Levei um grande susto quando abri os olhos novamente. Como num passe de mágica minha televisão desligou e as luzes apagaram. Teria tido alguma queda de energia e eu não percebi?
Levantei e fui olhar o meu celular: 25 de janeiro de 2010, 10h12. Estava explicado, já havia amanhecido. Eu não estava acreditando que tinha dormido dezesseis horas seguidas. Não era por acaso que estava com fome.
Fui tomar banho. Depois do banho, peguei meu habitual roupão de todo dia e desci para tomar meu café, com os cabelos úmidos. Pensava em tomar leite, mas o cheiro forte do café me hipnotizou. Me senti como naqueles desenhos em que a fumaça da comida fazia o formato de uma mão e puxava o personagem até ele. Quase pude sentir meu corpo flutuando.
Como já era de se esperar, tomei café sozinha. Era raro nos reunirmos à mesa para comer seja lá o que for. Exceto por aqueles domingos em que o papai fazia um belo de um churrasco e chamava os vizinhos. Mas de qualquer forma não era a mesa da copa. Era a mesa da varanda, de madeira, larga e comprida. Ela parecia aquelas mesas dos castelos, porém menor e menos elegante. Meus irmãos que adoravam aqueles churrascos. Eles sempre faziam questão de ir comprar as carnes e o carvão. E era até bonito ver a felicidade dos dois. Acho que vou sentir falta desses domingos.
Nossa cozinha me fazia lembrar muito os dois. Tinha quase que uma série humorística gravada naquelas paredes. Como quando o Patrick resolveu dar uma de cozinheiro e quase pôs fogo na casa. Ou quando o Toni trouxe a primeira namorada para conhecer a família. Ele foi oferecer um refrigerante, mas não conseguia abrir a garrafa. E quando abriu, ele havia sacudido tanto que voou refrigerante pra tudo que é lado. Odiava admitir isto, mas esta casa não era a mesma sem os dois aqui.
Soprei um pouco a xícara de café em uma tentativa de espantar, junto com o vapor, essas lembranças que estavam quase me fazendo chorar. Estava parecendo a mamãe, agindo como se os dois não fossem voltar nunca mais.
Mamãe estava colocando algumas roupas para lavar, nem me ouviu descendo. Passei na área de serviço para dar bom dia para ela. Ela me deu um beijo, mas afastou as mãos o máximo que pode, estavam molhadas.
– A mãe da Milena ligou. – minha mãe voltava para a máquina de lavar roupas.
– Sério? Nem ouvi o telefone tocar.
– Ela disse que já estão em casa e perguntou se você não queria dar uma passada por lá.
– Claro, vou daqui a pouco!
Milena era a minha melhor amiga desde a infância, mas tinha mudado um pouco naqueles últimos anos. Ainda éramos melhores amigas, porém, pensávamos de modo diferente. Desde que seu pai começou a subir na vida, ela e a mãe começaram a ficar um pouco “metidas”. Ainda não era um caso perdido, mas não deixava de ser preocupante.
Quando cheguei à casa de Milena, o carro ainda estava com o porta malas aberto e o pai de Milena estava carregando as malas.
– Quer uma ajudinha, senhor Marcelo? – perguntei assim que o vi com duas malas na mão e uma pequena bolsa pendurada no ombro direito.
– Seria uma grande ajuda. Pode pegar aquela mala ali, a da direita! Não está pesada, são apenas alguns vestidos da Milena. – peguei a mala que, de fato, não estava pesada – Você é realmente um amor de menina. – ele entrou e eu o segui.
Deixei a mala junto com as outras que estavam em frente a escada. A mãe de Milena, Susana, estava na cozinha bebendo água.
– Alice, quanto tempo! – seus cabelos loiros estavam tão fortes e brilhantes que chamaram mais atenção do que qualquer outra coisa. Parecia que eu estava encarando o próprio sol.
– Realmente! – respondi tentando não fechar os olhos e não ficar cega.
– A Milena está no quarto. – agradeci a deixa.
– Que bom! Vou subir para falar com ela.
– Vá, querida! – ela acenou enquanto eu subia as escadas.
Bati na porta apenas por bater. Ela estava aberta, então já fui entrando.
–Alice! – Milena parecia feliz em me ver. – Entre querida, quanto tempo! Esse um mês e meio que passei fora realmente fez diferença!
