O vídeo

Minha cabeça zumbia como se tivesse um pica-pau fazendo  a droga de uma moradia dentro do meu crânio, meus olhos doem quando a luz do sol vindo do lado de fora atinge meu rosto fazendo um gemido frustrado escapar entre as frestas dos meus lábios. Tento levantar, mas meu corpo se recusa me fazendo voltar a deitar de novo, rolo para o lado dando de cara com uma cabeleireira castanha esparramada sobre o travesseiro.

Mas que porcaria é essa?

Com o dedo indicador, ergo os fios finos revelando a face adormecida de Sunny Scott, sua boca está entreaberta e sua respiração é lenta e contínua, um suspiro baixo sai pelos seus lábios rosados e suas pálpebras levemente tremem, como se estivesse tendo um bom sonho.

Me afasto como se meu corpo tivesse levado uma descarga elétrica de noventa volts.

O que estou fazendo na cama com essa psicopata?

Vasculho minha mente em busca de vestígios de memórias que me levaram até a cama dessa desequilibrada, lembro de ter chegado na festa um pouco antes das dez e de ter bebido apenas duas cervejas, lembro de Noah ter me chamado para jogar beer pong com os meus outros colegas do time, recordo de Sunny ter se empoleirado em meu ombro falando sacanagens em meu ouvido e depois vem o breu que cobre toda a minha memória sobre as últimas quatro horas.

Merda, merda.

É melhor eu sair daqui antes que essa garota chiclete desperte e queira brincar comigo de casa de bonecas de novo.

Pego as minhas roupas e as vistos, vasculho o chão atrás da minha carteira e celular, os encontrando embaixo da cama king de Sunny e saio sorrateiramente pela porta, a fechando em seguida deixando a garota adormecida em seus belos sonhos.

Dos quais que com toda certeza estou enfiado em algum tipo de fantasia boba de garota.

Não preciso nem dizer que sua casa está um caos, acho que até o depósito de lixo está mais organizado que a casa de Sunny agora. Seu sofá está coberto de copos amassados, o chão está em um completo grude e o cheiro de maconha paira pelo ar como uma densa cortina, nem consigo imaginar como está o resto de sua ostentada mansão e de como os seus pais reagirão quando chegarem.

Ela está na merda.

Sunny é filha única de uma família muito tradicional daqui de L.A, seus pais são uns dos empresários mais ricos de toda a Los Angeles e também os mais influentes, até mais que o meu pai. Sua família está a anos nesse ramo mostrando que é algo passado de pai para filho e assim sucessivamente, empregando gerações no mesmo negócio.

Saio a francesa pela porta da frente sem querer incomodar as duas garotas caídas adormecidas em cima dos pufe perto da entrada e corro em direção ao meu Jipe estacionado na frente de sua casa. Ligo o motor que ruge e saio em disparada pela cidade ainda adormecida de Los Angeles.

Esgueiro-me sorrateiramente pela porta da frente da casa do meu pai, sim, dele. Não gosto de me referir como a minha casa, e embora eu tivesse passado toda a minha vida desde que era um embrião sobre esse mesmo teto, nunca senti a famosa e aconchegante familiaridade de um lar, nem mesmo quando minha mãe morava aqui.

— O bom filho à casa torna — Comenta uma voz feminina assim que passo pelo hall de entrada.

— Então onde está este bom filho que não estou vendo? — Rebato.

Sierra Evans está empoleirada no sofá de couro bege com uma de suas revistas em mãos, ela ergue o olhar por um instante e volta a encarar os modelos musculosos só de cueca da Calvin Klein. Sisi, como a chamo é minha irmã mais velha, está no terceiro semestre da faculdade de moda aqui mesmo de Los Angeles, diferente de mim que não vê a hora de terminar logo o ensino médio para meter o pé dessa cidadezinha subestimada, ela ama esse lugar com todo o seu coração.

— Papai está bem puto com você — Avisa casualmente, como se estivesse dizendo as horas.

Jogo me ao seu lado, colocando meus pés sobre a mesa de centro, Sisi se remexe ao meu lado fazendo uma careta e tampando o nariz.

