Parte l
Julho de 1987, eu estava passando férias na casa de minha avó na companhia de minha noiva Elisa. A casa de minha avó situava-se em São Paulo, no Bairro de São Miguel Paulista, bem próxima à Guarulhos. A mesma era toda feita de tijolos de barro, num modo muito antigo, mas muito bonita e espaçosa. Não sei explicar bem, mas toda casa de vovó tem um jardim, e todo jardim de vovó é bem cuidado. Às vezes pensava que por não ter o que fazer, ela se dedicava a esse tipo de “lazer”. Mas minha adorável velhinha não era nenhuma desocupada. Quando não estava cuidando de seu jardim estava lendo ou preparando um daqueles deliciosos bolos de chocolate com recheio cremoso. Não sinto vergonha de dizer que em três dias ela me ensinou a fazer crochê. Elisa chegou a brincar comigo dizendo que não se casaria com um homem de “atitudes estranhas”. Em menos de dez dias eu a presenteei com um belo agasalho feito por minhas próprias mãos. Minha namorada ficou tão feliz que me deu um beijo inesquecível.
Elisa havia se tornada grande amiga de minha avó, pois ambas se conheciam há muito tempo. Somente ela para ficar escutando aquelas longas e cansativas historinhas do tempo da carochinha. Eu preferia passear pelas calçadas de São Miguel Paulista olhando as vitrines cheias de coisas bonitas que com certeza eu compraria para completar nosso enxoval, pois pretendíamos nos casar em dezembro do mesmo ano. Às vezes eu me sentava num banco da Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra e ali ficava observando os pombos e as pessoas. Para ser sincero eu não via muita diferença entre um e outro. Os pombos comiam e em seguida defecavam, as pessoas comiam seus lanches e em seguida jogavam suas embalagens fora dos cestos de lixo. O gramado da praça estava cheio de pontinhos brancos e amarelos que na verdade eram guimbas de cigarros que os fumantes jogavam a todo o momento. Gostava muito de assistir os capoeiristas da academia NETOS DE AMARALINA fazendo suas acrobacias. Ficava fascinado com tamanha agilidade daqueles atletas. Uma vez ou outra surgia em minha frente um homem fantasiado de palhaço e com tamanha facilidade me fazia rir com suas brincadeiras engraçadas. Lembro- me também ter ouvido pela última vez um fraco som de realejo tocando ao longe. Apesar de estarmos nos divertindo na casa de minha avó e nas calçadas de São Miguel Paulista, (é claro que às vezes Elisa me acompanhava), percebi que minha noiva não estava se sentindo muito contente. O motivo era que uma de nossas amigas do tempo de infância estava doente. Marli sofria de depressão profunda. Seu namorado Douglas sofria muito por não poder ajudá-la apesar dos esforços feitos por ele. Muitas vezes eu e meu camarada deixávamos que elas ficassem a sós. Elas se pareciam muito, quando estavam sozinhas sorrindo e conversando. Minha preocupação com Elisa era tão grande que para não vê-la triste como estava, resolvi conversar com minha avó. A mesma já conhecia o casal desde a mais tenra idade. Meu dialogo fora convincente e ela então aprovou que o casal viesse passar alguns dias conosco em sua casa. No dia seguinte à tarde, nosso casal de amigos chegou. Apesar da relutância da parte de meu amigo Douglas que não queria viajar de trem de Barueri até os confins da Zona Leste, devido seu carro estar quebrado. Mas acabou por ceder ao convite. Achei muito engraçado o fato de seus sapatos estarem encobertos de poeira avermelhada. Cheguei a lhe perguntar onde havia comprado aqueles sapatos vermelhos, o riso fora total.
