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Ainda que a traição agrade, o traidor é sempre odiado.

_ Miguel de Cervantes

Passaram-se duas semanas, após o casamento, mas para ela pareciam anos. A convivência está cada dia mais difícil. Ele sempre a trata com hostilidade, repulsa. Eduardo nunca mais a pegou nua, ela fez de tudo para isso não acontecer, até tomar banho no quarto de hóspedes. Outra coisa é que seu esposo muitas vezes dorme fora de casa, isso está lhe magoando ao extremo. Ela não cogita nem querer saber o que ele faz quando dorme fora, contudo, lá no íntimo imagina. Lembrou do que aconteceu há uns cinco dias, quando seu esposo chegou totalmente embriagado. Ele a acusou de coisas sem sentido e a agarrou à força. Evelin se deixou levar, pois estava nos braços dele, era tudo que mais queria, quando já estava nua recebendo as carícias dele, voltou em si, o fez parar, ela não achou certo. Claro que ele não perdeu a oportunidade de espezinhar-lá.

— O que foi, se arrependeu? Tem certeza? Olhe que lhe disse que nunca a tocaria em sã consciência, não é todos os dias que me verá assim. — Sorriu para ela embriagado.

— Vamos tomar um banho, Eduardo. — Disse o levando desajeitadamente ao banheiro. Ela o despiu, o deixando apenas de cueca. Soltou o jato de água fria sobre ele que a xingou de tudo que é nome. Fez um café forte para ele, deixou feito em cima do criado mudo no quarto e se deitou. Ela apertou os olhos com força, contendo o choro convulsivo. Ela prometeu a si mesma que não choraria na frente dele, que não daria o gosto a ele de vê-la derrotada.

Seus devaneios foram interrompidos com o soar do toque do seu celular. Quando viu o nome na tela abriu um lindo sorriso.

— Oi, primo!

— “Vinha, que saudades.”

— Como está meu psicólogo preferido?

— “Melhor agora falando com você” — ficou sério — “Sinto muito, se estivesse aí, não a deixaria fazer essa burrada.”

— É a nossa família, Lu! — Disse desconfortável.

— Pelo amor de Deus, Vinha!

— Não tinha outro jeito. — Declarou sem nenhuma convicção.

— “Claro que tinha, não aceitar. Eles nunca fizeram nada por você, e mesmo assim a fizeram se sacrificar por eles.” — Terminou aborrecido.

— Onde está? — Perguntou mudando de assunto.

— “No aeroporto, estarei no Brasil amanhã.”

— E, os Estados Unidos, como é? — Perguntou sorrindo. Ela nunca viajou para fora do país, mas sonha em conhecer outros países. Conhecer o Taj Mahal na Índia, o Jardim Majorelle em Marrocos, a Estátua da Liberdade em Nova York. Ela não perdeu a esperança de fazer tudo isso.

— “Eu gostei, fora que as palestras da área de Psicologia foram sensacionais, mas como lhe disse várias vezes tampinha…”

— Não troco o meu Brasil, por nada. — Repetiu engrossando a voz. Eles riram da encenação dela.

— “Eu a amo, pingo de gente!” — Louis exclamou sério.

— O amo muito mais. — sorriu emocionada — Agradeço por tudo…

— “Continua aí?” — Perguntou, pois ela se calou do nada.

— Sim, mas preciso desligar. Depois conversamos melhor. Beijos!

— “Outro. Até mais.” — Desligou. Evelin olhou para a porta de entrada e viu seu esposo parado lhe observando de forma rígida. Ele está zangado com ela, todavia, ela não sabe o que fez já que nem em casa estava.

— Está há muito tempo, aí? — Indagou puxando assunto. Ela se levantou, pegou a bolsa dele e o terno e os pendurou.

— O suficiente! — segurou o braço dela — Com quem estava conversando?

— Meu primo, por quê?

— Quer que eu acredite que trocava juras de amor com seu primo? Está brincando comigo, garota? — Terminou encurralando ela entre uma cômoda.

— É o que estou dizendo, outra coisa, não é juras de amor, ele é a minha família, me ajudou muito quando pequena. — deu de ombros — Agora, porque essa cena, por acaso, está com ciúmes?

— Não seja patética! Por que estaria com ciúmes de você? Eu te odeio com todas as minhas forças, a única coisa que quero é que não me faça de trouxa nesse arranjo.

— Você pode me fazer? — Evelin inquiriu em um fio de voz.

— O quê?

— Sim, você pode, afinal as dormidas na rua, as conversas pelo telefone, não sou idiota Eduardo!

— O problema é seu. Antes de você eu tinha uma pessoa, ela sim deveria estar em seu lugar, mas fui forçado a casar contigo.

— O problema é seu. — devolveu a ofensa — Se ela continua contigo mesmo casado, diz muito sobre seu caráter.

— Não fale sobre Bruna. — Avisou perigoso.

