Certamente você pode pensar que tudo no mundo é muito simples, que todas as coisas seguem seu ritmo e cabe a nós apenas estar ali e esperar pelos seus resultados. Mas esquecem-se que a cada movimento nosso, mesmo o mais leve balançar de mãos ou mesmo uma palavra dita pode mudar nosso destino. Essa história que estou prestes a contar é sobre como mesmo o céu que é onde nosso destino é decidido pode ser mais sensível do que você imagina.
Nossa história começa em um pequeno povoado no interior do Japão feudal, onde ele ainda era divido em inúmeras províncias e cada uma delas de responsabilidade de um senhor feudal, onde ele providenciava proteção, por meio dos muros ao redor da propriedade, dos inúmeros soldados, recursos para plantio e área para construção das casas, claro que os camponeses pagavam por isso com parte de seu plantio e impostos. O Japão estava passando por uma época de muitas guerras civis por disputas de poder e territórios, mas o feudo de Izu vivia em paz, diziam que por ser protegidos por dois objetos sagrados.
Chiyo Saito era uma garota alegre, filha da xamã da vila, mas apesar disso possuía seus próprios dons. Ela podia através da meditação e do seu toque entrar no sonho das pessoas, e através disso ajuda-las seja decifrando as mensagens deles, seja revelando os recados de seus entes queridos ou mesmo trazendo conforto para a sua dor. Por conta disso, todos daquele lugar apreciavam a pequena Chiyo, então por onde ela passava as pessoas a cumprimentava com saudações alegres, lhe dedicavam sorrisos e até pequenos relatos de como a intervenção dela ajudou a melhorar a vida deles. Mas como eu havia dito antes, a mãe de Chiyo, a senhora Kaede, era uma xamã, então estava acostumada a ter contato com espíritos, coisas que já não estão aqui conosco, premonições, vislumbres de coisas futuras. E num desses pressentimentos decidiu alertar sua filha mais uma vez.
— Chiyo, minha filha, quantas vezes preciso lhe pedir? Pare de ajudar essas pessoas. Não quero que você tenha o mesmo destino que o meu — Kaede falou com um misto de angustia e tristeza, pois em parte sabia já ser tarde para esse tipo de aviso.
— Mas mamãe, eu gosto tanto de ajudar. De ver o sorriso das pessoas ao verem as suas angustias serem resolvidas e depois virem me contar e eu saber que foi porque ajudei — a menina falava empolgada com um sorriso nos lábios.
— Você já está em idade de se casar minha filha, falei com a casamenteira esta tarde. Você verá como será melhor assim.
— Não quero que seja assim, quero que o amor chegue para mim junto com a brisa e quando ele vier me casarei, seja ele quem for — Chiyo disse impetuosa.
— Sabe bem que não é assim que funcionam as coisas, só porque não tem um pai aqui não quer dizer que pode se casar com quem quiser, a tradição diz que a casamenteira deve escolher e assim será. E não vamos falar mais nisso.
— ...
Quando Chiyo estava prestes a responder a mãe, ouviu-se uma estrondosa batida na porta seguida por um anuncio:
— Saito Chiyo, abra a porta em nome do Senhor Feudal Izu, ele convoca sua presença imediatamente no palácio.
— O que foi que eu disse — sua mãe limitou-se a responder.
Sem nem imaginar do que se tratava a menina se vestiu com a melhor roupa que tinha, afinal iria até o palácio, colocou o manto da mãe, pois o seu estava curto e foi escoltada pelos guardas até o castelo. Chegando lá, para ela parecia estar entrando num mundo novo, havia um amplo jardim gramado, com canteiros floridos, mesmo eles estando em época de seca. Mais adiante tinha um pequeno lago privado, com um coreto próximo, onde podia-se ficar ali observando os peixes ou mesmo pescar, mais a frete ficava o castelo propriamente dito, que era na verdade uma enorme casa, com inúmeras portas, ladeada com piso de madeira polida, onde você podia se ver refletido, também haviam inúmeras lanternas de papel iluminando o lugar. Chiyo foi conduzida até uma das salas onde um senhor vestindo um requintado quimono de seda aguardava sentado sob uma almofada, assim que entrou foi indicado para que se sentasse na almofada a frente.
— Sabe porque pedi para te chamar? — indagou o senhor.
— Não senhor, Dáimio Izu.
— Alguns empregados me disseram que você pode ler sonhos. Isso é verdade?
— Sim senhor.
— O meu filho está dormindo tem alguns dias e não acorda, já fizemos oferendas pra arvore sagrada, o monge já veio até aqui orar por ele, e mesmo assim nada resolveu — Izu falou de maneira séria olhando para a pequena moça a sua frente — Quero que leia o sonho dele e me diga o que está errado.
