Capitulo 1

Florence

Nunca pensei que seria tão ruim estar à beira da morte. Se eu não morrer, hoje será o início de uma nova vida.

As vozes voltaram a se manifestar e eu continuei no breu total, como um golpe de box as luzes invadiram meus olhos quando o capuz preto foi removido em milésimos de segundos da minha cabeça. Estou anestesiada pela exaustão, meus pulsos doem por conta da corda amarrada ali que sustenta todo meu peso quando minhas pernas fraquejam.

― Vamos lá, Florence. Eu sei que você vai ser boazinha e me contar. – Falou pegando meu rosto com uma das mãos

― Vai se foder! – Vociferei quando ele ousou chegar mais perto.

― Bem, acho que não temos muita escolha então.

Um golpe na barriga.

Então, eu sou a Florence e acabei de levar uma paulada na barriga pelo babaca do Frank.

Deixe-me te explicar melhor essa situação...

Sou conhecida como a Rainha da Neve. Eu vendo cocaína desde os meus 20 anos de idade. Eu me enfiei nisso porque é o negócio da minha família. Depois que meu pai se aposentou, todo o império dele ficou pra mim. Não dava muita importância pra isso até precisar de dinheiro e depois que eu descobri que a grana é alta, não quis mais exercer nenhuma outra função. Só que eu evoluo os negócios a um nível muito maior do que meu pai jamais imaginou que chegaríamos. Eu criei a Russel Company, mexemos desde a indústria química farmacêutica até a produção da melhor cocaína dos Estados Unidos. Temos negócios legais que servem para lavar todo o nosso dinheiro e temos os negócios negros.

Neste ramo, como já dizia o lendário Pablo Escobar: Grana ou chumbo.

Ou você ganha dinheiro e dá dinheiro, ou você morre. A menor das informações pode custar a sua vida. É um ramo onde não pode haver erros, cada erro é compensado com uma vida. Sem pena e sem coração.

Eu fui traída e cai numa emboscada, meu maior e inútil rival, Frank, conseguiu me achar e resolveu me sequestrar por conta de uma droga nova que vem sendo muito vendida nas ruas. Acontece que essa droga não é minha, ainda. Mas ele não vai acreditar em nada que eu disser.

Mais um golpe. Me agarro na corda acima de minha cabeça e quase vomito.

― Deixa de ser imbecil. Eu não sei de nada dessa merda, meu negócio não é esse. – Vociferei.

― E você acha que eu vou acreditar em você, vadiazinha? – Ele chega perto. Perto demais. Sinto nojo de seu hálito podre.

― Deveria! Quem em sã consciência e com o dinheiro que eu tenho, iria ficar aqui por horas tomando porrada? Me solta. Você não vai con... – Sou brutalmente interrompida por alguém quase arrombando a porta.

― Que porra é essa? – Ele grita.

Eu continuo parada inexpressiva. Eu sei quem é. Quem são.

A porta cai e meia dúzia de homens fortemente armados entram, Frank é posto em uma das cadeiras de ferro e fica sendo vigiado. Rapidamente eu sou desamarrada das cordas e me mantenho firme de pé, vou no canto esquerdo atrás de onde estava amarrada e pego minha bolsa e meus saltos. Maldito. Quebrou meu par de Louboutin. Outros dois homens armados me esperam na entrada, mas antes eu paro para olhar para Frank.

― Eu fui paciente com você até onde consegui. Você ainda tem muita coisa para aprender, vovô! – Falei ao passar por ele que tinha uma carranca nada boa.

Olho ao redor e reconheço Mike, meu segurança pessoal.

― Quero este homem disciplinado na próxima vez que o ver. Isto é, se ele sobreviver. – Ordeno a Mike que entende o que eu quis dizer.

Saio andando pra fora daquele cubículo nojento e Mike dá algumas ordens para os homens. Chegamos perto da SW4 Blindada e tudo se tornou um breu novamente...

...

Meu corpo todo estava rígido, doía e eu mal conseguia respirar. Pisquei os olhos algumas vezes até ter foco. Luz forte branca, teto branco, paredes brancas e um bip insuportável. Tudo me incomodava. Me ajeitei naquela cama e pressionei o botão que chama enfermeiros, dois minutos depois uma enfermeira invadiu o quarto, Mike estava logo atrás dela.