Marli parecia mesmo muito doente. Mesmo assim ela era muito bonita. Eu a envolvi nos braços e por alguns segundos ficamos ali abraçados. Conhecíamo-nos desde a época de criança. Na época o meu maior sonho era me casar com ela e Elisa. As duas seriam minhas, e quem tentasse tomá-las eu usaria a lança de Dom Quixote para varar o peito do atrevido. O tempo passou, e eu acabei mesmo foi ao lado de Elisa. Houve uma época em que eu e o Douglas nos apaixonamos ao mesmo tempo por Marli. Ainda éramos crianças. Marli era um tipo de menina que gostava de fazer com que os meninos brigassem por sua causa. Quando estávamos a sós, ela me enchia de beijos e me prometia todo seu amor. Quando a sós com, Douglas fazia o mesmo. O resultado de tudo isso foi uma briga entre dois grandes amigos. Como na época não havia hospital próximo a nossa cidade, fomos parar em uma farmácia local. Pior que as mãos pesadas do farmacêutico era a censura que o ele despejava sobre nós. “_Esses pirralhos, vire e mexe aparece um aqui com a cara quebrada. Deviam estar na escola, isso sim”.
Querosene quando criança era apenas um bandidinho. Aos treze anos, para mostrar que era o contrário do que as pessoas pensavam dele, acabou por matar um outro bandido, este bastante perigoso. O garoto estava sentado à porta de um boteco quando chegou o Zé Maria, o bandido mais perigoso da vila. O mesmo entrou no boteco e pediu uma dose de pinga. Olhou para o moleque sentado na porta e se dirigiu a ele. Ofereceu-lhe a pinga e ofendeu-se quando o garoto recusou sua “delicadeza”. De repente, o bandido pegou o garoto pelos colarinhos e empurrou o copo de pinga em direção à sua boca fazendo-o beber todo o liquido que desceu por sua goela abaixo. Alguns jogadores de baralho que estavam no local, não se atreveram a ajudar o garoto, mesmo que ele merecesse. Pois o mesmo já havia roubado algumas peças de roupas de seus varais. O garoto foi embora, engasgado e chorando enquanto o bandido bramia:
“_Será bandido como eu, não é isso que você quer? Há, há, há...”.
Zé Maria já havia tomado sua terceira dose de Cavalinho quando sentiu uma espetada nas costas. Era o garoto que empunhando uma faca assumia o trono do malvado Rei.
“_De agora em diante quem manda aqui nessa merda sou eu”.
Pulou o balcão e pegou uma lata de querosene. Despejou todo o liquido em Zé Maria e em seguida ateou fogo. Daquele dia em diante ele passou a ser conhecido pelo apelido de: Querosene. Na Cidade Pedro José Nunes, divisa de Guarulhos com São Miguel Paulista, onde situava a casa de minha avó, do ponto mais alto era possível ver quase toda a área ao redor. Durante a noite quando se ficava no peitoril da janela via-se quase toda a favela, pois a mesma tornava-se visível com suas luzes de lamparinas ou rede elétrica clandestina. E foi em uma noite dessas que minha avó de sua janela estava saboreando o brilho das estrelas e o lindo sorriso da majestosa lua, quando a mesma levou um enorme susto. Em frente à sua janela dois homens discutiam, quando um deles sacou uma arma e disparou várias vezes no peito do outro. Minha pobre velhinha soltou um curto grito de horror que acabou chamando a atenção do assassino, nada mais nada menos que: Querosene.
Daquele dia em diante, ele passou a rondar a casa de minha avó. Após esse relato me preocupei e até pensei em ficar mais alguns dias em sua casa. Se preciso fosse compraria uma arma. No entanto preferi dar uma sugestão a ela:
_Venda a casa. Venha morar com a gente em Barueri. _Ela me lançou um olhar silencioso e em seguida disse as seguintes palavras:
_Aqui cresci, aqui quero morrer. E quando isso acontecer deixarei toda essa casa para meu único neto, você! _Confesso que fiquei um pouco encabulado _ Principalmente a biblioteca de seu avô. Esse foi seu último pedido e eu o cumprirei com o maior prazer de minha vida. _Dizendo isso ela se levantou e convidou as meninas para conhecer sua nova cozinha. De nova não havia nada. Tudo era como antes, exceto algumas novidades que ela havia comprado nas lojas das Casas Bahia e Arapuã como: batedeira, liquidificador e outros utensílios domésticos. Nessa época corria o boato que o suposto fim do militarismo já era um sonho realizado. Por isso o consumismo passou a ser um ato constante para as donas de casa que podiam comprar objetos de utilidade doméstica barulhentos sem se importar com o toque de recolher, pois em tal época as pessoas já não dormiam mais antes das 22 horas.
