1.1

Maria da Conceição

Estou concentrada nos meus projetos que nem mesmo percebo a presença da minha cunhada, Carina acena em minha direção como se estivesse tentando chamar minha atenção, mas se verdade, nem queria estar aqui.

— Tudo precisa estar impecável, esse cliente é importante dizem que é até da realeza, descendente de um barão.

Novamente estou perdendo o meu precioso tempo com as bobagens de Carina. Não existe realeza no Brasil a séculos, mas tem pessoas que insistem em colocar certas pessoas em pedestais imaginários.

— Maria, essa informação é importante. Antônio precisa se sentir acolhido por nós.

— Eu sei tudo sobre ele, e o principal você e meu irmão já sabem. Preciso focar na minha parte da apresentação, enquanto vocês bajulam o barão do Brasil império, que aliás nem existe.

Eduardo é meu irmão adotivo, eu fui adotada pela sua família quando ainda era bebê. Sempre soube da minha origem e fiz questão durante toda vida de mostrar que fui uma boa escolha, nunca dei trabalho para os meus pais, sempre fui boa aluna e sou uma excelente engenheira.

Nunca quis ouvir a famosa frase dita sobre as crianças adotadas: ela é assim porque é órfã ou a melhor de todas o que vocês podiam esperar de uma preta abandonada? Meus pais nunca ouviram isso pois eu fiz questão de dar orgulho a eles.

— Carina, ela tem razão. Você fica com essa parte pomposa como sempre, e eu junto com Maria ficamos responsáveis pela apresentação.

Eduardo é um bom amigo, sobre o fato de irmão, é complicado. Ele na adolescência confundiu os sentimentos em relação a mim e tentou me beijar. Eu sabia o que iriam dizer, você colocou uma pretinha na sua casa, Rita de Cássia, agora arque com as consequências.

Eu logo me afastei dizendo que não queria nada com ele, que para mim é e sempre será meu irmão. Com o tempo ele se afastou sendo sufocado pelo meu pai com as obrigações na empresa, entrei na federal em uma cidade de interior e quando voltei ele já tinha conhecido Carina que na época ainda era noiva, no começo sei que eram amigos, mas depois desenvolveu para algo mais forte.

Depois que terminei a faculdade fui para Europa começar uma graduação, mas na verdade, estava fugindo antes de ir Eduardo havia se declarando para mim dizendo que largaria Carina para ficar comigo, uma loucura de proposta que me deixou desnorteada. Eu não o amo nesse sentido e sim como irmão, fui embora sem me despedir e isso o deixou chateado comigo por um bom tempo.

Carina sai da sala desapontada, ela bem que queria que fosse lamber os pés do nosso próximo cliente, justo eu que detesto esse tipo de bajulação. Continuo lendo minha apresentação e outros projetos paralelos a esse repassando tudo pela última vez antes das reuniões que temos hoje, quando Eduardo se senta do meu lado tirando minha atenção.

— Mamãe perguntou de você. Disse que não foi no encontro das senhoras da sociedade semana passada.

— Olha, eu tinha que terminar o projeto daquele supermercado além disso você sabe como detesto esse tipo de evento, você e Carina foram e tenho certeza que arrasaram.

Meu irmão e cunhada são o casal modelo da sociedade, todos são apaixonados por eles. Até eu as vezes babo na relação legal deles, eu tive um namoradinho na adolescência que me traiu, desde então, não confio muito nos homens, aparentemente meu irmão é fiel apesar de sentir que mesmo depois de todo esse tempo fora do Brasil, ele ainda sente algo por mim, eu disfarço, pois isso não é certo.

— Sim, mas se você tivesse lá seria mais fácil suportar tudo. Você voltou da Europa tem poucos meses e nem sequer saímos para conversar e beber como antigamente.

— Você estava sobrecarregado, irmão, e agora com minha volta estou regularizando tudo. Papai quer passar tudo isso para você, portanto tenho que deixar tudo organizado para quando isso acontecer.

Papai exige demais dele, sempre cobrando para que seja o melhor. Ele tem medo que o fato de Eduardo ter sido criado sem dificuldade o torne um inútil, o que não é verdade. Meu irmão é muito capaz, um dos melhores engenheiros da cidade, se formou na USP com louvores, é um exemplo de novos talentos na engenharia do país.

— Você que deveria cuidar disso tudo e não eu. Gosto de obra, de estar no meio dos peões e acompanhar tudo, ficar analisando projetos e trancando em reuniões intermináveis não é minha praia.

— Cala essa boca, garoto! Essa empresa é sua, papai construiu tudo isso para você e o mínimo que pode fazer é aceitar seu lugar de direito, além disso, eu tenho outros planos. Você vai se acostumar, papai também era mestre de obras e depois montou essa empresa, se formou e teve que se acostumar com o meio corporativo, você vai se sair bem.

Eu gosto da engenharia, não me entendam mal, mas o que eu gosto mesmo é de gastronomia. Sempre fui boa com as panelas, e aprendi muitas coisas só observando e fazendo.

Assim que a empresa for devidamente organizada e meu pai passar a direção para Eduardo, vou fazer um tour gastronômico pelo Brasil assim como fiz na Europa e por fim vou abrir meu restaurante como sonho.

— Posso saber quais serão esses planos e será que estarei incluído?

— Não pode e você não está incluído pois estará ocupado com sua linda esposa e com a empresa da família, quando acontecer ainda assim prometo que será o primeiro a saber.

Ele sorriu logo depois, beijou minha testa, tentou evitar essas demonstrações de carinho explícitas, mas não conseguia muitas vezes, tenho um grande amor fraterno por ele mas nada além disso, infelizmente sei que Eduardo confunde amor de irmão com amor entre um homem e uma mulher.

Carina entra dizendo que está tudo pronto para a reunião, faltando uma hora para começar, respiro fundo deixando todo nervosismo de lado, sei que vamos conseguir esse cliente, o projeto está lindo e só um doido para não ver.

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