— Tudo bem.
Então Chiyo foi levada até o aposento onde o jovem mestre repousava, ele estava deitado em meio as cobertas, tinha os olhos fechados com força, os lábios contraídos, sua pele estava pálida, assim como seus lábios. Sua expressão era de medo, de sofrimento, ao seu redor tinham incensos, velas, oferendas aos deuses e aos antepassados, mas nada disso parecia resolver o que afligia os sonhos daquele jovem. E como alguém que está acostumada a cuidar dos outros Chiyo, sentou-se ao lado do rapaz, segurando sua mão, fechou seus olhos e aos poucos foi entrando com seu espírito no campo dos sonhos dele.
Quando chegou lá só havia caos, o rapaz estava sentado sobre uma pequena casa vermelha, parecida com uma lamparina, dentro dela queimavam os incensos e as velas deixadas pelos seus familiares durante as orações para cuidar dele. E ao redor havia centenas de espíritos perturbados, espíritos vingativos, que tentavam alcança-lo, mas que não conseguiam por ele estar naquela posição. Chiyo ficou com muito medo, quis ir embora imediatamente, mas tinha um trabalho a fazer, havia brigado com sua mãe não tinha muito tempo por gostar de ajudar pessoas e agora com uma que mais precisava de sua ajuda, não iria fugir, então respirou fundo algumas vezes e caminhou até um dos espíritos tocando-lhe o ombro.
— Senhor, senhor. Por que atormenta este jovem rapaz? — disse com a voz mais firme que pode.
— Porque a família dele destruiu a minha e a de muitos outros que estão aqui, nós não temos um tumulo, não somos velados, não somos lembrados, estamos vagando, estamos perdidos — o espirito do velho senhor falava enfurecido — então um a um vamos levar os membros desta família até que tenhamos um lugar de descanso.
— Entendo, se eu conseguir que vocês tenham um tumulo adequado num lugar ao sol, com flores e incenso uma vez ao ano, vocês deixam o rapaz em paz?
— Eu sim minha jovem, mas alguns aqui não é tão simples.
— Só um instante eu já volto — Chiyo disse antes de se retirar da mente do rapaz e voltar ao mundo mortal.
Um pouco sem folego e pálida, ela se levantou e seguiu para a sala onde se encontrava o senhor Izu, para relatar o ocorrido e verificar o que poderia prometer aos mortos. Assim que entrou na sala, lhe fez a reverencia apropriada e lhe foi permitida a palavra.
— Seu filho está em perigo, ele está cercado por centenas de espíritos vingativos, está protegido apenas pelas velas e incensos que há no quarto com ele — Chiyo falou de forma séria sem aparentar a pouca idade que tinha.
— E você pode destruí-los? — quis saber o senhor feudal, claro porque sempre é mais simples destruir do que cuidar.
— Não é possível destruir todos sem que cause danos ao seu filho. Eles precisam ser consolados.
— Consolados? Como?
— Alguns foram mortos por soldados da sua família ao longo dos anos, então seus ossos estão na floresta, eles desejam um tumulo, e ser cultuados no dia dos antepassados. Outros querem apenas que sua história seja ouvida, mas há muitos são centenas.
— E como saberemos onde estão esses ossos?
— Se o senhor me der alguns dias posso consolar os espíritos que atormentam o seu filho e dizer onde os ossos estão.
— Que assim seja então. Até que meu filho acorde você virá todos os dias ao palácio, um escriba ficará com você para que anote a localização dos ossos.
E assim foi feito durante muitas semanas Chiyo ia todos os dias ao palácio, sentava-se ao lado do leito do jovem senhor, segurava sua mão e mergulhava dentro do seu subconsciente e lá começava seu trabalho de consolar os espíritos, alguns contavam suas histórias, outros das coisas que deixaram de realizar, alguns deixavam recados para seus descendentes vivos e aqueles sem um tumulo deixavam a localização de seus ossos. Para todos eles Chiyo dava a mesma atenção, e lá do alto da casa vermelha o jovem mestre observava a multidão de espíritos ir diminuindo pouco a pouco, ele podia sentir suas forças voltando e sabia que era por causa dela, em nenhuma das vezes ele havia escutado a voz dela ou tido a coragem de descer, mas sabia que ela estava ali por ele e sempre que ela sumia por algumas horas, ele se sentia sozinho, angustiado. Mas assim que a via aparecer como mágica no alto da colina e vir descendo devagar, para ele era como o nascer do sol todas as manhãs. E então num dia quando os espíritos tinham diminuído tanto que ela estava próximo a pequena casa vermelha, ele tomou coragem e gritou por ela, enquanto ela falava com uma senhora baixinha.
