No dia seguinte, eu não aguentava trainar, não podia sequer me levantar da cama, meu abdome doía, por causa do choro e por causa dos vômitos, eu me sentia doente, me sentia perto de me internar em algum hospital.
Lembro quando fiquei assim, Chuck tinha acabado de “morrer”, eu adoeci, fiquei alguns meses sem ir para a escola, isso era como eu lidava com meu luto, mas agora não era mais luto, ele estava vivo, tanto que desejei que aquele dia não tivesse acontecido, desejei que ele voltasse, que meu pai tivesse errado o tiro.
Isso me lembrou.
Meu pai nunca errou um tiro.
Por que ele havia errado, e se errou, e sabia, por que não voltou para terminar o serviço?
Nada fazia sentido, nem meu pai errar, nem Chuck sobreviver e não me procurar.
Alguém bateu na porta do meu quarto, eu ainda estava na cama, então mandei entrar, já eram dez da manhã, o treino na academia já tinha terminado. Clara entrou com uma bandeja de café da manhã e caminhou até minha cama. Ela colocou a bandeja sobre a mesinha e se deitou ao meu lado, se ajeitando em baixo da coberta. A única coisa que veio na minha cabeça foi perguntar:
— Você sabia?
— Não. Não escondo coisas de você, mesmo que quisesse, não conseguiria. — Ela respondeu. — Eu ouvi você com papai ontem, sinto muito.
Eu fiquei em silêncio. Meu rosto começou a queimar e parecia que minhas lágrimas estavam se preparando para atacar de novo.
— Eu quero vê—lo. — Disse enfim. — Quero ir na floresta.
Clara se levantou e me encarou perplexa.
— O que? Não! Você não vai. — Decretou ela. — Ele não é o mesmo, ele é um Alfa agora, e se você for, vai ser estraçalhada pelos seus cachorrinhos de estimação.
— Ele pode ter mudado, mas não vai me machucar. Ele nos deixou ir. Lembra? Você precisa ir comigo.
— Não, não invente ideia, Sammy. Eu não vou, você não vai, nós não vamos. Nem que a vaca tussa.
—
Algumas horas depois…
— Se o Tyler descobrir, estamos mortas! Adeus homens, adeus mundo, adeus roupas de grife e vibradores. Adeus. — Disse Clara quando estacionou a caminhonete na entrada da reserva.
— Ele não vai descobrir. — eu disse descendo do carro.
Ela fez a mesma coisa e em alguns segundos estava ao meu lado.
— Eu te odeio. — ela disse quando segurou minha mão.
— Eu me odeio também. — Respondi e a puxei floresta a dentro.
Nós caminhamos de mãos dadas e sem armas, apenas com um celular na mão. Já era noite de novo, a floresta estava assustadoramente escura e os barulhos de animais me fazia sentir no filme Floresta Maldita, ou em The Walking Dead. Eu sentia algo, aquele calor, haviam lobos nos observando, eu tinha certeza. Quando chegamos mais dentro da floresta, eu já estava começando a tremer, eu nunca tinha ficado assim antes, e pra completar eu estava desarmada, poderia ser uma presa fácil pra qualquer um.
— Por favor… Se tem alguém me ouvindo, eu preciso… Eu… Eu preciso falar com o Alfa. — Eu disse, torcendo para que alguém me escutasse e me levasse até ele.
Clara apertou minha mão forte e continuamos em frente. Alguns minutos depois, estávamos no mesmo lugar de ontem, perto dos troncos velhos. Não tinha ninguém por perto, mas meu pescoço queimava, sentindo olhos em cima de nós.
— Ele não vem. — Disse Clara depois de vinte minutos esperando. — Ele está dando uma chance para irmos embora, e eu acho que é isso que devemos fazer.
— Não, eu não vou embora. — Respondi.
— Sam…
— Não! — Exclamei.
Ela se calou e cruzou os braços. Ela não era de acatar o que eu falava, nunca, eu sou a mais nova. Mas dessa vez ela decidiu não discutir.