E como tinha feito. Milena estava mais perfeita do que já era. Tinha abandonado definitivamente a aparência de criança. O cabelo loiro dela estava em sua cor natural, nada berrante como o da mãe. Seus olhos azuis faziam o contraste perfeito com sua boca avermelhada. Sua pele estava com um bronzeado impecável e tudo nela parecia esbanjar beleza e saúde.
Botamos todos os nossos papos em dia. Obviamente Milena teve mais coisas para contar do que eu, mas estava tentando não focar minhas atenções nisto.
– Alice, sabe no que eu estava pensando?
– O que? – disse enquanto ajudava a arrumar as coisas.
– Nós podíamos marcar de ir ao shopping. – Milena jogou as roupas que estavam na cama pro lado e se sentou.
– Ótima ideia, mas quando? – tentei juntar as roupas e continuar arrumando.
– Amanhã! – Milena não parecia querer arrumar as coisas. Jogou novamente a pilha de roupas para o lado.
– Amanhã?! – e eu mais uma vez tentava continuar a arrumação.
– Sim. Por que deixar para outro dia o que podemos fazer amanhã? – Milena levantou animada.
– Não é bem assim o ditado. – sorri praticamente já aceitando o convite.
– Vamos, Alice! Podemos chamar a Bia e a Mel!
– Desde quando as duas estão de volta? – perguntei desconfiada.
– Desde ontem! Elas me mandaram um e-mail avisando. – Milena respondia como se isso fosse óbvio demais para ser perguntado. Não pude evitar de me senti excluída.
Bianca e Melissa eram outras amigas de turma. Elas sempre moraram em Vila Bela, mas – acredite se quiser – só nos conhecemos quando fomos para a mesma sala, três anos atrás.
– Tudo bem, eu vou! – resolvi parar de enrolar.
– Que maravilha! – Milena bateu palmas.
– Estou mesmo precisando de alguma diversão. – sentei na cama de Milena.
– Estou com um pouco de fome. – Milena falou passando a mão na barriga.
– Eu também. Ainda não almocei. – repeti o gesto.
– Vamos à lanchonete da Lucia? Eu estava com saudades dos pratos naturebas dela. – Milena deu um salto e se pôs de pé.
– Ótima ideia! – respondi com o mesmo entusiasmo.
– Então eu vou ligar para as meninas! Vou ver se as duas podem ir conosco. – Milena pegou seu celular e começou a discar.
Elas tagarelaram um bom tempo. Mel ligou para Bia e as três ficaram conversando na mesma chamada – acho. Nunca entendi direito como isso funcionava, mas adorava.
– Tudo certo, as duas já estão indo para lá! – Milena estava mais animada agora – E a Mel vai levar a Isa também.
– Isa? – me espantei – Ela também já chegou?
– Alice, querida, você já foi mais atenta. – Milena colocava seus óculos escuros – Desse jeito não vai poder nos acompanhar quando as aulas voltarem.
Descemos às pressas. Falamos rapidamente com a mãe de Milena e fomos direto para a lanchonete.
Chegamos na lanchonete juntas. Essa sincronia às vezes me assustava. Sem contar as roupas, todas combinando. O clã estava formado e eu não tinha percebido ainda.
A lanchonete era bem grande e aconchegante. Era bem iluminada e tudo nela era bem colorido, praiano e descolado. Não por acaso era o lugar favorito de todo mundo que ainda estava na escola. Sem contar que tinha uma linda vista da cidade morta de Vila Bela. Acho que era o único lugar da cidade que parecia ter vida.
– Então garota, me conta como foi de férias? – Mel perguntava para Milena.
– Muita coisa aconteceu. – Milena sorriu como se escondesse um segredo – Mas me deixem por último, por favor. Quero ouvir vocês!
Nós pedimos alguns sanduíches e suco de morango com hortelã. Apesar de às vezes serem meio esnobes, elas não eram meninas malvadas. Estava feliz em reencontrar minhas amigas depois da onda de depressão que me abateu quando meus irmãos viajaram.
Estava me divertindo muito ouvindo as histórias das meninas que nem senti o tempo passar. Mas a leveza da conversa acabou sendo interrompida com a bomba que a Isa jogou.
– Vocês ficaram sabendo do Sr. Guedes? – Isa falou em um tom de fofoca séria.
– Diga, diga! – Milena já estava curiosa.
