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4. O Nome Dele é Daniel Devón

Feliz ou infelizmente o mês de janeiro havia acabado. Foi rápido e tedioso, talvez um dos meses mais solitários de toda minha vida. Eu já estava farta de ficar sem fazer nada. Absolutamente nada.

Pela primeira vez estava feliz em acordar para ir à escola. Pelo menos lá eu encontraria os meus amigos, teria algo o que fazer e não ficaria o dia inteiro dormindo e assistindo televisão.

Fui tomar meu banho, como todos os dias. Às vezes achava que minha vida era um eterno loop, sempre se repetindo.

Quando desci para tomar café, não senti o cheiro de pão e café fresco de sempre. Olhei a cozinha, estava vazia e intacta. Subi correndo pelas escadas e fui direto para o quarto da minha mãe.

Ela ainda estava deitada, mas não estava dormindo.

– Mãe, o que aconteceu? perguntei.

– Não acordei bem hoje, me desculpe. Eu não pude preparar seu café!

Coloquei a mão em sua testa, estava quente.

– Mãe você está com febre! Até parece que eu vou deixar você descer nessas condições. Pode deixar que eu me viro. Já tomou algum remédio? perguntei quase sem respirar.

– Já sim! Seu pai me deu o remédio que o meu médico sempre indica em casos como este!

– E onde está ele agora? perguntei nervosa.

– Ele foi à padaria. Disse que iria comprar pão, mas que não iria demorar.

– Tudo bem, mas nem pense em se levantar da cama. Vou preparar algo para você!

Sai do quarto e deixei a porta encostada. Enquanto descia as escadas, ouvi um barulho de porta abrindo. Era o papai!

– Alice, acordou?! Comprei pão! meu pai foi colocando os pães em cima da mesa e continuou Acho que já deve ter visto a sua mãe.

– Ela está com febre, mas já vou preparar o café dela!

– Não precisa. Você vai acabar se atrasando para escola. Hoje não é o primeiro dia de aula? neste momento papai pegava algumas frutas.

– Sim, mas eu não vou deixar a mamãe assim. Hoje eu não vou! respondi furiosa pelo papai achar que eu era tão insensível assim.

– Mas filha, não precisa! Eu vou ficar cuidando da sua mãe, pode ir!

– Hum, vai cuidar bem dela? – perguntei brincando.

– Claro que vou, eu cuido da sua mãe desde antes de você nascer. Apesar de que ela é quem tem talento para cuidar das pessoas. Confesso que ela cuida muito mais de mim do que eu dela! Ele riu e eu o acompanhei.

– Tudo bem, mas só se a mamãe achar que não vai precisar de mim!

Subi e fui olhar a mamãe de novo. A febre ainda estava alta, mas não muito. Acho que o papai daria conta de cuidar dela sozinho.

Eu sabia que a mamãe iria me mandar para escola, mas perguntei mesmo assim:

– Mãe, você acha que pode ficar sozinha com o papai ou prefere que eu fique?

– Claro que eu posso ficar sozinha com seu pai! Já fiquei sozinha com ele tantas vezes, o que de ruim poderia acontecer? Pode ir filha, eu vou ficar bem! – Ela sorria, mas sua voz já não era tão angelical como costuma ser. Sua voz estava triste.

– Sério, não vai mesmo precisar de mim?

– Já disse, pode ir!

– Então está bom, eu vou! Me despedi dela, dei um beijo e sai. Antes de fechar a porta, coloquei o rosto entre a abertura da porta e perguntei, só de brincadeira:

– Tem certeza mesmo?

– Vai! – ela respondeu rindo. Desta vez parecia mais com a velha Michele de sempre.

Não cheguei a tomar café. Peguei uma maçã e fui comendo pelo caminho. Apesar de poder chegar alguns minutos atrasada no primeiro dia de aula, eu queria chegar antes da primeira aula começar. Fui apressando o passo.

Não precisei andar muito para reparar uma movimentação estranha na antiga residência dos Guedes. A casa – que agora seria dos Devóns era no final da minha rua, por isso, quase sempre passava por ela quando ia para qualquer lugar.

Estavam dois caminhões de mudanças e um carro preto parados em frente à casa. Eles deviam ter chegado cedo, parecia que as coisas estavam bem adiantadas. Tentei ver se conseguia achar alguém da nova família, mas não consegui. Só se via os carregadores de uniforme.

– Bem, acho que terei muito tempo para conhecê-los. – eu disse para mim mesma.

