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Capítulo 2 - Qual seu pedido, Satini Beaumont?

Andei ereta junto de Mia até o salão de jantar onde eu faria a primeira refeição do domingo com meu pai, o rei Stepjan Beaumont. O lugar onde nos encontrávamos no final de semana e que eu a maioria das vezes fazia as minhas refeições sozinha era um dos espaços amplos e pouco arejados do castelo. A mesa em formato oval comportava somente 14 pessoas, por isso era usado somente para momentos mais íntimos. O salão de jantar das visitas era em outro local. Ainda assim as toalhas impecavelmente brancas e a decoração com várias flores naturais da estação estavam sempre ali, esperando por mim. As confortáveis cadeiras almofadadas em tom caramelo combinavam com os quadros caros e antigos que adornavam as paredes com papel adesivo. Dois lustres enormes pendiam do teto, iluminando a mesa com velas que eram usadas em ocasiões especiais, senão luzes artificiais em tons amarelados. Uma lareira antiga tinha a intenção de deixar o ambiente menos formal e mais acolhedor, afinal era um espaço familiar. O tapete era sempre muito bem limpo e meus pés afundavam nele confortavelmente. O luxo sempre esteve presente na minha vida... Mas ainda assim me faltava muita coisa que eu creio que qualquer outra pessoa tinha: amor.

Sentei-me na extremidade da mesa e coloquei meu guardanapo sobre minhas pernas. Faltando um minuto para as oito horas meu pai chegou e sentou-se na outra extremidade. Exatamente o lugar de seis pessoas nos separava em distância. Nunca nos aproximamos em nenhuma das refeições.

- Bom dia, Satini. – ele cumprimentou.

- Bom dia, meu pai.

- Como foi sua semana? – ele perguntou sem olhar para mim, servindo-se de café fumegante.

- A mesma coisa de sempre. – me limitei a dizer.

- Sim, sim...

Eu servi meu café. Mia e Léia ficaram em pé esperando enquanto fazíamos o nosso desjejum. Quando eu fosse coroada eu as colocaria na mesa, junto de mim. Elas eram minha família. Lembro que uma vez pedi isso ao meu pai e ele não me respondeu nada. Limitou-se a me olhar de uma forma tão horrível que não me atrevi a continuar a conversa. Mas eu era pequena. Dois guardas reais sempre acompanhavam nossas refeições, um em cada lado da porta.

- Contei e faltam seis meses para o meu casamento. – falei.

Ele me fitou:

- Está mesmo contando?

- Sim... Isso é bem importante para mim.

- Não sabia que se importava tanto com isso.

- Como não me importaria? É o meu casamento. Com um homem que eu não conheço.

- Um príncipe. – ele corrigiu. – Alguém do seu nível, da realeza. Sempre foi e sempre será assim.

- Como você conheceu minha mãe? – questionei.

- A conheci quando já sabia que ela seria minha esposa. Negócios... Sempre foram negócios... Pelo bem do sobrenome e do reino.

- Meu pai, às vezes sinto-me como “um negócio”?

- Não, você não é um negócio, mas o seu casamento sim... Uma aliança, podemos dizer.

- Eu nunca vivi nada fora deste castelo.

Ele me encarou sombrio:

- O que você quer, Satini? Vai mesmo discutir comigo sobre o casamento, justo agora, faltando alguns meses para ele se concretizar?

- Eu... Não quero discutir sobre o casamento. – olhei para Léia, que me fitava com os olhos arregalados e fazendo sinal para eu não prosseguir. Dei de ombros: - Mas eu quero discutir sobre a minha vida.

- Como assim?

- Alguma vez lhe pedi algo, meu pai?

- Não. – ele disse.

- Alguma vez fiz algo que não fosse exatamente como você queria?

- Não. Você é uma filha que não me dá problemas. E eu acho que isso é normal, Satini. Sempre soube das suas responsabilidades enquanto princesa e futura rainha de Avalon.

- Eu não quero discutir sobre o casamento. Pelo contrário, eu o aceito. Mas tenho um pedido a fazer. Em nome de tudo que eu nunca pedi na minha vida até hoje.

Todos me olhavam, até mesmo os dois guardas, que raramente retiravam os olhos da imagem frontal que lhe aparecia. Olhei-os pensativa tentando lembrar se já havia beijado um deles no corredor. Claro que não... Eram de confiança do meu pai então não andavam nos andares inferiores. Eu ri. Se meu pai soubesse o que eu fazia dentro daquele castelo... Na verdade eu não era tão obediente assim, como ele pensava.