– Dizem que ele vai se mudar. – Isa ficou se equilibrando entre os tons “mistério” e “fofoca”, mas acabou ficando com o tom de fofoca.
– Pobre Sr. Guedes. – Milena deu uma suspirada – Deve ser difícil para ele perder a mulher depois de... De muitas décadas juntos!
– Eu diria milênios! – Mel riu, mas logo se recompôs e colocou uma expressão de condolências em seu rosto – Acho que eles estavam aqui desde sempre.
– Soube que ele está indo para Itália, morar com o filho mais velho. – completou Bia.
– Mas isto não é tudo. – Isa voltou ao tom de mistério, mas por pouco tempo, o tom preferido dela era de fofoca mesmo – Ouvi dizer que já vendeu a casa há alguns meses. A nova família está na Espanha ainda, e devem se mudar para cá em fevereiro. Parece que eles estão com alguns assuntos para resolver por lá.
– Nossa, que coisa! – Eu e Milena falamos quase em coro.
– Mas isto não é tudo. – Isa prosseguiu.
– Meu Deus, garota! – Bia interrompeu – Você estava fazendo alguma investigação da nova família da cidade, tipo, pegou a ficha completa dos indivíduos? – Todas riram.
– Engraçadinha. Vão querer saber ou não?
– Já que fez a investigação completa, continue! – Bia continuou brincando.
– Parece que o nome da família é Devón, eles são quatro: O marido, a esposa e dois filhos. – ela fazia as contas nos dedos
– Parece que é uma garota, mais velha, e um garoto. – Isa deu bastante ênfase a palavra garoto.
– Será que é gatinho? – Milena já ficou animada.
– Para o bem de todas nós, é melhor que seja um deus! – completou Bia.
– Credo! Vocês só pensam nisso? – Mel deixou seu comentário. Mas foi ignorada.
– Mas Isa, vem cá! – disse Bia enquanto levantava uma sobrancelha e se debruçava na mesa, como quem vai contar um segredo – Como você consegue todas essas informações?
– Eu tenho meus contatos. – disse Isa, rindo maliciosamente.
Todas continuaram comentando sobre como achavam que a nova família era. Em todos os aspectos. Eu tive que me resumir apenas em dar um sorriso sem sal e balançar a cabeça concordando com tudo. Mas uma coisa era certa: esse ano seria bem movimentado em Vila Bela. Bem movimentado mesmo.
Depois que voltamos da lanchonete, liguei para minha mãe. Falei que iria dormir na casa da Milena esta noite e que iriamos ao shopping no dia seguinte. Ela não disse nada para me impedir, apenas perguntou se tinha ocorrido tudo bem na viajem da Milena e os pais dela. Eu disse que sim. Era a verdade.
Feliz ou infelizmente o mês de janeiro havia acabado. Foi rápido e tedioso, talvez um dos meses mais solitá Finalmente a aula havia acabado, não estava mais suportando aquilo. Estive ao ponto de pensar que poderia enlouquecer se ficasse mais um segundo ali, com ele me olhando e eles fofocando sobre mim. Quando sai da classe pude ouvir algumas garotas contando para outras salas o que havia acontecido. No corredor, indo para a sa As coisas estavam indo terrivelmente mal para mim. O dia anterior tinha sido um... Nem sei como chamar o dia anterior.Estava indiscutivelmente mal por tudo o que vinha acontecendo.As coisas estavam mudando rápido demais e eu n Fiquei tão estranhamente confusa com tudo o que estava acontecendo que acabei perdendo a noção do tempo. Peguei meu reló Quando estava voltando da escola, fiquei pensando no Devón.Queria entender o que ele era, ou melhor, o que ele significava para mim. Às vezes eu tinha certeza de que eu o5. Invasão
6. Olhos Protetores
7. Brigas
8. Histórias de Dormir
Com um pouco de custo, consegui voltar a dormir depois do sonho estranho. Quando acordei, tentei não dar muita atenção pra ele. Era só um sonho bobo, não é?Quando cheguei à escola, Milena e Bia estavam conversando no corredor principal. Elas pareciam bem animadas. E eu não estava para tanta animação.
O dia já estava amanhecendo e nenhuma de nós dormiu bem aquela noite. Tudo por causa da fantasmagórica brincadeira do copo. Levantamos a contra gosto. Tínhamos que ir à escola – por mais que ninguém estivesse com ânimo para isso.Depois que tomamos cafÚltimo capítulo