― Eu desmaiei? – Perguntei olhando para Mike.

― Sim, seu estomago está ferido e você tem concussões e contusões em toda parte. Somente alguns dias aqui e já poderá ir pra casa. – Respondeu a enfermeira.

― Não falei com você, falei com ele! - Eu estava estressada, sendo a babaca ignorante que sempre sou.

― Florence, ela falou tudo o que eu iria dizer. Você desmaiou e colocou sangue pela boca. Eu já falei com o Dr. Nelson, ele me prometeu total discrição. Agora descanse. Você teve um dia cheio. – Falou chegando perto e afagando meus cabelos.

― Mike, como está Frank? – Ele para e abre um sorriso.

― Está bem melhor do que você – Da um sorriso debochado – Isso eu garanto.

Eu dormi por dois dias seguidos, dois dias. Acordando somente para comer e ordenar coisas à Mike. Preciso sair daqui o mais rápido possível, não posso deixar meu reinado nas mãos de segundos e terceiros por muito tempo.

Dr. Nelson entrou no quarto, olhou alguns papeis do meu prontuário e veio até meu lado.

―  Pronta pra ir embora? Sua receita já está pronta e pode fazer o tratamento em casa. – O sorriso dele é sincero.

― Em quanto tempo eu fico nova? – Pergunto já com mil planos na cabeça.

― Em uma semana, se respeitar o resguardo e os horário das medicações.

Assenti e olhei pro nada, me lembrando do ocorrido. Ainda não havia parado para pensar nisso desde quando cheguei. Dr. Nelson provavelmente adivinhou isso e segurou minha mão.

― Quer conversar sobre? Me contar o que aconteceu? – Apertou de leve a mão gélida que segurava.

― Achei que era forte o bastante pra suportar qualquer tipo de porrada, mas percebi que não passo de um corpo, que se fere. – Falei olhando pro nada.

― Você sabe que isso é consequência de tudo o que você faz. Se você tivesse me escutado quando seu pai... – Mais uma explicação: Dr Nelson acha que meu pai está morto, mas tudo não passou de um teatro para ele ser dado como morto e sair dessa vida, me fazendo assumir tudo.

Não o deixei terminar.

― Quando você se mete nesse tipo de coisa, não consegue simplesmente sair, você fica envenenado e seus crimes serão eternos, ou você acha que é santo? Você é tão sujo quanto eu sou. Eu baixei a guarda e me fodi, foram dez homens. DEZ. Foi o que eu consegui contar, eu pensei que perderia a cabeça ali mesmo. Não sei como não fui estuprada por aquele bando de ratos. – Bradei me lembrando de alguns momentos do ocorrido.

― O que aconteceu é horrível, se precisar de um psicólogo, eu posso indicar um. – Falou por fim percebendo que o assunto me deixava agitada e que ele não iria tirar muita coisa de mim.

― Não, eu estou bem, obrigada. – Falei encerrando o assunto.

Uma batida na porta me alertou e logo vi a cabeça de Mike, dei um breve sorriso e me levantei, alguns papeis foram entregues a ele enquanto eu me arrumava e observava tudo. Olhei para a sacola ao lado de minha pequena mala com roupas limpas, as roupas do incidente e meu salto destruído. Esse desgraçado me paga.

― Pronta! – Anunciei.

Mike me olhou e deu um sorriso quase notável. Quero sair deste lugar o mais rápido possível, esse branco mórbido me deprime.

Dentro do carro, Mike segurou o volante com força e percebi os nós dos dedos ficando brancos.

― O que ho... – Interrompida.

― Pensei que te perderia. – Soltou relaxando os ombros e encostando a cabeça no volante.

― Por que? Você sabia onde eu estava o tempo todo. – Rebati lembrando do medo que eu estava de morrer.

― Sim, mas eu não sabia se você estava bem, se estava viva. Quando vi você amarrada e sangrando, entrei em desespero. Só me aliviei depois que você estava fora daquele cubículo, a alegria durou pouco porque eu me vi desesperado de novo quando você desmaiou. Como teve forças para andar até o carro? – Perguntou fechando os olhos com força como se tivesse lembrado de algo que o fazia sentir-se péssimo.