- Qual seu pedido, Satini Beaumont? – ele perguntou largando o talher e me olhando atentamente.

- Eu quero poder sair do castelo. Conhecer Avalon antes de casar. Quero ver nosso povo fora que vive fora destes muros.

Ele riu ironicamente:

- Você só pode estar louca.

- O que custa deixar, meu pai?

- Eu protegi você a minha vida toda das pessoas lá fora. Acha mesmo que eu faria isso?

- Por isso mesmo. Protegeu-me e hoje ninguém sabe que eu sou a princesa. Sequer sabem meu nome...

- Fora de cogitação...

- Meu pai...

- Não. – ele falou secamente.

Eu poderia aceitar aquele não, mas não o fiz:

- Eu mereço. Por minha mãe...

- Como assim?

- Eu não a conheci. Ela morreu ao dar-me a luz... Talvez ela tivesse conversado comigo sobre as experiências que eu poderia ter do lado de fora do castelo, o que eu acharia, como são as pessoas que não são da realeza...

- Então bem sabe que és a responsável pela morte dela, não é mesmo? – ele disse sarcasticamente, tentando fazer eu me sentir mal.

- Ela teve seis abortos antes de engravidar de mim. Será que sou mesmo a responsável? – arrisquei.

Ele me olhou com raiva e disse:

- Volte para seu quarto imediatamente.

Eu levantei, respirando fundo. Senti vontade de chorar, mas não daria este gosto a ele. Mia foi me acompanhar e ele ordenou:

- Não, Mia. Ela ficará sozinha. Pelo menos até o horário do almoço.

Então ele ainda quereria me ver ao meio-dia, mesmo depois de tudo? Andei furiosa até meu quarto e deitei na minha enorme cama, olhando para o teto.

Eu sabia que Stepjan poderia não ser um homem bom, mas eu também não o via da forma como todos o viam: com medo. O fato de minha mãe ter tido seis abortos era porque ele sempre quis um filho homem. Por ironia do destino, ela só conseguiu parir um filho vivo e na sétima gravidez. E era uma menina. Depois disso ela morreu. Então se acabou a chance dele de ter um herdeiro homem. Eu sempre ouvi boatos de que ele não aceitava muito bem mulheres no poder. Por este motivo não havia mulheres na corte, na guarda e em nenhum lugar que não fosse o que ele julgasse que elas poderiam estar: na cozinha, na limpeza, como governantas ou damas de companhia. O dia que eu fosse coroada colocaria mulheres na guarda. E na corte, onde poderiam me ajudar na tomada de decisões e votos por uma Avalon justa e igualitária, ao lado dos homens.

Meu pai nunca casou depois da morte de minha mãe. Isso já fazia dezessete anos. Nunca conversamos sobre ele arranjar outra esposa, mas eu acho que lhe faria bem. Eu sabia que ele devia dormir com mulheres, pois era muito tempo sem ninguém e ele era um homem muito bonito. Só não sei se ele usava prostitutas de luxo ou comia as criadas do castelo.

Eu precisava convencê-lo a me deixar sair daquelas paredes. Ninguém sabia que eu era eu. O que poderia acontecer? Eu me apaixonar por alguém e fugir? Eu ri sozinha. Era exatamente o que eu queria, tirando a parte de fugir. Eu queria conhecer alguém que me desconsertasse. Que fizesse meu coração bater mais forte, como nos filmes que eu via. Que me desse prazer das formas mais diversas possíveis. Ainda assim eu não deixaria o amor me vencer. Eu casaria com meu príncipe desconhecido no final das contas, porque eu nunca fugi desta responsabilidade. Eu queria ser a rainha de Avalon. Eu queria a coroa na minha cabeça, como um dia minha tia Emy Beaumont quis.

Faltando dez minutos para o meio-dia ouvi batidas na minha porta. Era Léia.

- Vamos, Satini. Seu pai a esperará ao meio-dia.

Eu levantei da cama, fazendo uma careta. Fiquei ali deitada por quase quatro horas. Enquanto ia atrás de mim, Léia pediu:

- Não o enfrente, querida.

- Não estou afrontando-o, Léia. Só foi um pedido.

- Céus, a quem você puxou? Certamente não foi a sua mãe... Você parece...