— Ei, menina. Ei, aqui — gritava a plenos pulmões.
— Jovem mestre? Está tudo bem? — Chiyo perguntou preocupada, afinal era a primeira vez que ele falava alguma coisa.
— Qual o seu nome? — ele ignorou a pergunta dela.
— Chiyo. Me chamo Saito Chiyo, moro na aldeia sou filha da senhora Kaede, estou aqui para te ajudar.
— Já percebi isso, faz muito tempo que não me sentia como eu mesmo como agora. Mas me chame de Hiroshi, alguém que está dentro da minha cabeça a tanto tempo tem o direito de me chamar pelo nome.
— Jovem mestre. Digo Hiroshi, preciso terminar minha tarefa o senhor está adormecido a quase dois meses isso não faz bem ao seu corpo
— Então prometa que quando acabar conversaremos quando eu estiver acordado.
— Não acho uma boa ideia, o senhor é filho do senhor feudal, eu sou a filha de uma xamã, uma mãe solteira.
— Prometa ou não vou deixar que termine, sempre que sair da minha cabeça vou fazer algo para atrapalhar.
— Prometo — Chiyo disse vencida.
Sem saber que essa promessa seria o início de uma coisa bem maior, que desencadearia muitas coisas para muitas pessoas daquela cidade.
O dia mal tinha amanhecido e já se podia ouvir os barulhos vindos da cozinha, Bianca tinha o sono leve, por diversos motivos, um deles era a maternidade que a mantinham quase sempre alerta. Então com muita preguiça, espreguiçou-se, jogou as cobertas para o lado e se levantou, ajeitou a cama, lavou o rosto na bacia em sua penteadeira. Ainda meio sonolenta e agindo no automático, caminhou até a janela e abriu, dando uma boa olhada na paisagem lá fora, ainda coberta pela neblina da manhã.- Merda! Ainda estou aqui, tinha certeza que era mais dos meus sonhos malucos. – fechou a cara de imediato resmungando. – Não acredito nisso, todas as vezes que desejei que algo magico me acontecesse não esperava que iria ser ficar num lugar assim, e menos ainda falando sobre o passado. Me sinto numa terapia.- Vejo que alguém continua com mal humor matinal. – Randy disse com bom humor, encosta
Três anos depois....Branwen estava agora com dez anos, prestes a fazer onze, ainda sentia falta de casa em alguns momentos, mas no geral não sem lembrava dela, afinal todos eles haviam esquecido dela. Seus pais não tinham condições de visita-la, então só a viram duas vezes nesses últimos anos, as cartas de Finbar pararam de chegar depois do primeiro ano, no começo ela se entristeceu e chorou quase todas as noites, por se sentir deixada, esquecida, mas logo deixou pra lá. Tinha outras coisas com o que se preocupar, tinha seus estudos, suas tarefas na casa, e tinha Aine, não se imaginava sem ela. E nem precisaria imaginar quando chegasse o dia elas iram juntas, seriam enviadas para casa da Grã-Sacerdotisa. Teriam de ficar pelo menos uma década sem saber o que estaria por vir, e se por acaso fossem separadas, haviam aprendido a se ver em sonhos, ficava confuso muito rápido, mas eram
Apesar do senhor feudal estar satisfeito com o trabalho de Chiyo, pois conseguia ver a melhora nas feições do filho, apesar dele não ter acordado ainda. E das pessoas que diretamente estavam no cuidado deles saber o que acontecia no castelo, o fato da menina ir todos os dias até lá, ficar por horas e voltar para casa. E com a melhora de Hiroshi, o pai do rapaz passou a dar presentes a menina como agradecimento, como algumas sacas de arroz, trigo, cevada, alguns legumes e frutas, chegou até a lhe dar um metro de tecido na ocasião que o rapaz sorriu durante o sono. E como todos naquele momento passavam por algum grau de dificuldade, começaram a sentir inveja da menina. E a esquecer toda a ajuda que ela já havia lhes dedicado algum dia, passando a falar mal dela pelas costas, fazer piadas de mal gosto sobre a honestidade dela e outras coisas desagradáveis que jovens moças acabam passando hora ou outra na vida. Mas longe de ligar pra esse tipo de comentários Chiyo permanecia fir