― Queria ter certeza de que todos estariam a salvo. – Falei lembrando que não estava sentindo muita coisa, só depois que vi que estávamos no carro que me entreguei a dor insuportável que tomava meu corpo.

― Ok, vamos embora. – Falou dando partida no carro.

O caminho todo eu fiquei calada, lembrando de tudo. As imagens não saíam da minha cabeça e toda vez que meu abdômen latejava, era um flash de lembrança.

Chegamos em casa e o peso do palácio onde moro, caiu diretamente em meus ombros, não é uma mansão com cinquenta quartos, mas é uma casa bem grande com piscina, salão e uma pequena academia onde pratico alguns exercícios. Morar sozinha aqui é um peso, me sinto solitária e vazia na maioria das vezes e converso muito com meu mordomo, Isac, ele é como se fosse um amigo. Aos fins de semana quando eu quero e posso, sempre faço algum tipo de resenha para os poucos amigos que possuo. Todos os dias minha caixa do correio fica lotada de convites para festas da mais alta sociedade dos estados unidos e do mundo, mas eu raramente tenho tempo ou vontade de ir pra esse tipo de coisa.

Sou desperta de meus pensamentos quando a porta do carro abre e Mike me estende a mão para me ajudar a sair.

― Preciso apenas de um banho e você me passa tudo o que aconteceu nos últimos dias. – Falei indo em direção as escadas.

― Tudo bem. Qualquer coisa grita. – Mike nem tentou me ajudar porque sabia que eu não aceitaria.

Dei um sorriso e subi as escadas com cuidado porque qualquer movimento muito brusco já me trazia dores. Preparei um banho na banheira e me afundei lá, ficando somente com os olhos e o nariz na superfície. Por um segundo eu fechei os olhos e todo aquele sofrimento veio à tona. Abri os olhos rápido e alcancei uma toalha, sequei a mão e peguei o celular dando um toque para Mike que provavelmente estava na cozinha devorando alguma coisa.

― Você pode vir aqui? – Minha voz saiu melosa e fraca.

Ele apenas desligou e consegui escutar seus passos na escada.

― O que houve? Você está bem? – Perguntou invadindo o banheiro.

― Não houve nada, eu to bem, é que quando fechei os olhos, me vi amarrada e sendo espancada de novo. Parece que isso nunca vai sair da minha cabeça e vai me aterrorizar o tempo todo. – Falei saindo da banheira.

― Ei, eu to aqui. Vou esperar você ali – Apontou para meu quarto. – Termine seu banho.

Fiz o que ele disse e terminei meu banho, olhando sempre e verificando se ele estava mesmo me esperando. Ficar nua com ele me olhando não é um problema, Mike e eu transamos de vez em quando, por mais que ele tenha uma “namorada”. É como se fosse uma questão de sobrevivência, em algumas de nossas viagens a trabalho, acabo ficando com desejo demais e ele também, aí acontece. Mas nada além disso.

― Vamos lá, me conte o que aconteceu por aqui enquanto eu estive fora. – Perguntei sentando-me ao seu lado no sofá que havia ali.

― Ok, vamos! – Suspirou – um novo distribuidor de hidrocodeína entrou em contato, quer fazer negócios. E também temos um CEO de uma empresa de matéria prima que quer uma reunião com você, diz ele que tem ótimos produtos para nós, mas não falou o código. Então presumo que seja apenas para o lado legal mesmo. – Concluiu me olhando com desdém, provavelmente pensando que eu deveria me preocupar com minha saúde e não com o que aconteceu na minha ausência.

O código. É algo sagrado nesse tipo de negócio, se a pessoa entra em contato e não fala o código, sabemos que aquela pessoa não vai tratar de assuntos ilegais, então devemos manter o profissionalismo e seguir.

― Sobre o Frank... Ele tinha uma grande amostra dessa nova droga e nós conseguimos pegar e eu já mandei pro laboratório analisar, é só esperar o resultado que deve ficar pronto em dois dias no máximo. Demos um jeito nele e ele ficará longe por mais tempo do que gostaria. – Falou segurando minha mão com delicadeza.

