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capítulo 6 - Olhos Que Devastam

A maçaneta girou devagar, rompendo o silêncio espesso do quarto. Me encolhi no canto da cama, mas logo vi que era apenas Damon — outra vez. Sem anunciar-se, entrou com a mesma segurança de sempre, como se aquele lugar fosse todo seu. E talvez fosse mesmo. Com passos firmes, caminhou até uma mesa ao lado da janela e colocou uma bandeja prateada sobre ela.

— Achei que poderia estar com fome. — disse ele, como se me conhecesse.

Não respondi. Meus olhos correram por sua silhueta alta, pela camisa negra justa que moldava seus ombros largos, pelo cabelo escuro preso com descuido na nuca. Não que eu estivesse admirando, claro. Era só... observação.

Ele se virou em minha direção com um pequeno sorriso, como se soubesse exatamente o que eu pensava — e odiava que talvez soubesse mesmo.

— Estava esperando gritos, t***s ou pelo menos um olhar de ódio. Mas tudo o que recebo é silêncio? Está me decepcionando, Elara.

Cruzei os braços, sem me mover.

— Não tem nada pra te dizer, Damon. Nem agora, nem nunca.

Ele ignorou a resposta como se fosse só mais um desafio. Com um estalar de dedos, apontou para a poltrona próxima ao fogo que crepitava na lareira. Atrás dela, reparei, havia um vestido estendido sobre o encosto. Vermelho. Longo. Ridiculamente elegante.

— Vista isso. Quero você comigo para jantar hoje à noite.

Soltei uma risada curta, quase um escárnio.

— Você sequestra mulheres com frequência e depois as convida para jantar? É um hábito seu?

Ele arqueou uma sobrancelha, divertido.

— Só as que valem o incômodo.

Dei as costas para ele, recusando-me até a olhar o maldito vestido. Meu orgulho gritou mais alto que a fome.

— Não preciso da sua comida. E muito menos dos seus convites.

— Tem certeza? — Ele se aproximou devagar, sem me tocar, mas ainda assim sua presença me envolveu. — Porque o cheiro do pão quente está praticamente implorando para ser mordido. E o vinho... bem, dizem que ajuda a acalmar os nervos.

Virei o rosto, irritada comigo mesma por, de fato, estar com fome. Muito. Mas não podia ceder. Ainda não.

— Não vai funcionar. Não vou me vestir como uma boneca e fingir que isso aqui é um conto de fadas.

Ele inclinou o rosto, e por um instante, havia algo mais ali. Algo além da zombaria habitual. Uma sombra de sinceridade.

— Não quero que finja nada, Elara. Só quero jantar com você.

— Por quê? — perguntei, deixando escapar mais curiosidade do que deveria.

— Porque conversar é mais interessante do que ter você calada, olhando para a parede como se eu fosse o monstro de um pesadelo antigo.

Bufei. Ele não era um monstro. Era pior. Porque tinha charme, e presença, e um maldito sorriso que brincava com a lógica.

---

A noite caiu rápido, cobrindo o castelo de sombras prateadas. Ignorei o vestido, como prometido, e desci as escadas com a roupa amarrotada que usava desde o dia anterior. O salão era amplo, com vitrais enormes e candelabros antigos. No centro, uma longa mesa coberta por uma toalha escura, louças refinadas e duas taças de cristal. Só duas.

Ele me esperava, recostado na cadeira, com o mesmo ar de alguém que tem todo o tempo do mundo.

— O vestido não serviu? — perguntou, sem sequer esconder o sorriso.

— Nunca experimentei.

Ele se levantou, vindo até mim. Seus olhos varreram meu corpo como se vestisse algo de gala.

— Uma pena. Ainda assim... você está deslumbrante.

Ignorei o calor repentino no peito. Desviei o olhar e fui direto para a cadeira do outro lado da mesa.

— Pode parar com esse teatrinho. Não sou uma princesa e você não é o príncipe encantado.

— Você não é uma princesa... — ele puxou a própria cadeira, sentando-se de frente pra mim. — Mas quem disse que eu quero uma?

Permaneci em silêncio enquanto ele servia o vinho em nossas taças. O aroma era forte, adocicado, e logo depois o prato foi colocado à minha frente. Queijo assado com ervas, carne temperada e pães macios. Tudo perfeitamente apetitoso. Meus olhos denunciaram a vontade antes da boca.

— Você cozinha? — perguntei, apenas para desviar o foco.

— Às vezes. Mas hoje foi obra de alguém mais talentoso que eu.

Comi com relutância no início. Damon observava em silêncio, e por mais que odiasse admitir, o ambiente tinha algo acolhedor. Era a lareira talvez, ou as sombras dançantes nas paredes.

— Por que me trouxe aqui? — perguntei entre um gole de vinho.

Ele apoiou o cotovelo na mesa, o queixo sobre os dedos.

— Porque precisava de você viva. E perto.

— Que reconfortante...

— Não é uma ameaça, Elara. É um fato.

Havia algo inquietante em seus olhos, mas ao mesmo tempo, algo hipnótico. A forma como me observava, como se quisesse desvendar cada gesto, cada palavra. Como se me conhecesse melhor do que eu mesma.

— E o que mais você quer? — perguntei, encarando-o.

Ele se aproximou um pouco mais sobre a mesa. A chama da vela entre nós dançava, iluminando os traços marcantes de seu rosto.

— Quero que pare de fugir. E que aceite que está aqui... comigo.

Seu tom não foi autoritário. Foi íntimo. Quase... gentil.

— Nunca estive com você, Damon. E não vou estar. Você me arrancou da minha vida, da minha casa.

— Eu tirei você de uma mentira. — rebateu, a voz baixa. — Você não faz ideia do que realmente é, Elara.

Fechei os punhos sob a mesa.

— Eu sei exatamente o que sou. E não sou sua.

Ele não disse mais nada. Apenas me olhou, longo e intenso, como se cada parte minha já lhe pertencesse — mesmo sem que eu aceitasse.

E o silêncio entre nós, dessa vez, foi cheio de tudo o que não podíamos — ou não queríamos — dizer.

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