weber.

Théo fechou a porta atrás de si e se sentiu seguro dentro daquele quarto. O brasileiro ainda tentou se comunicar com seus pais mas não havia sinal. A neve caia forte lá fora e a casa era um pouco mais afastada das torres de celular. Algumas vezes o sinal era forte, em outras vezes era fraco demais para sequer aparecer no celular. Ele se sentou na cama com os biscoitos ouvindo murmúrios no outro quarto mas ouviu também algo mais. O sótão fazia barulhos. Théo olhou para cima e ficou apurando os ouvidos para saber o que era e por fim achou se tratar de esquilos fazendo sua ceia no sótão da casa. A calefação fazia efeito e Théo começou a sentir calor. Ele retirou o pesado casaco, ficando de camiseta e cueca deitado na cama até que pegou no sono.  Ao acordar com um barulho, Théo olhou a porta e viu que alguém o observava no escuro da porta entreaberta. A pessoa se afastou rapidamente ao ver que ele havia acordado. Théo levou um susto pois sabia que tinha fechado a porta, porém não havia chave para trancá-la e isso o deixava desconfortável e exposto. Ele decidiu olhar o celular que carregava sobre o criado mudo ao lado e verificou as horas, dez da noite. Levantou-se para fechar a porta e vestiu uma calça de moletom ainda ficando só de camiseta. Ao se aproximar da porta ouviu um barulho que vinha lá de baixo. Foi o suficiente para perder o sono e ir ver se alguma das irmãs ou Eléa precisava de ajuda.

Théo passou pelo quarto da avó Lya e ouviu vozes. Desceu as escadas com cuidado, tentando fazer o mínimo de barulho. Aqueceu os braços esfregando as mãos em ambos sentindo uma corrente de ar gelada. Ao chegar próximo a cozinha, o brasileiro viu Eléa colocar um prato com alguma coisa líquida do lado de fora da porta. Ele se aproximou.

- Boa noite.

Eléa levou um susto e fechou rapidamente a porta. Théo achou aquilo muito estranho.

- Boa noite Théo, eu estou colocando leite para os gatos. A noite eles bebem.

Théo se perguntou em que momento ele havia pedido explicações sobre o que ela fazia, mas pareceu bastante afoita em tentar explicar. Gatos a noite naquela nevasca era algo que ele não conseguia imaginar, mas aceitou aquela explicação.

- A senhora precisa de ajuda?

- Não, meu filho, não, melhor subir e voltar a dormir, algo o acordou?

Théo coçou a cabeça e em seguida a barba. Se dissesse que alguém abriu sua porta e o observava de camiseta e cueca na cama, aquilo poderia detonar a terceira guerra mundial dentro da família então preferiu apenas mentir.

- O sótão... tem esquilos?

Eléa sorriu, sem jeito.

- Ah devemos ter sim, alguns roedores no inverno gostam de fazer ninhos e lá está uma bagunça. Desculpe por isso.

Ela parecia sempre querer se desculpar por tudo, mesmo que nada fosse culpa sua. Eléa, então, se aproximou dele com seu habitual jeitinho doce e pegou em seu braço.

- Vamos, querido, você precisa descansar.

Ambos subiram as escadas vagarosamente e ao passarem pela porta do quarto da avó ouviram as irmãs rindo. De repente da porta saiu Hanna os vendo no corredor.

- Está acordado? Mamãe?

- Não estão dormindo por quê? - A mãe rapidamente soltou o braço de Théo que percebeu toda a movimentação estranha.

- Estamos ouvindo a vovó, venham!

Hanna os puxou para dentro do quarto da avó que olhou Théo com desconfiança.

-Wer ist dieser hübsche Mann? - Perguntou a avó em alemão. Todas riram.

Théo sorriu totalmente desconfortável e sem ter saída estendeu a mão a velha senhora.

- Acho que ela me xingou.

- Ela perguntou quem é o homem bonito. - Respondeu Hanna.

- Me chamo Théo, sou brasileiro, me deram uma noite para ficar em sua casa, como agradecimento por ter trazido as compras de Emma. Como está a senhora?

Ela o observou durante segundos que pareceram intermináveis, em seguida respondeu em alemão, o que foi prontamente traduzido por Hanna.

- Eu estou bem, brasileiro, e como agora minha filha e neta hospedam estrangeiros? Está pagando? - Hanna traduziu com embaraço.

Théo pensou bem na suposição agradável.

- Olha... - Disse ele rindo -  Na minha situação até seria agradável, mas não sei se poderei dispor desse dinheiro todo.

A avó olhou Eléa. Sorriu.