Fazia exatamente um ano que Branwen e Aine estavam estudando com Arlana na enorme mansão no centro de Elora. Apesar de todos os luxos, ela não podiam sair da propriedade e a todo o momento eram vigiadas, seja por empregados ou pelo familiar de Arlana. A alta sacerdotisa queria ter a certeza de que as meninas não pudessem trocar informações, para que pudesse manipular e afastá-las cada vez mais e no fim de tudo isso ter a marionete perfeita.- Senhora Arlana será que é prudente manter essas duas? – a governanta perguntou preocupada – Não seria mais simples apenas despachar uma delas?- A minha cara Sotie claro que é necessário manter ambas aqui, para que cada vez mais fiquem inseguras, briguem e estejam sob controle. Uma adolescente sozinha e ferida o suficiente para aceitar qualquer tipo de afeição, patético. – Arlana disse enquanto fazia um gesto largo c
Se passaram cem anos desde a morte de Chiyo e como todos os suicidas, sua alma está no inferno, mas no dia de hoje ela não está sofrendo os castigos habituais. Ela está sentada em frente a diretora do inferno, que não está com uma cara nada feliz. — Chiyo Saito, você sabe porque está aqui? — começou ela de forma séria. — Porque eu me suicidei na árvore sagrada causando a sua morte? — ela respondeu entediada. — Não só isso, o seu ato tirou a proteção daquela região e em consequência disso houve uma guerra onde morreram cem mil pessoas. — E eu com isso? Por mim poderiam ter morrido todos, vai me mandar para onde agora? Para o esfolamento? Estripação? O que? — Com esse tipo de pecado sua alma seria destruída, sem a possibilidade de reencarnar. É isso que quer? — E quem disse que quero voltar para aquele lugar imundo, odeio os humanos. Pode destruir minha alma, eu não ligo — Chiyo respondeu ainda entediada. — Antes que decida quero
De volta ao presente... Já havia passado e muito da hora do café, tanto que já se podia ver o sol alto no céu, ambos estavam agora sentados no banco da varanda. Bianca balançava os pés enquanto olhava para o horizonte, e Randy tinha os olhos fixos nela. Pensando quantas vidas humanas passaram até que chegasse aquele momento, até que seu espírito estivesse forte o bastante para chegar ali com ele novamente, mas mais uma vez teria de vê-la partir, esperava que não demorasse tanto tempo para que voltasse. E ficar ali remoendo todas essas coisas não facilitaria em nada a espera dele, então decidiu focar nas coisas que podia controlar. - E como saímos da floresta? O que aconteceu depois, eu virei um animal? – Bianca perguntou ansiosa, tirando Randy de seus pensamentos. - Infelizmente não temos mais tempo, você tem de voltar daqui algumas horas. – falou baixo com um suspiro triste no final. - Não quero ir, não ainda, não sem antes saber o que aconteceu. Eu
Quando a alma de Bianca voltou ao seu corpo, ela se deixou cair de costas no chão, exausta, ainda não havia conseguido processar tudo aquilo, mas muitas das coisas que escutara passaram a trazer sentido para outras coisas que aconteciam com ela o tempo todo. Como o fato de sempre se sentir errada, de sentir demais, de ouvir sussurros em alguns lugares que ia, de ver coisas que para outras pessoas não estavam ali ou ainda de mesmo que sem querer ouvir os pensamento, intensões das pessoas próximas. Quando alguém estava com suas emoções descontroladas, Bianca sentia como se fossem suas e algumas vezes dizia coisas que não deveria saber, quer eram segredos muitas vezes guardados tão fortemente que nem a pessoa deveria saber, como se tivesse escondido a verdade dela mesma. E esse tipo de coisa sempre trazia confusão para ela, porque não sabia explicar como sabia, só que sabia. Seu maior defeito era não saber ficar de boca fechada isso sim, se era segredo, ela não devia dizer que sabia. M
Amanda não entendeu muito bem o que estava acontecendo, como elas iriam a algum lugar ali sentadas? Será que ela estava falando de viagem astral? Ela já havia ouvido falar e até já tinha estudado sobre, mas nunca tinha conseguido, mesmo com a experiência guiada. Não falaria nada para Bianca, para não deixa-la frustrada, não antes de tentar pelo menos, ai quando não conseguisse diria a ela. Bianca fez o mesmo processo que havia feito na "visita" anterior, acendeu algumas velas, incenso, colocou uma música instrumental no fundo e sentou-se em cima da almofada, deixando uma almofada a sua frente para Amanda. - Vamos dar as mãos – Bianca disse estendendo suas mãos para frente esperando as de Amanda – Nós vamos para muito longe agora e não quero que se perca. - Como assim me perder? Para onde vamos? – Amanda respondeu desconfiada – Quer dizer, não que eu não confie nem nada, mas nunca fiz isso antes. - Tudo bem, eu vou te levar nessa primeira vez. – Bianca