- Emy Beaumont? – perguntei. – Era isso que você diria?

- Sim...

- Você sabe que um dia eu vou descobrir a história da minha tia, não é mesmo, Léia?

- Acha que escondo algo, Alteza?

- Acho sim.

- Chega de histórias. Pare de incomodar o rei com seus caprichos.

- Caprichos? É a minha vida, Léia.

- Então tenha amor a ela.

Dizendo isso ela abriu a porta e meu pai já estava sentado à mesa, no mesmo lugar de quando o deixei.

Sentei olhando a infinidade de comida à minha frente. E eu não estava com fome.

- Podemos conversar, Satini. – ele disse.

O encarei surpresa. Eu havia entendido certo?

- Sobre? – me fiz de desentendida e peguei um pouco de salada, colocando no meu prato.

- Sua saída do castelo.

Parei e o fitei:

- Está pensando em deixar? – perguntei surpresa e já ansiosa com a resposta.

- Pensei a respeito. E acho que pode sim conhecer Avalon além dos muros do castelo.

- E o que terei que fazer em troca? – nada com meu pai era sem ter que pagar um preço.

- Aceitar seu casamento sem contestar.

- Mas eu nunca contestei, meu pai.

- Estamos com algumas situações em questão... E adiantaremos o casamento em um mês.

- Como assim?

- Se casará em cinco meses e não mais seis. Preciso da união com o novo reino o mais rápido possível.

- Que problemas temos, meu pai?

- Isso não lhe diz respeito.

- Mas... Eu sou a futura rainha, herdeira do trono. Deixe-me saber o que acontece para talvez poder ajudar de alguma forma.

- Limite-se a explorar Avalon, Satini. É só esta sua obrigação. E depois casar-se com o príncipe e... – ele parou de falar, parecendo que quase escapou algo que não deveria.

- E... – encoraje-o.

- Você deixará Avalon. – ele disse calmamente.

- Como assim?

- Morará com seu marido.

- Mas... Eu sou herdeira de Avalon. Como posso deixar meu reino e morar com meu marido num lugar que sequer conheço?

- Será herdeira quando eu vir a morrer. E isso não será tão em breve, acredite.

Como assim ele me mandaria embora de Avalon? Eu não acreditava no que estava ouvindo. Eu era sua única filha, herdeira da coroa e ele me queria longe?

- Ainda quer conhecer Avalon fora dos limites do castelo? – ele perguntou.

- Sim... – falei já sem ter muita certeza de nada.

- Alexander estará voltando de viagem. Ele e Mia a acompanharão a qualquer lugar que você vá.

- Alexander não... – reclamei.

- Ele é o único que confio para cuidar de você.

- Mas ele está fora de Avalon há anos...

- Já falei com ele antes de termos esta conversa. – ele olhou para Léia. – Seu filho está voltando, Léia. Fará a segurança pessoal de Satini e depois o encarregarei de liderar a guarda real.

- Obrigada, rei Stepjan. – ele disse curvando-se.

Eu me dava bem com Alexander na infância. Mas depois que crescemos não nos entendemos mais. Como já contei, foi com ele quem troquei meu primeiro beijo. Alexander era prepotente, arrogante e faria qualquer coisa que meu pai pedisse.

- Eu aceito suas condições.

Era melhor andar nas ruas de Avalon com Alexander do que nunca conhecer meu reino. Agora eu tinha uma longa jornada, que era convencer meu pai e não me obrigar a partir para um lugar desconhecido.

- Outra coisa. – ele continuou.

- Fale.

- Nunca, jamais, chegará perto da divisão com a Coroa Quebrada.

Meu coração bateu mais acelerado. Eu sabia tão pouco sobre a Coroa Quebrada. E o fato de ele mencionar aquilo fez eu me arrepiar.

- Longe da Coroa Quebrada sempre, meu pai. – eu disse sem ter muita certeza se conseguiria manter aquela promessa.

- Poderá sair assim que Alexander chegar. Ele montará todo o esquema de segurança para você. Mas como bem sabemos, ninguém a conhece fora daqui... Então creio que não haja muito perigo. E se houver... Foi sua escolha. – ele me encarou.

- Até parece que você deseja que haja algo ruim. – falei confusa.

- Não foi o que eu falei. Mas entenda como quiser. Não lhe devo satisfações sobre o que eu penso ou deixo de pensar.

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