- Eléa, precisamos de um homem em casa de novo, as paredes fazem barulhos e os gatos... - Ela parou de falar e olhou para ele -  Precisamos de lenha para a lareira e um homem para ajudar na casa e fazer compras. - A avó explicava tudo para a filha em alemão.

A velha senhora não sabia da pandemia, mas parecia saber de tudo que se passava ao seu redor. Todas se entreolharam, pensativas sobre a possibilidade. Somente Théo achava que aquilo não daria certo, era um sentimento, mais como uma premonição do que uma certeza.

- Ela te convidou a ficar - Disse Eléa o olhando meio de soslaio.

- Obrigado, mas eu tenho uma barraca de camping.

- Théo - Eléa sorriu para ele - Todos aqui sabemos que nesse inverno você irá gastar sua energia e suas economias até reabrirem a estação de trem. - Ela fez uma pausa olhando as filhas  -  Não queremos te obrigar, você faz o que achar melhor mas seria bem vindo se pudesse nos pagar com seus serviços em troca de estadia, almoço e jantar. Pense, estamos nos arriscando, é verdade, mas é pior lá fora com o tal vírus e a neve.

Nenhum deles ainda conhecia muito bem como agia o vírus e o medo era generalizado entre a população. Théo pensou e repensou. A melhor alternativa que tinha era realmente ficar com as Weber.

- Tudo bem, eu fico aqui, apenas me digam o que fazer.

- Pegar lenha na floresta  -  Disseram em uníssono Hanna e Eléa, menos Emma.

- É arriscado - Logo Emma se pronunciou franzindo a testa.

- Ah calma menina, ele vai ficar bem, aquela coisa só aparece a noite.

Coisa? Théo se preocupou.

- Coisa? Algum lobo?

Elas riram.

- Não - Respondeu Emma  - É uma lenda da minha avó, os antigos acreditavam em coisas estranhas por aqui Théo mas é coisa de gente antiga, folclore.

Ele olhou as quatro mulheres e sorriu.

- Ah... - Falou, lembrando-se de que havia sido informado que a avó estava um tanto demente -  Certo, mas eu não tenho um machado.

- Nós temos! - Disse Hanna - Um machado do meu pai, aliás todas as ferramentas do meu pai para consertar a casa. Ficarão lindas na sua mã...

- Hanna! - Disseram alto Eléa e Emma.

A avó ria divertindo-se do interesse amoroso das irmãs e dos hormônios em ebulição da tenra idade. Théo tinha compreendido e baixou a cabeça sorrindo, envergonhado.

- Hanna acho que fico melhor com bisturi na mão.

- Mamãe ele é médico. Ele pode fazer a senhora melhorar, não é Théo?

Eléa perguntou com os olhos brilhando enquanto o observava e então olhou a mãe. Lya fechou a cara.

- Eu não tenho conserto, não dê mais trabalho ao moço tão gentil mas eu fico admirada que seja médico, é bom ter um médico em casa. - A avó falava com Eléa.

O brasileiro ficou com a curiosa sensação de que queriam que ele ficasse para sempre. Mas sabia que era somente força de expressão da avó. Logo ele se sentou em uma poltrona com os olhos de todas sobre seus bíceps naquela camiseta. Lya esperou todas se sentarem em volta dela para começar a contar suas histórias folclóricas.

- Théo, o meu pai uma vez foi buscar lenha na floresta aqui perto e escorregou na neve. O mais curioso é que quando ele acordou, estava sendo carregado por dez anões.  Pode acreditar? O que você faria se fosse carregado por dez anões?

Théo riu e olhou as irmãs.

- Eu acho que sairia correndo, eu nunca vi anões. - Brincou ele.

A avó ficou séria. Parecia que uma aura de mistério havia tomado conta do quarto. O silêncio lá fora apenas era quebrado por um outro floco mais pesado de neve que batia no vidro da janela. Théo olhou a janela.

- Há algumas coisas na nossa Suiça que são especiais, brasileiro e nós não podemos falar sobre elas... T... T...

- Théo - Disse Emma -  Vovó, ele não precisa ser aterrorizado como nós fomos desde crianças. Deixe ele ir dormir em paz. Nem vamos traduzir para ele mesmo.

- ah, cala a boca criança... Vocês não foram aterrorizadas, foram instruídas e hoje Eléa sabe o que fazer em situações de crise, eu não sei o que se passa  -  Ela esticou o pescoço na direção dele  -  Acho que ninguém quer me dizer mas pensam que estou caduca, moço. - Ela o olhava dentro dos olhos  -  Mas eu sei que tem algo ruim acontecendo e que temos a proteção das entidades da floresta.