— Seu porco, dormiu junto com as vacas? Tá fedendo igual um gambá. — Reclama, se afastando de mim e jogando a revista que estava lendo em minha direção.

Como você adivinhou?

A revista passa raspando pela minha orelha, acertando o abajur atrás de mim.

— Você quase acertou, mas não foi dessa vez. Tente novamente mais tarde.

Ela revira os olhos acinzentados.

— Dá para crescer um pouco e parar de enfiar esse seu cérebro na sua bunda?

Ouch.

Alguém aqui está super irritada.

— O que foi, hein? Algum cara te rejeitou?

Sierra ergue a sobrancelha bem desenhada e solta um riso em pura descrença.

— Amorzinho, está para nascer o homem que vai rejeitar essa deusa que eu sou.

Esse sempre foi um problema em minha vida.

Sierra sempre foi linda e gostosa, com todo respeito, para sua própria segurança. Eu odiava quando os caras da escola apareciam na minha porta todo dia a tarde para ver minha irmã treinando, já que a mesma era líder de torcida na época em que estava na escola. Era uma merda expulsar pré-adolescentes virgens que não conseguiam segurar o pau dentro das calças pela simples imagem de uma garota mais velha enfiada dentro de um minúsculo uniforme dançando Britney Spears.

— Eu ainda vou ver Sierra Evans levar um toco — Conjecturei.

Um sorriso perverso brinca em seus lábios.

— Não brinca e eu achei que veria a Terra ser invadida por alienígenas antes de saber que você estava namorando.

Arqueio a sobrancelha em confusão.

— Eu? Namorando? Tá fumando maconha estragada?

Um ponto de interrogação começou a se formar em seu rosto.

— Aquela garota no…

— Blake, ainda bem — Hannah, a mulher do meu pai berra do alto da escadaria. Ela desce apressada apenas de pijama em nossa direção, sua afeição é de puro alívio enquanto perscruta meu rosto — Ficamos preocupados com você, não veio para casa ontem à noite

Ficamos? Tenho certeza que essa frase não se aplica ao meu pai.

— Grupo de estudos — Digo em desdém dando de ombros, mas Hannah não se convence.

Hannah Evans é a nova esposa do meu pai, Colton Evans. Não vou mentir, Hannah é legal e atenciosa, sua pele escura e seus cabelos  cacheados brilham como o luar, sem contar a mulher inteligente e empreendedora que ela é, sendo uma advogada famosíssima em L.A. Hannah sempre foi extremamente gentil e amorosa comigo e com Sierra que a adora, só que a minha relação com ela é como andar em cima de uma corda de bicicleta, oscilando para lá e para cá.

Gosto dela de verdade, mas me irrita ver como ela está sempre tentando ocupar o lugar da minha mãe na minha vida e de minha irmã, como se sentisse a necessidade de preencher o lugar de minha progenitora em nossas vidas.

E secretamente, penso que ela sente pena de nós.

Pobre crianças que foram abandonadas pela mãe, que coisa cruel.

E eu odeio que sintam pena de mim ou de outra pessoa.

Esse sentimento tão miserável que já foi constante em minha vida.

— Não precisa mentir, sei que estava com a sua namorada — Contesta.

A encaro, completamente confuso.

— Mas que porra… por que vocês duas continuam falando de namorada? — Intercalo o olhar entre as duas, esperando uma resposta que não vem delas, e sim dele.

Meu pai.

— Eu que deveria perguntar isso, por que não nos contou que está namorando? — Reverbera Colton, surgindo das escadaria igualmente de pijama como Hannah.

— Porque eu não estou — Vocifero, levantando do sofá.

Um vínculo se forma na testa do meu pai.

— E quem é a garota do vídeo com você?

— Que video?

Sierra pega o seu celular e joga em minha direção.

— Este vídeo.

A encaro como se fosse louca antes de botar meus olhos sobre o aparelho.

Aperto o play do vídeo.

Eu sinto meu sangue se esvair do meu corpo me deixando em completa escuridão.

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