— Meu nome é Joana. Eu estou nesse plano de existência há mais de 15 anos, e aprendi muito. Meu aprendizado começou no plano anterior, pois eu estudava magia. Vivi de forma bem intensa, não posso reclamar. Eu aprendi o valor da jornada naquele plano, e em outros anteriores. Mas acho que sou estradeira desde os primórdios. Devo ter sido uma espermatozoide viajante. É a minha sina. A estrada é a minha vida. E gosto de gente. Adoro pessoas, adoro o conhecimento, adoro, adoro, adoro muito tudo isso! Amo a vida, e quando “morri” do lado de lá, entrei em pânico, achando que era o fim de tudo. Foi quando percebi que era apenas o início. E entendi que não existe morte. Existem planos de existência, e este em que estamos, Solomon, é um estado transitório. Que pode ser tão ou mais longo que uma vida bem vivida.
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Eu nunca vou entender o que houve com Solomon, mas hoje eu sei que ele está bem, pois eu o vi quando estava morta. Eu tive uma EQM (Experiência de Quase-Morte). Os médicos ouviram a minha história e me olharam como se eu fosse louca. Mas eu sei, dentro de mim, eu sei que o que aconteceu foi real, que eu vi Solomon, falei com ele, e ele me salvou. Ele me fez recuar e perceber o quanto estava errada em abandonar minha vida e deixar Niara e meus pais nesse mundo ingrato, sozinhos. Não, não, eu não tenho esse direito, e agradeço ao meu marido por me dar essa lição, em circunstâncias tão estranhas. Hoje eu vejo a vida de forma muito diferente. Eu sei que tirar a minha vida não seria libertador, não me jogaria em escuridão e sono eterno. Isso aqui é só uma passagem, mais uma etapa. Sendo assim, &eacut
O derradeiro contato com Diane me permitiu aceitar minha “morte”. E aceitar que não é uma morte, e sim uma continuação. A vida continua de diversas formas. Um longo tempo de preparação me esperava para uma nova encarnação. Eu provavelmente não lembrarei desse tempo após renascer. Mas naquela época eu tinha sede de saber mais e mais sobre aquele novo universo (eu estava quase entendendo o conceito de multiverso, afinal). É incrível como nossos conceitos se dissolvem como água entre os dedos, quando passamos por experiências brutais e mudanças radicais. Nada do que era parecia fazer qualquer sentido. O novo se coloca no lugar do velho, e passamos a existir sob novas regras e leis. Joana me contou que a vida terrena é cheia de imperfeições bizarras, causadas por incont&aa
Podia ser um bonito fim, não é mesmo? Joana e eu fizemos diversos shows gratuitos, antes de chegar a hora dela. Com sua companhia, pude me preparar melhor para o que viria. Porém, dúvidas permaneciam. E foi a Amit que eu recorri para obter respostas, afinal ele me devia várias. — Amit, seu velho cínico, como espera “evoluir” mentindo tanto? — Algumas mentiras são de ocasião, meu caro Solomon. — Por vezes, imaginava que era aquele sorriso torto que o impedia de evoluir mais rápido. — Eu me obriguei a contar uma história que não era totalmente mentirosa, para que você pudesse suportar sua nova realidade. Casa coisa a seu tempo. Sim, eu errei gravemente com você, Solomon. Infelizmente, um erro impossível de des
Dedicado à minha mãe, Odete Razzolini, In Memorian (1942-2018)Capa: Murillo MagalhãesIlustração da capa: Kauê DaipraiTexto e revisão: Eu mesmo, porque, né... $$$Créditos acima em ordem alfabética de função pra ninguém ficar triste.Copyright © 2018 por Fabiano JucáTodos os direitos reservados. Nenhuma parte do livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do autor que, por coincidência do destino, sou eu.Esta obra é uma obra de ficção.LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998.“Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangív
Minha mãe faleceu sem ler meu primeiro livro, Rua de Pedra em Sépia. Gostaria muito que ela tivesse lido este que você tem em mãos, mas não houve tempo. É na dor que a gente aprende algumas coisas que só parecem óbvias depois do fato. Aí não tem mais volta. E as lembranças vão e voltam, e a gente se cobra e se cobra e se cobra, sem parar. Talvez tudo ocorra para que possamos evoluir. Talvez seja tudo muito fortuito. Não sei. Espero que haja algum sentido nisso tudo, pois, se não tiver, ficarei bem decepcionado. Enfim, eis aqui um livro cuja história começa a partir de uma sensação estranha que tive quando parei numa lanchonete de beira de estrada, com minha família. Assim que a família de Solomon vai ao banheiro feminino, ele tem a n
Brasil é o meu sobrenome. Um homem chamado Brasil em um país de mesmo nome. Solomon Alberto Brasil, descendente de escravos. Meus bisavós nasceram dentro de uma senzala. Não sei quase nada sobre eles. Apenas histórias, lendas, mitos. Todo registro se perdeu. Meus avós já eram alforriados, trabalharam em lavouras, em um esquema que pouco diferia de escravidão. Comeram o pão, aquele famoso, bem amassado, duro e seco. Vidas tão áridas quanto as terras que eles cultivavam.Meus pais são nordestinos. Cresceram em Pernambuco. Ainda jovens, desceram ao Paraná, em busca de oportunidades. Encontraram subempregos, vilas periféricas e sentiram fome. Além da fome que atacava o estômago, havia o preconceito que atacava a alma. Talvez isso fosse o pior.Eram lutadores. Melhor dizendo, são até hoje, estejam onde estiverem. Eu sinto q
Eu não sei dizer onde minha vida começa. Se no meu nascimento (ou concepção), ou se naquele dia fatídico em que entramos numa lanchonete, durante uma viagem, para descansar, comer alguma coisa, e relaxar depois de mais uma discussão ríspida.Eu tinha 28 anos. Teoricamente, tínhamos viajado para comemorar nove anos de casados. Passamos dois dias em Foz do Iguaçu. Dois dias bizarros. Originalmente, passaríamos uma semana. Mas Diane e eu não estávamos tão conectados quanto gostaríamos. Ou quanto eu gostaria, ao menos. Não posso falar por ela.Ela era professora de Sociologia no ensino médio, e estava cogitando fazer Mestrado na área. Nas horas vagas, era anarquista profissional, participava de todas as manifestações possíveis, e fazia questão de estar na linha de frente dos protestos. Admiro isso nel
… Até acordar em uma cama de hospital. Sim, era uma cama de hospital. Roupa de cama toda branca, as paredes também brancas, um saquinho de soro fisiológico – ou algum outro remédio – pendurado ao lado da cama, ligado ao meu braço direito, uma das pernas para cima, toda enfaixada, pendurada, como naqueles desenhos animados que eu assistia quando criança. Não fazia a mais remota ideia de como havia parado ali. Tentei mover os braços, sem sucesso. Dor. Mal conseguia abrir um dos olhos. Aparelhos por todos os lados. Uma enfermeira se aproximou:— Bom dia, senhor Solomon, vejo que acordou. Vamos tomar uma sopinha? — Lançou-me um sorriso radiante. Tentei falar, não consegui. Não saía som, e de qualquer forma, doía demais. Dúvidas, dúvidas, muitas, infinitas (multiverso). Algumas palavras vinham à mente, como se ditadas por outra voz