Assim que cheguei à escola dei de cara com Milena, Isa, Mel e Bia. As quatro acenaram para mim e eu segui correndo para perto delas. Não voltamos ao shopping desde aquela vez, mas comentávamos de um novo dia de compras.

A escola havia sido reformada. Mas pouca coisa tinha realmente mudado. Todas as paredes foram repintadas e o quadro negro trocado, fora isso era tudo a mesma coisa. A nossa sala esse ano seria a última do corredor do terceiro andar.

Apesar de a cidade ser pequena, a escola vivia cheia. Todos na cidade estudam ou estudaram nela. Era difícil ver algum aluno novo. Isso acontecia quando alguém de fora da cidade resolvia sabe Deus o motivo matricular seu filho na escola ou quando alguém se mudava para a cidade – o que era ainda mais raro de acontecer.

Esse ano eu já esperava por novidades desde o dia em que Isa disse que a família Devón se mudaria para a cidade. E assim que entrei na sala, pude ver a primeira mudança.

Três mesas após a minha estava ele, sentado, olhando para a janela. Assim que eu entrei, ele fixou o olhar em mim, mas logo desviou. Já eu não consegui tirar os olhos dele.

Ele tinha cabelos cacheados e pretos que estavam estrategicamente bagunçados, um corpo na medida para sua idade, uma boca encantadora e um olhar sedutor. Não tinha como negar que, desta vez, acho que iria gostar de ter a rotina quebrada. Seus olhos verdes voltaram a me observar, desta vez um pouco mais discretos. E eu estava hipnotizada. Acho que nem estava piscando.

Não sei quanto tempo ficamos nos olhando. Só fui lembrar mesmo que estava na escola quando a Mili me acordou, me empurrando para dentro da sala. Mesmo depois que entrei, ele continuou me olhando. Meu coração estava disparado em um misto de encanto e medo.

Assim que sentei senti mais olhos em minha direção. Fiquei assustada. O que será que todos estavam vendo de tão estranho em mim? Resolvi olhar melhor. Claro, os olhares não eram para mim. Eram para ele.

Senti-me mal por ele. Deveria estar sendo horrível ser novo aluno e já chamar toda a atenção para si. E ele não parecia ser do tipo que gosta de chamar a atenção.

Aos poucos vi em seu rosto o desconforto de estar sendo observado pela sala toda. Na verdade, a cara dele era mais de constrangimento, acho que principalmente por causa dos comentários. Todos – até mesmo os garotos estavam admirados com sua beleza. Também pudera, ele conseguiu, pelo menos de mim, o título de novo gatão da sala, talvez até da escola.

Por alguns instantes, aquela angústia que sempre tenho quando minha rotina é mudada começou a me invadir de tal forma que chegava a doer. Talvez não tenha sido tão bom este garoto aparecer por aqui.

O sinal bateu e a primeira aula começou. Era de literatura.

Havia comentários de que a professora antiga tinha se demitido, mas não se sabe ao certo o motivo. Parece que ela desistiu de ser professora para cuidar dos negócios da família, que não eram pequenos.

Assim que todos entram na sala, a professora nova entrou também.

– Olá, classe. Meu nome é Amanda Devón, serei a nova professora de literatura de vocês. Espero conseguir ser tão boa quanto a antiga professora, soube que era excelente.

A surpresa foi geral. Ninguém esperava uma professora de literatura nova e bonita, ou melhor, nova e linda. Seus cabelos cacheados e pretos estavam em um coque. Sua pele parecia de porcelana, olhos verdes e um corpo de dar inveja. Ela também tinha uma fisionomia angelical, porém era mais exótica. Ela era tão hipnotizante quanto o aluno novo.

– Sei que a maioria de vocês já se conhece muito bem – a professora continuou – mas gostaria que cada um levantasse e dissesse nome e idade, começando por esta fila.

Ela começou pela fila ao lado da porta. A minha seria a terceira e última fila. Creio que a sala inteira compartilhava o mesmo desinteresse em ouvir as apresentações uns dos outros. Todos só estavam interessados em ouvir uma única pessoa.

Olhei rapidamente para trás. Ele ainda me observava com os mesmos olhares de vigilância que manteve somente sobre mim. Não sabia se me sentia lisonjeada, constrangida ou assustada com isso.

A segunda fileira já havia acabado e a terceira já estava se apresentando. Não demorou muito para chegar minha vez.