- Mamãe! - Eléa se levantou e puxou Théo pela mão - Théo, venha, precisamos deixar a mamãe dormir, ela começa a ficar agitada com pessoas diferentes em casa e desata a falar asneira.

Eléa puxou Théo que se levantou ainda olhando para a senhora e dessa vez achando que ela realmente não batia bem da cabeça. Nesse momento viu que o quarto dela tinha fechadura e chave. As meninas deram boa noite a avó e foram para seus quartos. O brasileiro se encaminhou ao seu, mas antes disso, virou-se para Emma.

- O meu quarto não tem chave, mas notei que o da sua avó tem. Será que posso ver amanhã uma fechadura nas coisas do seu pai?

- Claro Théo, como quiser... - Respondeu ela.

- O que quiser - Respondeu Hanna e saiu correndo para dentro do quarto deixando Emma naquela situação vexatória. Ambos riram.

Emma baixou a cabeça muito envergonhada e deu boa noite indo rapidamente para o quarto.  Théo foi para seu quarto e fechou a porta. Bateu com os dedos no lugar da fechadura retirada.

- Que merda...

O dia seguinte seria cheio, procurando entre as coisas do velho Weber as ferramentas para consertar sua porta antes de tudo, depois ajudar as mulheres e colher lenha na floresta. O brasileiro coçou a barba por fazer e se jogou na cama de bruços. Agora pelo menos teria lugar quente para dormir e comer enquanto ajudasse a família, mesmo que embora não soubesse como cortar árvores. Sorriu se divertindo com a história dos anões contada pela avó Lya. Seria bom no dia seguinte buscar na internet, se o celular funcionasse, a respeito das lendas e mitos da Suiça, assim poderia conversar com a avó e o tempo passaria mais depressa.

- Você é uma idiota Hanna! - Emma se deitava com raiva da irmã - Ele vai pensar que somos um bando de taradas. Já somos mal vistas em Wengen, agora com um homem desconhecido em casa, como seremos chamadas? As prostitutas de Wengen?

Hanna estava sentada fazendo cachos entre os dedos com os seus cabelos ruivos longos e sorria.

- Você liga para o povo de Wengen? Não era você que queria ir embora? Que quer ver praias e lugares quentes? Quem sabe não gruda no brasileiro e vai com ele, casada?

- Não seja idiota, eu não penso nisso...  - Emma se enrolava nas cobertas sonhando com aquilo, porém não por interesse, estava atraída por Théo.

- Já que você não pensa nisso, eu posso pensar então.

Emma se virou para ela com raiva e ciúmes.

- Hanna, eu vou matar você dessa vez, eu juro, eu gostei muito dele.

- Então vamos apostar em quem ele dá um beijo primeiro?

- Não!

- Pois eu não perguntei, ele vai me dar um beijo primeiro e você vai saber.

- Hanna eu juro, para com isso ou eu não me responsabilizo, eu conto para a mamãe sobre esse seu comportamento de prostituta e você vai ver só!

- Pois eu não ligo a mínima e você disse que não se interessa por ele...

- Eu nunca disse isso!

- Então aposte! Vamos ver quem é a irmã mais atraente para ele?

Emma ficou pensando. Sabia que Hanna era má o suficiente para aquilo e que ela não iria parar até conquistar aquele homem apenas para provar que podia e que podia ser melhor que ela em tudo.

- Certo Hanna, vá em frente e conquiste.  - Emma tentou demonstrar frieza para fazer a irmã achar que não se importava então aquela perturbação poderia ter fim -  Faça o que achar que deve, você nunca vai me deixar em paz.

Hanna riu alto.

- Emma você é patética com essa sua mania de perfeitinha, eu estou te ajudando a conquistar logo esse homem e você pensa mal de mim. - Disse enrolando ainda os cabelos nos dedos e em seguida mordeu os lábios. - Ele é lindo mesmo, Emma.

- Está bem! Quem conseguir dar um beijo nele antes da outra, se retira, mas o beijo precisa ser visto pela outra, Hanna.

- Fechado, irmãzinha.

Hanna se deitou rindo e imaginando como seria dar um beijo naquele homem lindo. Emma pensava o mesmo, mas não queria o fazer de tolo. Isso seria um grande erro. Em sua mente Hanna havia instalado o caos novamente em casa. Emma só respeitava sua irmã pois sabia que ela tinha sofrido muito a perda do pai, bem mais que ela. Só isso fazia Emma suportar as perseguições da irmã. Decidiu dormir logo pois o dia seguinte seria pura tensão.