— Não falar o quê? Que ela é uma vadia, transando com um homem casado? — Terminou fora de si. Eduardo agarrou os ombros de Evelin e a empurrou com ignorância em cima do sofá, e saiu de novo. Evelin ficou estática no lugar, seus olhos inundaram de lágrimas e, ela caiu num choro convulsivo. Ela nunca pensou que ele conseguiria fazer isso, mas a quem deseja enganar? Ela o conheceu há poucos minutos, sendo há tanto tempo. Dez anos não é dez dias.

Sem ânimo, entrou no quarto, olhou a foto da mulher no criado mudo com amargura. Tomou um banho rápido, vestiu o seu jeans surrado de sempre, uma camisa de GOT e saiu. Ela tem um grupo de estudos. Chegou na biblioteca da universidade cansada. Pegou um longo engarrafamento, ela havia esquecido que no horário de pico é horrível andar em Salvador. Cumprimentou seus colegas e sentou na mesa. O tempo passou massante e Evelin não conseguia reter nada, sua cabeça estava cheia e confusa. Ela se despediu dos colegas dizendo que não se sentia bem e saiu. Seria um trabalho de tolo estar ali sem conseguir entender nada, depois pegaria as anotações de seus colegas. Evelin pegou outra condução para ir para casa, diferente do esposo ela não tem um carro e não faz questão, sempre se virou sem a ajuda de seus parentes. Ela tem um dinheiro guardado, herança de seus pais. É pouco, mas será o suficiente para o seu futuro, por isso não gastaria comprando um carro. Ela chegou em casa exausta, mesmo assim fez a janta, logo em seguida tomou banho e dormiu sem comer, ela não sentia fome. Não sabe quando pegou no sono, apenas acordou no dia seguinte pior do que já estava. Olhou ao lado do seu esposo e notou estar bagunçado. Ele chegou, dormiu ao seu lado, mas ela não percebeu nada.

Decidida a descobrir mais sobre a mulher que possui a afeição do seu esposo, Evelin andou a esmo pela casa, a procura de qualquer coisa sobre a tal Bruna. Do jeito que acordou, descalça, ela procurou, entrou na sala e notou uma caixa de vidro pequena, ela nunca notara o objeto ali. Isso se dá porque ela nunca teve interesse em mexer em nada ali, tão pouco olhar. Seu marido sempre deixa claro que ela é uma intrusa, então é assim que ela se sente. Ninguém nesse apartamento sofisticado. Ela olhou a caixa, pegou em suas mãos e analisou, dentro havia uma bola de beisebol. Isso lhe levou ao passado, quando eles se conheceram. Essa mesma bola estava com Eduardo, eles conversavam tão gostoso que ele acabou esquecendo de estar com ela em mãos. Sorriu por alguns instantes em nostalgia, logo em seguida fechou o sorriso se sentindo péssima.

— O que está fazendo? — Eduardo perguntou duro. Ele havia ido trabalhar, mas esqueceu um documento importante em casa. Estava saindo do escritório e se deparou com a cena, ele não gostou de vê-la com essa bola em mãos. Evelin se assustou, pois não o viu entrar, acabou derrubando a caixa no chão que quebrou com o impacto.

— Sinto muito… — Proferiu sentida. O olhar dele era sinistro, perverso, isso a amedrontou profundamente.

— Não mexa nas minhas coisas. Essa casa é minha, sua permanência aqui é temporária. — Pegou a bola — Não ache que esse seja o seu lar.

Terminou em cólera. Será que é dela essa bola? Se perguntou. Evelin percebeu muitas coisas femininas na casa, então deduziu ser da tal mulher.

Sou uma reles convidada temporária, a verdadeira anfitriã é a Bruna! Pensou com um gosto amargo na boca, se sentindo ainda mais, pior do que estava, se isso é possível.

— Compensarei a caixa de vidro. — Disse, contendo a vontade de chorar.

— Com que dinheiro, se até sua família é sustentada pela minha. Não seja ridícula! — Exclamou empurrando-a. Ele saiu e não se atentou que ela caiu em cima dos cacos de vidros.

Essa mulher é a “bola de beisebol” e eu sou essa “caixa de vidro”. Reputou. Para ela, Eduardo nunca a enxergaria, mesmo se tivesse quebrada. Esse pensamento a deixou incapaz nesse casamento fajuto. Ela está presa a um homem que a despreza de tal maneira, que não se importa de machucá-la. Esse foi o destino que escolheu, então precisa lidar com as consequências.

Existem certas coisas que precisam acontecer para o nosso amadurecimento como pessoa. O sofrimento precisa acontecer para que você se aperfeiçoe, cresça. Não passamos pelas coisas sem um propósito. Como diz Mahatma Gandhi: A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitória propriamente dita. Evelin saberá, mesmo que ela acredite que está longe esse dia.

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