Aproveitando que as três estavam na cozinha, eu e o Douglas começamos a discutir o caso de Marli. A mesma já não cria mais em sua cura. Vivia tomando antidepressivos como se fosse apenas uma coisa a mais a se fazer na “ante vida”, pois ela não vivia mais como nos velhos tempos quando éramos crianças. Já havia passado por várias consultas psiquiátricas e nada de melhorar. Às vezes chegava a ter fortes crises de nervos e passava várias noites sem dormir. Parecia que a única coisa que a fazia sentir-se melhor de vez em quando, era quando estávamos todos juntos, eu, minha noiva Elisa, nosso amigo Douglas e ela. Eu e o Douglas resolvemos ir até a biblioteca para ver se achávamos algum livro que pudesse nos ajudar com informações a respeito da doença de Marli. Apesar de lermos muitos artigos sobre doenças mentais, não fomos felizes em nossas tentativas, pois na verdade não passávamos de dois meros curiosos querendo dar uma de médico.
Quando anoiteceu, fomos todos para a imensa biblioteca jogar xadrez. Depois de algumas derrotas resolvi ir para a cama e descansar um pouco. Minha intenção era mesmo hibernar. Eu e Elisa já dormíamos no mesmo quarto. Marli e o Douglas no quarto em frente ao de minha avó. Os quartos ficavam na parte de cima da casa, pois a mesma era um sobrado dividido em várias partes, ou cômodo se preferirem. Três dormitórios, uma imensa biblioteca, uma enorme cozinha, uma sala que poderia ser dividida em três partes além de uma pequena e cômoda sala de reunião que meu avô Gustavo usara muito para discutir os problemas dos Sem Terra que na época estava incomodando alguns fazendeiros da região. Meu avô morreu doente. Na verdade ele acabou morrendo de tristeza ao ver um soldado, com cara de moleque, dando um golpe de cassetete na cabeça de uma menina de apenas nove anos de idade. A Guarda Municipal do sistema Jânio Quadros era um terror. Meu avô não o culpava por isso, pois ele não sabia se o atual prefeito da Cidade de São Paulo tinha conhecimento ou não dos fatos que ocorriam devido à inexperiência dos soldados. Mesmo assim a tristeza causada pela incapacidade de não poder fazer nada enquanto aquela pobre criança morria em seus braços acabou matando-o aos poucos.
Mesmo com sono e bastante cansado eu não conseguia dormir. Elisa percebendo minha agitação me ofereceu um dos seus comprimidos. Aceitei-o e o engoli a seco somente com o deslizar da saliva. Elisa me disse que desceria para conversar um pouco com Marli. Fiquei no quarto esperando o sonífero fazer efeito. Mas o dito cujo parecia não funcionar. Então resolvi descer até a biblioteca e pegar um livro interessante. Não sei se vocês já perceberam, mas basta começar a ler um livro estando deitado em uma cama que... Quando cheguei à porta da biblioteca vi que minha avó estava sentada em sua velha cadeira de jacarandá. Ela estava só. Percebi que estava com cara de assustada, e percebi também que a mesma estava olhando em direção à vidraça que fazia frente com a rua. Através dessa vidraça era possível ver apenas uma parte de seu belo jardim, pois o mesmo era pouco visível durante a noite. Ao perceber minha presença, assustou-se deixando o livro que segurava cair ao chão. Perguntei o porquê do susto e ela gaguejou ao responder.