— Chuck! Eu sei que está me ouvindo. — Eu comecei. Lágrimas desceram dos meus olhos. — Por favor… Eu preciso falar com você. Não me ignore. — Supliquei.
De repente um uivo machucou meus ouvidos, me forçando a cobri—los com as mãos. Uma fera pulou na nossa frente, era um lobo, grande, marrom escuro, com alguns fios marrom claro. Seus olhos laranjas de alfa mostravam ódio. Suas presas estavam a mostra, e ele nos encarava. Clara segurou em minha mão e apertou. Nós nos afastamos para trás. Se ele quisesse poderia nos matar agora mesmo. Eu sequei minhas lágrimas e dei um passo pra frente. Clara me puxou e eu me soltei dela, lançando—a um olhar tranquilo.
— Eu sei que é você, Chuck… — eu disse olhando diretamente nos olhos do lobo. — Por favor, não se esconda.
As presas dele se esconderam dentro da boca, e sua expressão de ódio suavizou. Um homem caminhou até nós, ele estava com um pano nas mãos. Ele se aproximou de Chuck, que aos poucos ia retornando a sua forma de humana. Quando vi que ele ia ficar nu, eu corri meus olhos para as árvores atrás dele, ignorando o "Uau" que saía da boca de Clara, até que ele pegou o pano que o homem trouxe e vestiu. Era um sobretudo. Meus olhos encontraram os dele, aquele azul claro que eu nunca pude esquecer, aquele azul que se fechou da última vez que eu o vi. Que eu pensei que nunca mais veria. Estava bem aqui, na minha frente.
O homem que trouxe o casaco continuou ao seu lado, um pouco mais atrás. Chuck continuou parado, me observando, sem nenhuma expressão.
— Por que? — perguntei.
Ele permaneceu em silêncio.
— Além de ganhar uma bala no peito você ganhou uma bala nas cordas vocais? — Perguntou Clara. Ele ergueu os olhos pra ela que estava atrás de mim, e eu pude ver um pouco de sentimento, era raiva. Não vi a expressão de Clara, mas sabia que ela estava com uma das sobrancelhas levantadas o desafiando a respondê—la.
— Por que o que? — ele finalmente falou. Sua voz estava diferente agora, mais alta e mais grossa. Assim como ele estava maior.
— Por que não me disse que estava vivo? Por que me deixou pensar que tinha te perdido?
— Porque você me perdeu. Eu estava morto.
— Mas como? E como está aqui, se estava morto?
— É mais complicado do que eu consigo explicar. Mas eu morri.
— E por quanto tempo, você, morreu?
— Três dias.
— E não pensou em me procurar depois disso? Pelo menos dizer: “Hey, Sam, eu estou vivo, estou bem. Não sofra tanto.” — Perguntei.
— Eu não podia, Sam. — Ele diz meu nome com o típico sotaque caipira de Forest Lake e eu tenho que usar todo meu autocontrole para não chorar. — Tudo era mais complicado do que eu posso explicar.
— E quem pode explicar, Chuck? Já que você é o Alfa, tem alguém que possa me dizer alguma coisa? Que não me faça sentir ódio de mim mesma, por ter passado dez anos da minha vida pensando em você todo santo dia? — Explodi. — Meu pai mentiu, você mentiu. Tudo mundo mentiu pra mim, porra.
— E você achou que matando lobisomens a faria se sentir bem depois disso? — Ele perguntou. Parecia magoado.
— Eu fiz o que eu precisava fazer, era o trabalho da minha família. Assim como você agora é o Alfa. Imagino que precisou matar seu pai pra isso.
— Isso não importa agora. Nada mais importa. Nem você pra mim e nem eu pra você, não nos conhecemos mais. Eu não sou o mesmo, eu mudei, e você também.
— Não, eu não mudei… — Respondi amargurada.
— Ah não? Antes você odiava seu pai por matar pessoas como eu, e agora você é como ele.
— Eu não tinha mais ninguém, e eu fiquei com raiva, de você, do meu pai, de todo mundo, e pessoas como você estavam matando, sem parar. Em todos os lugares. E você não estava lá. Nunca!
