Predestinados
Predestinados
Por: Nay Lisboa
Capítulo 01

Merlim...

Quando nasci me colocaram o nome de Merlin em homenagem ao mago da profecia. Quando eu tinha sete anos meu pai Odin fez uma viagem ao submundo para nunca mais voltar, ele disse para mim que precisava resolver algo muito importante para nos manter seguros. Minha mãe protestou, pois sabia que isso colocaria a vida dele em perigo, mas ainda assim ele foi. Esperamos com o coração apertado por dias e meses até que uma noite quando ela lia para mim sentiu uma tristeza muito grande e uma dor no peito, eu não entendi; ela levantou, deitou ao meu lado e me disse:

“Filho, presta muita atenção no que a mamãe vai falar para você, o papai não poderá mais voltar porque ele foi morar com o papai do céu, é que lá em cima está precisando de pessoas especiais como ele.”

Eu chorei a noite toda e ela chorou junto comigo, orei ao papai do céu que devolvesse meu pai porque eu também precisava dele, mas ele não devolveu.

 Meu pai sempre foi meu espelho, minha mãe sempre foi a base da casa; cresci muito mimado cercado de amor e carinho, o que quebrava todo o preconceito que éramos rodeados, meus pais negros e eu branco alvo de chacota na escola escutava o tempo todo que eu havia sido adotado. Aquilo não me doía porque eu sabia que era mentira e se fosse não teria problema. Minha mãe sempre disse que algumas mulheres abandonam seus filhos por que são eles especiais e outras mulheres e homens nascem com a missão de dar amor e ser a família dessas crianças, assim como o Jeremias sempre foi para o meu pai.

O Odin tinha a tradição de todos os dias colocar uma carta na cabeceira da minha cama; ele me desejava um ótimo dia e que nenhuma palavra ruim chegasse até a mim, e de fato não chegava. Mais tarde descobri que suas palavras se materializam como um escudo de proteção, fui descobrindo aos poucos que de fato meu nome condiz com o que eu sou; um semideus! Minha mãe sempre ficou ao meu lado me incentivando e me apoiando a cada pedacinho do dom que eu descobria, ela vibrava comigo em todas as minhas conquistas!

                                                            ...

Hoje eu acordei muito cansado, passei toda a semana pensando e escrevendo mais um livro e essa noite foi a finalização da história no portal. Está muito difícil me levantar da cama, mas sei que tenho que fazer. No mês passado com glória publiquei dois livros meus; as críticas foram maravilhosas e deu para apagar a crítica ruim de seis meses atrás.

Ser escritor não é fácil, mas é o que amo fazer, a única coisa que me tira do sério é o cansaço que os portais me trazem, espero que meus leitores consigam ter o mesmo olhar que eu! Estou meio apreensivo quanto a minha próxima história, há algum tempinho tenho tido relapsos de uma mulher em minha mente; e quero escrever sobre ela. Se ela fosse real diria que estava implorando por uma autobiografia.

Tudo começou quando eu estava no lançamento do meu livro, entre um autógrafo e outro pensei ter visto uma mulher admiravelmente linda a me olhar… Pedi um tempinho e procurei por toda a sala, mas não a encontrei, achei ter sido só a mente fértil de um escritor. A noite sonhei com ela em um magnífico jardim me encarando e sorrindo em um vestido amarelo e acordei completamente inspirado, passei o dia sentindo um perfume sem igual ao meu redor como se de fato ela estivesse comigo. Tem sido assim até hoje, as vezes ela some da minha mente e depois de semanas volta novamente, acredito que quando eu escrever ela sumirá com o fechamento do portal, mas preciso vê-la na minha história ou viverei atordoado por esse espetáculo de beleza!

Crio coragem e me levanto da cama, vou ao banheiro tomo um banho bem gelado e quando saio pego meu notebook. Me dirijo para a varanda e vejo minha mãe sentada no banco olhando alguns artigos. 

— Posso saber o que a senhorita está olhando aí? — Falo me sentando ao seu lado e dando um beijo em sua testa. 

— Bom dia filho, estou olhando os artigos que eu escrevia para o seu pai. — Ela me olhou e sorriu pensativa. 

— Faz tantos anos que ele se foi. Não quero que fique assim e certamente ele também não iria querer. — Eu sorri. 

— Eu sei; não estou triste, é que fico pensando o que o fez ir até lá mesmo sabendo que ele poderia não voltar, o que era tão importante para ele largar tudo e ir num ato de soberania para o matadouro? — Ela falou pensativa.