_Na... Nada não.
Esperei que ficasse mais calma e arrisquei novamente.
_A senhora está bem?
_Sim! Não se preocupe. É que eu me assustei ao ver o Querosene assaltando uma mulher agora mesmo ali na rua. Percebi que estava mentindo. Olhei pela vidraça e vi que era praticamente impossível enxergar a rua. Havia muitas plantas em frente à vidraça, além da má iluminação. De repente surgiram Douglas e Elisa à porta da sala de leitura.
_O que houve? _Perguntou Douglas.
_Escutamos um barulho de algo pesado caindo... Expliquei que o barulho que eles ouviram fora do livro que minha avó havia deixado cair ao levar um susto com minha presença.
_Ela se assustou com você? _Perguntou Elisa.
_Não, não... Na verdade ela se assustou mesmo ao ver o tal Querosene assaltando uma mulher na rua. _Disse-lhes eu apontando em direção à vidraça como se quisesse mostrar-lhes a rua.
_Como ela conseguiu enxergar a rua com tanta planta na frente? Perguntou Elisa com as sobrancelhas arqueadas. Em seguida a mesma sugeriu que um pouco de água com açúcar lhe faria bem. Percebi que minha avó a olhou de uma forma muito estranha.
_Obrigada, eu mesmo pego. Apenas me ajude a chegar na cozinha. _Disse-lhe minha avó.
Elisa a pegou pelo braço e dando-lhe apoio, ambas caminharam em direção à cozinha. Douglas parecia preocupado.
_Temos que tomar muito cuidado com esse tal bandido. _Concordei com meu amigo que segurava uma blusa de lã amarela com ambas as mãos.
_Você está com frio? _Perguntei. Ele olhou para a blusa e respondeu meio confuso que ao correr para ver o que havia acontecido na sala de leitura, encontrara a blusa caída num canto perto do corredor de entrada, reconhecendo a mesma como sendo de Marli resolveu então pega-la para poder guardar. Não sei por que, mas possuo um hábito estranho de procurar saber se uma pessoa está falando a verdade ou não olhando bem em seus olhos. Mas confesso a todos que ao olhar para os olhos de meu amigo Douglas fiquei na dúvida.
Perguntei por Marli e sua resposta foi um tanto desanimada:
_Deve estar no quarto! Ela havia reclamado que sua cabeça estava doendo. Espero que tenha dormido. Eu deveria ter me formado em Medicina e não em Direito. _Lamentou-se ele antes de sair da biblioteca carregando com ele a blusa de lã. Notei que a mesma estava ao avesso e com alguns carrapichos grudados em uma das mangas. Dirigi-me até o jardim e constatei que era bem possível alguém se esconder ali. No ar havia um leve aroma de perfume, o mesmo que Elisa costumava usar. Fiquei ali, com os meus pensamentos. O que minha avó teria visto através da vidraça? Mesmo eu com uma visão mais saudável que a dela não conseguia ver nada através da mesma, imagina ela com seus óculos de grau fortíssimos. Resolvi voltar pra cama, pois o sono viera forte desta vez. Com certeza o remédio já começara a fazer efeito. Subi e quando cheguei em frente ao quarto de minha avó resolvi saber se ela já estava se sentindo melhor. Ao me aproximar da porta ouvi a voz da mesma dizendo num tom um tanto áspero: _Não vou suportar essa pouca vergonha... O Douglas que me aguarde. Ouvi passos vindos da escada. Era preciso sair dali, então corri para meu quarto. Antes de fechar a porta vi que Marli saía do seu. E ao mesmo tempo Douglas entrava meio apressado. Pararam um de frente para o outro e após um rápido trocar de olhares, se separaram. No dia seguinte amanheci meio sonolento e até um pouco indisposto. Olhei para o relógio e me espantei ao constatar as horas, já passavam das duas da tarde. Meu Deus que remédio bom esse que minha noiva me dera. Fui direto ao banheiro e tomei um belo e demorado banho. Desci para a sala e percebi que os presentes pareciam um pouco tristes. Ou seria impressão minha? Perguntei o motivo de tantas caras feias demorou um pouco para que alguém me respondesse:
_A Marli piorou, a levamos para o hospital Tide Setúbal. _Disse Douglas com os olhos cheios de lágrimas. Elisa também chorava de cabeça baixa. Somente minha avó se mantinha séria. Percebi que Douglas e Elisa estavam bem vestidos. Eles estavam indo para o hospital na esperança de trazer Marli de volta para casa. Prontifiquei-me a ir junto, mas Douglas me pediu para ficar com minha avó porque o Querosene estava andando por ali e seria muito perigoso deixá-la sozinha. Minha avó não disse nada e seu silêncio me deixou muito incomodado. Quando os dois saíram dei alguns passos em direção à porta, e através da janelinha olhei para fora em direção ao portão, e o que vi me deixou um tanto desconfiado. Elisa e Douglas estavam de mãos dadas e quando perceberam que eu os observava largaram-se a mãos de uma forma muito rápida, como se não quisessem que eu os visse de tal forma. Percebi que Elisa mordia levemente o canto esquerdo da boca de uma forma combinada com o olhar de arrependimento e surpresa. Fechei a janelinha da porta e me virei para minha avó perguntando a ela qual era o motivo de seu silêncio tão repentino. Ela me lançou um olhar de quem sentia pena de outro alguém e disse:
_Será que você não percebeu o motivo da doença de Marli?
_Não, qual é?
_Ela está apaixonada por você! _Fiquei sem saber o que falar. Do bolso de seu pequeno e surrado avental, ela retirou um minúsculo pedaço de papel dobrado e me entregou.
_Encontrei isto caído no corredor. Pensei ter sido algum descuido de vocês, pois sabe muito bem que detesto sujeiras espalhadas pela casa. Ao pegá-lo, algo me chamou a atenção. Desculpe-me por eu o ter lido, pois acredite, é comum o Ser humano fazer uso de sua curiosidade.
_Tudo bem vó, não se preocupe.
_Tem mais uma coisa. Vou lhe fazer uma pergunta e gostaria que você me respondesse com a verdade.
_Pode perguntar
_O Douglas é viciado em drogas?
_Não sei vó, por quê?
Sua resposta foi-me surpreendente. Ela me disse que ao se dirigir para o quarto de Marli para ver se ela estava precisando de alguma coisa, encontrou Douglas segurando uma carteira de documentos com uma das mãos e sobre a mesma havia uma pequena quantidade de pó branco. Com o auxílio de um pequeno canudo transparente ele inspirou todo o conteúdo pelo nariz. Depois tentou disfarçar, mas não foi possível. Ela discretamente fingiu não ter visto nada, mas percebeu que ele ficara desconfiado. Dizendo isso saiu para a cozinha e eu comecei a ler o que estava escrito naquele pequeno pedaço de folha de caderno. “Querido amigo Marquinhos, não sei mais o que fazer de minha vida. Pois meu coração está dividido em dois. Estou amando duas pessoas ao mesmo tempo. Uma delas é você! Sofro por isso. Sei que vou sofrer por toda minha vida. Te amo! Receba um beijo de sua; Ma...” Quando terminei de ler o bilhete, meu coração parecia querer sair de meu peito. Eu não estava acreditando em tudo aquilo. Só podia ser brincadeira de alguém.