— Eu sempre estive lá, Sam, nunca deixei você. Depois de alguns anos, quando eu finalmente voltei a mim, não tinha um dia que eu não visse você, eu sempre estava por perto. E você sabia, sempre que eu me aproximava de você, seu coração batia mais forte, você lembra de sentir isso?
Minhas lágrimas começaram a descer. Ele sempre esteve lá. Aquele calor que senti quando entrei na floresta ontem, era ele. Todas as vezes que eu chorava, era ele. Quando eu fui a faculdade na primeira vez, eu também o senti. Na minha formatura da escola, em todos os lugares. Ele sempre esteve lá.
— Você… Você me viu sofrer por você, e mesmo assim, não fez nada? — Perguntei magoada.
— Eu não podia, droga, eu não podia.
— E por que não?! — Gritei.
— Seu pai me envenenou.
— Como assim? Não foi uma bala de prata que te matou?
— Não, foi algo pior, antes eu tivesse morrido. Teria sido menos doloroso. — ele passa a mão na cabeça antes de continuar. — Ele me enfeitiçou, me amaldiçoou. Eu fiquei “morto” por três dias, então eu acordei, com sede de sangue, e matei a primeira pessoa que eu vi na minha frente. Eu queria sangue. — Que diabos? — Depois que eu matei, eu assumi minha forma de animal, e fiquei preso nela por quatro anos, não me lembro de nada, só alguns flashes, eu estava matando, sem piedade. Nossa raça são os Lupinos. E com essa maldição, eu virei um Lupino Metamorfo. Lobos metamorfos não tem controle em sua forma animal. Não era como se eu pudesse controlar, como os Woyruas normalmente controlam. Como queria que eu voltasse pra você? Quando eu achei que havia me curado. Eu pensei em te procurar, eu juro, mas você estava feliz na faculdade, e tinha conhecido um cara. Eu não podia acabar com isso. Você estava finalmente colando todos os pedaços. E eu não garantia que a maldição não fosse voltar, então te’ ir. Até que ontem quando você entrou na floresta, eu senti seu cheiro e depois ouvi sua voz, você conversando com seus irmãos. Eu não entendi o que você fazia aqui, mas aí eu ouvi vocês falando sobre caçar e eu percebi, percebi que você tinha virado uma deles.
— Eu sempre fui uma deles.
— Não, você se tornou uma deles, a Samantha que eu conhecia não mataria, principalmente pessoas da espécie do cara que ela mais amou na vida. Você mudou Samantha, não negue.
Eu mudei? Ele virou o Alfa da alcateia. E eu mudei?
— E agora eu também mudei, e você não deveria vir mais aqui. — Ele continuou. Eu não tinha nem encostado nele. Nem chegado perto. Estávamos há três metros de distância um do outro. E eu me sentia há quilômetros. Eu ainda o amava com todas as minhas forças, mas ele não me amava mais. Eu passei minha vida inteira sofrendo por alguém que não tentou, que não se importou a ponto de me procurar. Achou que estaria me fazendo bem ao me afastar, mas só piorou tudo.
— Espero que eu tenha esclarecido tudo, mas preciso que vá agora. Está tarde, e os lobos não costumam ser muito pacientes a noite. Não volte mais aqui, ou vamos matar cada caçador que aparecer, isso inclui você.
Eu o encarei perplexa. Ele acabou de destruir o que faltava do meu coração, ele simplesmente me destruiu. Acabou com tudo de bom que eu lembrava dele, ele acabou de me ameaçar. Eu dei alguns passos pra trás, e esbarrei em Clara que me envolveu em seus braços. Ela se virou e caminhou para longe comigo, dizendo baixo no caminho:
— Você é mesmo um vira—lata.