Os raios do Sol batiam nas pálpebras brancas de Théo e o incômodo o fez abrir os olhos. Ouviu vozes do lado de fora da porta. As irmãs Weber estavam de pé. Théo buscou apenas com a mão o celular sobre o criado mudo. Oito horas. Como tinha dormido! Elas já deviam ter tomado café. Théo se levantou e vestiu o casaco por cima da mesma camiseta do dia anterior, calçou os tênis e foi escovar os dentes. A sua sorte era de que os quartos eram suítes com banheiros bastante simples e banheiras de louça branca barata. Escovava os dentes imaginando porque um dos quartos não tinha fechadura e era logo o que tinham indicado para ele se instalar. Ou não tinham medo de nada ou tinham muito medo de que alguém pudesse se trancar e aprontar alguma coisa ali. Théo saiu do quarto fechando a porta atrás de si e decidiu verificar enquanto ouvia as vozes lá embaixo. Entrou em um quarto e viu que havia fechaduras e até mais quatro trancas por dentro. Para que tantas? Olhou o quarto das meninas e viu que era igual. Aquilo era bastante estranho. Eram muitas trancas. As mulheres deviam ter muito medo de invasores, o que era estranho pois a Suiça era um país praticamente sem violência e assaltos e ainda mais em Wengen, uma cidade modelo para os turistas onde a segurança era uma prerrogativa redobrada da polícia.

O cheiro de café estava delicioso e Théo resolveu esquecer aquilo até encontrar uma fechadura para sua porta ou ir comprar no centro da cidade. Desceu as escadas tranquilamente enquanto as vozes se faziam mais próximas conforme se aproximava da cozinha. Assim que dobrou para a esquerda, olhou para a sala de estar que ficava a direita e viu Eléa sentada costurando algo em sua poltrona. As irmãs estavam falando alto sobre o que viram na televisão.

- Bom dia  -  Ele disse animado

- Bom dia  -  Respondeu Hanna sorrindo

- Bom dia - Emma respondeu já buscando uma xícara para ele e lhe servindo o café.

Hanna percebeu que estava em desvantagem, mas não podia lhe partir também o pão pois ele perceberia aquela atitude exagerada dela então sorriu “amarelo” para ele.

- Viram a televisão? - Perguntou ele.

- Vimos agora de manhã e tudo continua na mesma, Suiça não permite as viagens aéreas e aglomeração. Os mercados aqui em Wengen vão permitir a entrada de só uma pessoa da família  - Explicou Emma - Se precisar ir eu vou com você.

- Não! - Disse Eléa em bom tom da sala onde estava  -  Não quero minhas filhas faladas, andando com um homem estrangeiro pela cidade. Théo é forte e pode pegar um carrinho elétrico ou vir a pé.

Ele olhou as meninas e deu um sorriso triste. Em seguida riu.

- É melhor. Primeiro eu vou tentar achar fechadura para a minha porta e depois precisam do que?  - Ele olhou ambas enquanto colocava açúcar em seu café.

Emma o servia com uma broa de milho e manteiga de leite de cabra.

- Muito obrigado Emma. - Ele a olhou e sorriu sempre muito educado.

- Precisamos da lenha para a noite na sala, para ver filme. Hoje faremos a noite de filmes, não é meninas? - Disse Eléa da sala.

- Certo, vou precisar ir a floresta então? Um machado?

As duas riram dele.

- Papai tinha um cortador elétrico, é um pouco mais pesado que um machado só que vai demorar bem menos e não te cansar.  - Respondeu Hanna.

Ele riu mordendo o pão. Théo não sabia nada sobre aquilo, entretanto era a sua experiencia de vida. Passaria por aquilo mais sábio e mais forte. Assim que Théo terminou o café da manhã, as duas irmãs ruivas saíram pela porta da cozinha para ajudar Théo a retirar a neve que caiu da noite anterior de cima da porta do porão.  O brasileiro passou por cima do prato vazio que Eléa tinha colocado com algo dentro na noite anterior para os gatos.

- Os gatos beberam todo o leite  - Reparou ele

Emma e Hanna se entreolharam sérias sobre aquele assunto. Théo ficou olhando para seus rostos preocupados com sua observação.

- Não há gatos aqui, Théo.  - Respondeu Emma

- Emma! - Repreendeu Hanna.

- Alguma hora você vai entender como as coisas funcionam nas vilas Théo, mas agora nós precisamos dos seus braços fortes para tirar a neve.

- Certo... - Ele olhou o prato vazio mais uma vez e olhou a neve.

Não havia pegadas de gato na neve fofa, mas a neve caíra a noite toda, já eram nove horas da manhã e, portanto, as pegadas poderiam ter sido cobertas. Théo se aproximou da porta do porão e achava que tudo ali começava a ficar bastante misterioso.

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