Já era quase noite quando os três chegaram de táxi. Fui correndo ao portão para recebê-los. Levamos Marli para seu quarto e a deixamos dormir até o dia seguinte. Domingo, Marli levantou-se cedo, parecia mais disposta e até se prontificou a ajudar minha avó a preparar o almoço. Estranhamos, mas de qualquer forma ficamos menos preocupados. Durante o almoço conversávamos sobre diversos assuntos: música, filmes, novelas e livros. _Você ainda pretende ser escritor Marrone? _Perguntou minha avó. _Sim vó! _Respondi sorrindo. Meu nome de batismo é Marcos, mas minha querida vovó me chamava de Marrone por causa de uma tia de minha mãe que pelo fato de ser nordestina e querendo me chamar de menino marrom por eu ser moreno acabava me chamando de: “Menino Marroni”. _E que tipo de leitura você mais gosta? _Romance policial. Adoro mistérios de detetives. _Eu prefiro ser qualquer outra coisa menos escritor. _Disse Douglas de rep
Em nosso quarto, Elisa parecia pensativa como, se algo a estivesse incomodando. Perguntei-lhe o que estava acontecendo, demorou um pouco para que me respondesse. _Li o bilhete que a Marli escreveu pra você, _Droga, o bilhete! Eu deveria ter destruído o pedaço de papel, mas... _acho que sei o motivo da depressão de nossa amiga. Expliquei a ela que minha avó havia encontrado o bilhete no corredor e entregou-me com a mesma observação que acabara de fazer. Elisa me deu um abraço e me beijou no lado esquerdo do rosto. Pegando um dos seus comprimidos me ofereceu um, eu aceitei. Elisa passou sua mão esquerda em meu rosto e disse: _Não se preocupe, sei que nossa amiga está doente. O que me preocupa mesmo é o fato de ter sido o Douglas quem achou o bilhete na sala de leitura. Como ele simplesmente me entregou, sem nada dizer, pensei que fosse pra mim, então eu o li. Sim, fora Douglas quem viu minha avó achando o bilhete no chão do corredor. Lembrei-me de o ter visto p
No velório havia poucas pessoas. Somente os vizinhos mais antigos de minha avó e nós da “família”. Enquanto acontecia o enterro de minha avó no cemitério da Saudade, um novo crime acontecia na Cidade Pedro Nunes. O senhor Manézinho esposo de Dona Gertrudes estava tomando uma cerveja no boteco do Jacó quando chegou o Querosene. O bandido vendo que somente o velhinho tomava cerveja achou ruim e perguntou se ele era melhor que os outros. O senhor Manézinho levantou-se do banquinho e encarou o bandido. Querosene ofendido pegou o velhinho pela gola da camisa e disse: _Velho idiota, quem pensa que é? __Meu nome é Manezinho! Em seguida sem que o bandido percebesse o velhinho puxou um punhal de sua cintura e o introduziu todo na barriga de Querosene. O bandido tremeu e parecendo estar perdendo as forças dos braços soltou a gola da camisa do senhor Manézinho e caiu para trás. Em seguida tentou se levantar e ao conseguir caminhou cambaleante até o meio da rua e desta v
Eu não poderia estar errado de forma alguma. Acabara de descobrir quem matara minha avó. Lágrimas, caras fechadas e bebedeiras não conseguiram me enganar de maneira alguma. Ao contrário, só me fizeram trabalhar menos. Enfim, a hora da verdade havia chegado. Quando me virei Douglas estava em pé na porta da cozinha olhando-me, ele segurava uma faca com a mão direita. De repente deu-me as costas e se dirigiu para o interior da cozinha pegando uma laranja da fruteira sobre a mesa descascando-a. Confesso que levei um susto ao vê-lo com a faca na mão. O policial chegou acompanhado de mais dois investigadores. Elisa apareceu no topo da escada curiosa para saber quem havia chegado. Percebi que ela ficou um pouco surpresa ao ver os policiais entrando na casa. Pedi para que chamasse Marli. _Ela está descansando! _Respondeu-me ela com certa aspereza na voz e nos braços trêmulos apoiados no corrimão. Ao ameaçar eu mesmo ir buscá-la Elisa resolveu atender meu pedido. Assim que todos esta