― Ótimo, pelo menos isso de bom. Amanhã bem cedo eu estarei na empresa. Preciso resolver muita coisa por lá... – Informei indo colocar um roupão por cima do pijama.

― Ótimo, Isac está na cozinha preparando algo para você comer. – Falou me seguindo até meu closet e fechei a cara ao ouvir a frase.

― Mas hoje é folga dele. Nem aqui deveria estar. – Comecei a ficar agitada.

― Eu pedi para que ficasse para ajudá-la com os remédios e a alimentação. – Me puxou pra perto com cuidado.

― Mike, Isac já trabalha demais aqui, justo na folga dele você pedir pra ele ficar por causa de mim? Nada disso. – Me soltei dele e caminhei em direção à porta.

― Onde você pensa que vai? – Mike bloqueou minha passagem rumo a escada.

― Vou descer até a cozinha. Saia da minha frente. Agora! – Ordenei com a cara fechada.

Ele me obedeceu sem pensar, mas andou ao meu lado e falando feito um tagarelo, querendo me apoiar ou me descer no colo.

― Mike, não estou aleijada, por favor. – Falei já sem paciência parando no meio da escada

― Você vai sentir dor mais tarde. – Insistiu e eu apenas ignorei.

Parei de dar ibope para seus exageros e cheguei ao piso principal. Atravessei a casa rumo à cozinha, ouvi os tilintares de vidro e inox.

― Isac! – Chamei alto.

― Senhora! – Levou um susto.

― Saia desta cozinha imediatamente e volte para sua folga, tire dois dias a mais e perdoe este erro terrível do Sr. Lane. – Falei autoritária e dei uma olhada feia para Mike.

― Senhora, me recuso a sair deste castelo e deixar minha rainha, que ainda está ferida, sozinha. – Hoje todos querem me desobedecer ou eu que estou muito estressada?

― Poupe-me de suas bajulações e vá agora arrumar suas coisas. Quero você longe desta casa em uma hora e não vou aceitar ser contrariada. – Fui um pouco mais ríspida.

― Mas e a alimentação da senhora? E os remédios? – Perguntou alternando o olhar entre mim e Mike.

― Sou uma ótima cozinheira como bem sabe e tenho idade o suficiente para me medicar sozinha. Afinal, de fármacos eu entendo. – Falei sem paciência. – Mais uma coisa... Antes de sair, passe por mim para se despedir. – Agora mais calma e carinhosa, consegui até ver um sorriso de alivio em seus lábios.

― Sim senhora! – Disse em tom divertido.

Dito isto, ele saiu contrariado e Mike me olhava com cara de quem sabia de cor tudo que aconteceu ali.

― Impossível negociar com você. – Comentou.

― Se não for do meu jeito, não rola. Me passa as receitas com os horários de cada medicação. – Falei me dirigindo até a cozinha.

Coloquei um despertador para cada remédio, coloquei todos em uma pequena bandeja e pedi a Mike para colocar ao lado de minha cama.

Quando ele voltou, a mesa já estava posta para dois, Isac passou na sala de jantar e me deu um beijo e um abraço. Eu o trato como um irmão.

Mike e eu conversamos um pouco enquanto comíamos e depois de um longo silencio resolvi falar mais alguma coisa, na verdade, pedir.

― Mike, seria muito abuso meu pedir para que fique comigo hoje? – Mantive meu olhar firme no seu.

― Por isso eu pedi a Isac para ficar... Eu te conheço Florence! – Falou cruzando os braços no peito.

― Isac e nada nessa situação são a mesma coisa. Você sabe o que fazer caso minha casa sofra um atentado. – Tentei apelar, mas pelo visto não deu certo.

― Florence... Sua equipe de segurança é uma das melhores. – Falou servindo-se de mais alguns frios.

― Tudo bem. Deixa pra lá! – Ele fez menção de falar algo, mas eu continuei – Vou me recolher, a equipe de limpeza está na casa dos fundos, quando acabar é só pedir para que venham... Boa noite. – Percebi de imediato que Mike não queria ficar aqui e não tiro sua razão, mas eu sou complicada e não sei explicar isso.

Ser sozinha é realmente muito difícil... Me acomodei na cama king e me senti engolida pela solidão imediatamente, era o que parecia. Liguei a luz neon e peguei no sono.

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