– Bem, acho que todos já me conhecem. Meu nome é Alice Montês e tenho 16 anos e estudo aqui desde sempre e... viva a literatura! eu estava nervosa, mas acho que ninguém além da professora reparou.

A fila seguiu com Milena e Mel, quando finalmente chegou a hora dele. Virei para vê-lo falar.

– Meu nome é Daniel Devón, tenho 15 anos.

Pela primeira vez pude ouvir sua voz. Era incrivelmente bela. Tinha um tom angelical e doce que combinava com seu rosto. Mas também era uma voz firme e segura. Daniel Devón. Sentia que nunca esqueceria este nome.

A angustia tomou conta de mim outra vez, agora mais forte e arrebatadora. Sentia uma sensação de perigo e isso estava me atraindo muito.

Após todos terem se apresentado, Amanda começou a passar a matéria.

– Este é apenas um texto de introdução. Não iremos nos aprofundar agora. Por isso, não se preocupem; o texto é pequeno.

Ela passou um quadro inteiro. Em comparação ao que tínhamos no ano, um quadro realmente era pequeno. Antes de terminar o último parágrafo, Amanda foi chamada a sala da diretoria. Parece que a pauta dela já estava pronta.

Assim que ela saiu, Daniel se levantou e veio até minha cadeira. Agora sim, todos os olhares estavam voltados para mim.

O misterioso aluno novo, que se manteve calado durante toda a aula, veio até a minha cadeira.

– Acho que seremos bons amigos. – foram as primeiras palavras que ele trocava comigo. Muito estranho. Que tipo de garoto se apresenta com “acho que seremos bons amigos”?

– Q-q-que bom. Então quer dizer que você é um Devón?

– Parece que sim! – ele sorriu.

– Ah, sim! Bom saber. – respondi meio constrangida e sem saber o que fazer.

– Eu mudei para a mesma rua que você mora! – ele disse sorrindo.

– Sim, eu sei. Mas como você sabe disso? – fiquei ainda mais assustada.

– Eu te vi saindo de sua casa e passando pela minha casa. – ele continuava sorrindo.

– Você... Você... Me viu? M-m-as como? estava sem saber o que dizer – Eu não vi ninguém.

– Eu estava dentro do carro.

– Dentro do... Ca... Ah, claro! – estava sentindo minha pele corar.

– Espero te ver mais vezes. Agora vou para o meu lugar. Amanda já deve estar voltando!

Ele voltou para o lugar. Eu estava tremendo. Sabia que se fosse qualquer outro garoto eu não teria ficado tão nervosa. Mas ele estava abalando minhas estruturas. E eu mal o conhecia. E isso era muito ruim.

Como ele disse, não demorou muito e Amanda já estava de volta. Ela terminou o parágrafo, mas poucos voltaram a copiar.

Estavam todos comentando o que acabava de acontecer. E eu não estava gostando nada de ouvir as pessoas fofocando sobre mim. Odiava ser o centro das atenções.

As outras aulas foram a mesma coisa, troca de olhares, comentários, suspiros e batimentos cardíacos a mil por hora. E no intervalo do lanche não foi diferente. Os comentários só aumentaram. E a fofoca de que ele falou comigo – somente comigo – já tinha se espalhado.

– Alice, você falou com o aluno novo? – perguntou Jane, uma colega do 3º ano.

– Pode se dizer que sim. respondi meio sem jeito.

– Mas você já o conhecia? ela parecia muito interessada.

– Não. – eu estava muito sem jeito – Eu o conheci junto com todo mundo.

E este diálogo se repetiu por todo o intervalo. E pior. Se estendeu para depois dele.

Já estava vendo tudo claramente. Esse ano sem dúvida não seria igual aos outros. Não mesmo. Era como se eu pudesse prever o meu futuro, que não estava nada agradável. Estava prevendo várias fofocas, cochichos, murmúrios e mais milhares e milhares de olhares incansáveis sobre mim. Não sei o porquê, mas sentia que esse Daniel realmente estava disposto a se torna um grande amigo meu. Mas com tantas garotas na sala, mais bonitas, mais encorpadas, mais disponíveis, ele tinha que escolher justamente a mim. A mim?!

Realmente podia prever o meu futuro. Sabia exatamente o que me aguardava e sabia que não iria gostar nada mesmo. Mas parece que não existe escapatória, este ano é o ano das mudanças e minha rotina não seria apenas interrompida. Ela seria reescrita. 

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