Ali, diante de nossos olhos, duas mulheres mortas e o cheiro concreto de pólvora, como se fossem espectros abandonando tais corpos, rodopiava uma volta inteira antes de se esvair pela janela. Douglas não sabia o que dizer a respeito da arma _A arma tem registro? _Perguntou o policial Jorge. Douglas balançou a cabeça negativamente e nos explicou como a conseguira. Ele nos disse que a comprou no boteco do Jacó. Segundo ele um rapaz lhe ofereceu a arma por uma bagatela, e acreditando precisar de uma acabou comprando-a. O policial careca olhou para as duas meninas caídas perto da janela com uma expressão de pena e tristeza. E como se quisesse me consolar pôs sua mão direita em meu ombro esquerdo e deu um leve aperto. No enterro das meninas, como em qualquer enterro, algumas pessoas choravam e outras se mantinham sérias. O que não faltou de forma alguma foram os olhares em minha direção. As mesmas pessoas que estiveram no enterro de minha avó também estavam ali, e haviam
Parte l Era quinta-feira, eu tomava um conhaque no bar do Manél quando resolvi ir para o hotel descansar. _Falô Manél, até logo mais. _Falô Tião. Atravessei a rua, havia duas meninas na porta do hotel, nem ligaram pra mim. Já sabiam que eu tinha dona. Subi as escadas correndo e ao chegar no corredor, ouvi uma discussão feia. Eram Rosana e Chilena quem discutiam. _Você nunca vai ser uma atriz, nunca. _Disse Rosana à Chilena. _Eu serei sim, sua idiota _Idiota? Idiota é você e... _Ah, cala sua boca. _Disse Chilena quase chorando. Rosana entrou em seu quarto e Chilena caminhou até o fundo do corredor e entrou no quarto 16, onde atendia seus clientes. Como eu havia bebido muito, resolvi entrar em meu quarto e tomar um banho para relaxar. Após tomar banho, vesti um calção branco de listras azuis e me deitei na cama que vivia desarrumada. Bateram na porta, atendi, era Chilena. _O
Desci do trem na antiga Estação da Luz. Fui caminhando até a Rua dos Protestantes. De longe avistei o bar do Manél. Entrei, um homem gordo e com os cabelos compridos amarrados às costas estava nos fundos do bar. _Ei colega, por favor... _Chamei. O homem virou-se de frente e qual não foi minha surpresa, era o Manél. Mais gordo, cabeludo e com o mesmo carisma de sempre. _Tião, seu cachorrão discarado, onde cê tava meu? _E aí mano véio, andou comendo o quê, fubá com fermento? _Cê também mudou meu chapa, tá até com cabelo branco. _Rimos. Era verdade, estava ficando velho. Apesar dos meus 32 anos minha aparência era de uns quarenta. _Então Manél, quais são as novidades? _Ah meu amigo, _Disse ele enquanto me servia uma vodca, _tenho tanta coisa pra te contá. _Dei um gole na vodca que ele me servira e quase engasguei quando ele disse: _Tá sabendo que o hotel fechou? _Quê? _olhei rápido para o outro lado da rua. No luga
Paulo César Batista Bomfim. (Paulinho Dhi Andrade), esta biografia foi escrita na época que Paulinho Dhi Andrade ainda era conhecido pelo codinome: Paulinho Bomfim. Por: Ruy de Oliveira Filho do frentista Ruy Silva Bomfim e da empregada doméstica Eunice Batista Bomfim, ambos baianos, ficou órfão de pai aos seis anos de idade. Aos sete entrou para uma escola estadual, onde se tornou repetente logo no 1° ano escolar por duas vezes. Após passar para o 2° ano escolar teve o mesmo problema. Na verdade, o garoto não prestava muita atenção às aulas, e o motivo parecia ser a fome que o atormentava constantemente, pois numa casa com seis crianças, em que todos passavam fome devido não haver nem mesmo pão velho para comer, ficava difícil se manter atento a qualquer atividade. Paulinho e seus irmãos apanhavam muito do padrasto e de alguns parentes que se achavam no direito de repreendê-los com agressões f