— Ele disse que era para nos proteger e eu acredito nisso mãe, ele tinha os motivos dele e infelizmente não sabemos o que era. Por favor, esqueça isso. — Eu tirei os papéis de suas mãos e as segurei carinhosamente.

— Tudo bem meu bem, você já comeu algo antes de se enfiar nesse note? Você já tem três livros lançados recentemente, está na hora de tirar umas férias, você é jovem precisa viver; sair; trazer umas garotas aqui em casa. — Ela riu.

— Ainda não, eu estou com algo em mente que está tirando toda minha concentração então preciso materializá-lo. Dona Aradia, sabe que não tenho tempo para essas coisas. Minha vida é complicada, receio que não exista uma mulher que aceite um homem de vinte e dois anos que se teletransporta para outras dimensões e que só vive para escrever. — Eu gesticulei com as mãos para afastar os pensamentos.

— Eu estive aqui para o seu pai. — Ela piscou para ele. 

— Porque a senhora é especial. Só a senhora já está ótima na minha vida, tá bom? — Beijei sua mão. 

— Ai ai, vou preparar algo para você comer, lembre-se que ao contrário de você eu não estarei aqui para sempre. — Ela suspirou, sorriu e se levantou indo para a cozinha. 

Abri meu notebook e refleti no que minha mãe havia dito. Não é que eu não queira ser normal, sair e encontrar alguém para trazer para casa e apresentar para ela. Não é que eu não queira viver a vida, é só que receio que o mundo não me aceite dessa forma. Eu vivo, eu saio aos finais de semana, sento em um bar e bebo algo. Saio com algumas garotas e passo a noite fora algumas vezes, tenho amigos, só que isso não acontece com frequência e nunca encontrei uma garota que eu tenha amado. Acho que um dia eu até encontrarei o amor, mas não estou pronto para isso, não estou pronto para contar meus medos e conflitos para alguém. Parece tão bom só escrever e quando entro em meus portais me sinto completo, intacto e sem medo! Acho que jamais uma mulher me faria se sentir assim no mundo físico, nem no submundo, já tentei e já encontrei alguém que me fez se sentir bem, porém não completo.

Abro o Word e penso na deusa que tem me tirado o fôlego, talvez se ela estivesse na realidade eu poderia dizer algo mais sobre esse assunto, porém ela não é real! É apenas parte de um imaginário fértil de um escritor e eu não posso me relacionar com um personagem, quer dizer, nunca pensei na proposta. Mas não! Escreverei sobre ela e no final o portal se fechará e ela nunca terá existido e eu continuarei aqui com a minha vida tranquila. Automaticamente meus dedos começam a ansiar pelo teclado, fecho os olhos e ela vem a minha mente em questão de segundos permitindo que eu a descreva. 

“Com sua pele pálida; espelho da branca de neve, seus cabelos que mudam de cor de acordo com as estações da natureza e seus olhos que se determinam de acordo com as suas emoções. Seus lábios rosados e seu tamanho pequenino, como uma linda boneca de porcelana. Ela é encantadora; domina a natureza como uma verdadeira deusa criada para ajudar e curar. Ela conhecerá o amor, ela será o amor em forma física, com todo o encanto das rosas e todo o poder das plantas ao seu favor. Suas mãos macias orquestram a brisa e apenas um sorriso domina as raízes. O seu amor cura o pior dos doentes e com apenas um beijo de amor verdadeiro um mero mortal se torna o mais poderoso dos imortais! Seu nome será Ísis.” 

Termino de escrever e leio o texto que está a minha frente, estou fascinado por essa descrição e aqui olhando para a tela desse notebook noto que não será qualquer história, tenho muito trabalho a fazer. Tenho uma história intrigante para contar e sei que valerá muito a pena. Mas estou cansado, preciso realmente de um pouco de férias. A Aradia está certa preciso viver um pouco, arejar a mente conhecer lugares novos e sei que isso me dará inspiração para escrever todo o enredo dessa trama. Fecho meu notebook e entro em casa, minha mãe está na cozinha preparando o almoço e percebo que fiquei horas escrevendo. Me arrumo, pego as chaves do meu Volkswagen New Beetle e vou até a cozinha. 

— Mãe; vou almoçar fora, tudo bem? — Pergunto me apoiando no balcão. 

— Tudo bem filho, eu vou dar uma saída, tá bom? Vou ver como estão as coisas no jornal. 

— Tá bom, eu não sei que horas estarei de volta, mas estou com o celular qualquer coisa me liga tá? — Vou em direção a ela e dou um beijo em sua testa. 

— Tá bom meu bem, se cuida viu. — Ela retribui. 