Voltamos para casa bem, Clara tentou me convencer a deixá—la dormir em meu quarto, mas eu não quis, eu precisava pensar, chorar, e odiar, eu precisava do meu momento, da minha angústia. Ele não era a mesma pessoa, ele não era o Chuck que eu conheci há anos, ele era o Alfa agora, o Chuck morreu naquele dia. E eu não precisava sentir nada por esse Alfa.Com o coração destroçado eu me deitei em minha cama, podia ouvir sua voz daquela época, dizendo que me amava, que nunca me abandonaria, podia ouvir sua respiração fraca quando raramente adormecia antes de mim, eu me agarrei em tudo de bom que vi
Eu terminei minha faculdade, peguei meu diploma e no último mês não foi mais ouvido notícias de mortes por animais na floresta,eleshaviam ido embora, a alcateia inteira. Ele finalmente havia ido embora.Eu não sei se “finalmente” seria a palavra certa… Bom… Seria… Se eu estivesse feliz com isso, mas não estou, me sinto miserável, um lixo, ele me deixou, de novo. E eu continuava gostando dele, continuava o amando. Tudo estava pior, eu não cacei mais, não saí mais, e o único lugar que eu ia, era até o bar do Pete, as vezes com Clara e as vezes sozinha. Não tinha mais falado com meu pai direito depois daquilo e não pretendia voltar a falar.Eu pesquisei algumas cidades que talvez eu devesse ir e escolhi uma que talvez me deixas
Eu podia sentir a casa tremer com o tornado passando, era pequeno, pelo que Chuck falou, mas perigoso. Estávamos todos no porão, incluindo os três empregados que vieram hoje e Tina.— Meu peito está doendo, estou me sentindo sufocado. — Disse Chuck se sentando no chão.— Agora você sabe como me sinto, idiota. — Eu disse pra mim mesma e sabia que ninguém estava me escutando. E nem Chuck, pois ele estava ocupado sentindo dor.— — Encontrei… Sozinha… Ninguém… Fugido… Polícia… Depois…Eu estavam tonta, tudo o que eu via era uma luz branca muito forte, elas estavam correndo, eu ouvia uma voz de homem familiar, mas a da mulher eu não reconheci. O que estava acontecendo? Onde eu estava? Por que eu sentia tanta dor?—— Clara<9 - Calerva
1900GRÉCIAANTIGA MANSÃO WOODHOUSEEra dia de ação de graças quando Elizabeth Woodhouse enlouqueceu. Ela segurava uma adaga de prata que antes era usada para enfeitar uma parte da parede de sua casa, junto com o resto de antiguidades da família Woodhouse. Seu marido Alec Woodhouse, seus filhos mais velhos, Benjamim e Lorec, gêmeo
Depois de conseguir me livrar dos meus irmãos, eu peguei o celular na gaveta da cabeceira. Tinha algumas chamadas perdidas de Clara e outras de Josh, antes de entrarem no meu quarto de hotel. Mas haviam dez ligações de Chuck, e três mensagens de texto.— Atende o telefone, Sam..— Sam? Eu descobri uma coisa..— Samantha? Não saia do hotel, estou indo aí. Deus, eu espero que esteja bem.
Caleb tinha voltado para a escola e eu fiquei sozinha com a governanta que me atendeu hoje mais cedo. Passei o dia treinando na academia de Caleb. Não era tão grande como a do meu pai, mas dava pra fazer alguma coisa. Algumas horas depois eu peguei meu Jeep e saí da floresta em direção a cidade. Ainda não tinha escurecido, mas era quase noite. O gelo estava deixando a estrada escorregadia, mas dava pra dirigir. Eu falei com Clara enquanto dirigia. Ela começou a falar como papai estava mal e eu desliguei. A última coisa que eu queria agora era ouvir sobre meu pai.Passei por uma loja de armas. Eu havia trazido algumas para Darkvalle, mas eu sentia falta de armas nov
Eu estava deitada na cama, o corpo quente de Chuck me envolvia. Eu podia ver por sua respiração que ele ainda estava dormindo. Fiz todo o possível para não acordá—lo. Tirei seu braço de cima de mim e me apoiei com o cotovelo. Chuck me puxou de volta e me apertou.— Onde vai? — perguntou com a voz embargada de sono.— Banheiro. — respondi.Ele me soltou e eu sai da cama e fui em direção ao banheiro ao lado de fora do quarto.