 Sai de casa; entrei no carro e dirigi até o meu restaurante preferido. Fica de frente a praia, é aberto e a vista é incrível. Sentei-me na mesa mais afastada que encontrei e pedi ao garçom uma porção de Spatzle com o prato principal Käsespätzle. Comi minha porção e fui direto para as areias da praia refletir um pouco sobre a vida. Meu celular tocou e eu atendi tão atônito que nem olhei quem era. 

— Alô? Quem é? — Falei aéreo. 

— Merlin? — Uma voz feminina falou do outro lado da linha. — Karen, não lembra mais de mim? — Pude ouvir um risinho do outro lado da linha.

— Claro que lembro, só não estava prestando muita atenção, e aí? — Disfarcei. 

— Ah tá, a galera vai fazer um luau agora a tarde, marcamos em cima da hora e queremos você aqui. — Ela falou animada. 

— Poxa, é que eu não sei, estou com alguns compromissos. —Tentei recusar o convite educadamente. 

— Ah Ozzy, não seja grosso. Você tem muitos compromissos e nós sabemos disso, mas tire um tempo para os seus amigos, não aceito não como resposta! 

— Poxa é que. — Lembrei do que minha mãe havia falado, eu precisava mesmo de um tempo. — Tá bom Kah, estarei aí. 

Me levanto e vou diretamente para casa, quando chego a Aradia não está, mando uma mensagem avisando para onde estou indo e me arrumo. Coloco uma bermuda preta rasgada, uma camisa floral com os botões abertos na região do peito e um tênis preto. Passo a mão nos cabelos e me olho no espelho. Tá; eu não quero ir, mas já que é pra ir vamos bonito pelo menos. A Karen é uma velha amiga, logo quando cheguei no colegial era muito tímido e foi ela quem esteve comigo, sempre me apresentando para as pessoas.

A primeira vez que nos vimos ela disse que meu nome seria Ozzy, pois eu era um Deus grego! Sempre muito engraçada; carismática; conquistou todos com seu jeito animado.

                                                             ∞

Quando cheguei na casa de praia da Karen a porta estava entreaberta, olhei para a praia lotada a minha frente e tudo que vi foram camisetas florais e colares de flores. Resolvi entrar! 

— Karen? — Chamei à medida que fui entrando.

— Oi. Estou aqui em cima. — Ela gritou da parte de cima da casa.  Subi e fui em direção a porta do quarto que estava aberta. 

— Ozzy, quanto tempo! — Ela sorriu e se virou para me abraçar.

— Você está linda. — Falei a olhando de cima a baixo e recebendo seu abraço. E de fato ela estava, tinha uma pele bronzeada e um belo par de olhos verdes. Seus cabelos ondulados batiam na cintura, ela estava com um vestido longo amarelo que lembrava uma bela moça havaiana. 

— Ah Ozzy achei que você não viria, pleno como sempre em! — Ela piscou e saiu em direção a varanda da casa. — Os meninos estão lá embaixo nos esperando, hoje à noite promete! — Ela pegou minha mão e saiu andando. 

— Você e suas festas. — Eu ri a seguindo para fora da casa em direção a bagunça que jazia nas areias da praia. 

Quando nos aproximamos a turma veio nos cumprimentar, fazia um tempo que eu não ia para os encontros da turma do colegial, eu havia me prendido em mundo onde não cabia mortais. Mas há um tempo eles tinham sido meus amigos, ótimos amigos, e eu tinha esquecido que estar perto deles era reconfortante e por muito tempo foi o que me fez se sentir acolhido. 

— Vou pegar um drink pra gente. — Ela se aproximou; falou em meu ouvido e foi em direção ao bar. 

Me afastei um pouco da multidão e olhei para o mar que estava lindo clareado pelas luzes do luau. Me perdi em pensamentos; minha mente envolveu-se numa bela mulher de vestido branco sorrindo para mim... “seu nome será Isis.” Ela não saia da minha cabeça. Não notei quando Karen voltou.

— Você não perde tempo para se exilar né? — Ela riu e me entregou a bebida.

— Obrigado, eu estava aqui notando a beleza do mar. — Sorri em retribuição. 

— As artimanhas de um escritor, você sempre tem coisas profundas para dizer né? — Ela olhou na mesma direção que eu. 

— Ah Kah nada a ver. — Olhei para ela e dei um gole no meu drink.

— Tá, o que você acha de dançarmos um pouco? — Ela sorriu e me puxou para a multidão. 

— Você sempre consegue o que quer né? — Ironizei acompanhando-a.

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