Olhos abertos que nada viam e a boca era nada mais que um rasgo sem sangue.
Meu leito de quase morte tinha uma abertura quadrada na parte logo abaixo da minha cintura. Até aquele momento eu me sentia aliviado em apenas imaginar como seria precisar usá-la. Já que para urinar, Jeff trazia um recipiente que lembrava um regador, cujo pescoço era uma mangueira amarela, cor que não devia ser a original, acoplada numa espécie de balde de plástico cinzento.
Eu nem mesmo era mudado de posição para realizar qualquer atividade. Mal conseguia engolir água sem me engasgar, então a sopa que me foi dada, também não descia, apesar da fome ser crescente.
Ainda não devia ter atingido a metade do tempo que o doutor dissera que eu tinha até que ele retornasse, e eu já estava praticamen
Estávamos parados à beira da estrada e diante de uma placa enorme que dava as boas vindas à cidade capital. Margarete estudava minha expressão em silêncio. Eu agora já não conseguia distinguir quando ela estava apenas me acompanhando de quando ela estava me "tratando". Parecia um daqueles testes que os psiquiatras fazem mostrando imagens confusas aos pacientes e pedindo para estes dizerem a primeira interpretação que lhes vier à cabeça.- O pior tipo de solidão. Milhares de pessoas ao redor e ninguém que esteja realmente contigo.- Deve haver alguém aí que se lembra de você. Pode ajudar a esclarecer as coisas. Recuperar sua memória completa.- Eu acho que sim. Tenho algumas vagas lembranças de onde possa estar essa pessoa - quando voltei meu olhar para a estrada Margarete deu a partida no carro outra vez. Os olhos dela se desviaram de mim, mas ainda em sua v
"Eu estive olhando no espelho por tanto tempoQue eu passei a acreditar que minha alma estava do outro ladoTodos os pequenos pedaços caindo, estilhaçadosCacos de mim, afiados demais para juntarPequenos demais para importarMas grandes o bastante para me cortar em muitos pedaços pequenosSe eu tentar tocá-laE eu sangro, eu sangro, e eu não respiro, eu não respiro mais."(Trecho pertencente à canção 'Breathe no more' da banda norte-americana Evanescence)Margarete se manteve dois passos atrás de mim. Mesmo quando eu caí sobre os meus joelhos em cima daquele desenho. Ela tinha a perfeita noção do que estava acontecendo comigo naquele instante. Não esboçou
- Você ainda não entendeu que estamos devolvendo um maluco para um hospício Morty? Ele não vai falar nada. Se falar, as chances de ser alguma coisa inteligível são mínimas. Agora deixe ele em paz! - um som constante de motor e alguns solavancos que me jogavam de um lado para o outro naquele banco me diziam que eu estava na estrada. Porém eu ficava indo e vindo de um estado semi consciente para um sono artificial. Como se estivesse dopado. Em uma dessas idas e vindas, avistei o rosto curioso do policial Morty, inclinado para trás por sobre o encosto de seu assento, a observar o passageiro nada comunicativo que ia naquele carro.- Não há indício algum de que ele tenha participado ativamente da morte daqueles dois. Mas é justamente isso que é estranho. A velha que aparentemente, mal conseguia se manter em pé quando viva foi quem lutou com o cidadão pela arma. Os dois acabam mortos e é o companheiro de fuga mais jovem é q
Quando o primeiro degrau da escadaria de aço rangeu sob os meus pés foi que retornei ao controle total do meu ser. Com uma mão firme sobre o meu ombro direito estava um corpulento enfermeiro o qual eu nunca tinha visto antes. Cabeça raspada, testa quadrada que terminava em sobrancelhas retas e volumosas - estas quase se uniam devido a uma penugem mais rala no meio das duas - o restante de seu rosto era um polígono recém barbeado e de expressão impenetrável.Poderia jurar que era alemão ou russo.- O que aconteceu? Onde está o doutor Bennet?Com um gesto silencioso o homem apenas negou e apertando meu ombro ligeiramente me indicou que devia prosseguir a descida.Droga, estive no 'piloto automático' outra vez?!Por quan
Se estivesse escrevendo um diário ou algum tipo de documento sobre a minha experiência em todo esse tempo, desde que vim parar em um manicômio, eu não saberia mais como iniciar uma simples página. Não sei em que dia estou, acho que nem mesmo o ano. Não sei as horas, e nem mesmo se é dia ou noite até que me venham buscar no meu quarto. Muitas ações do meu dia, da rotina diária, me surgem na memória apenas como inícios ou finais. Eu estou chegando no refeitório ou estou saindo do pátio. O rangido da escada ou o bater da porta. Apenas fragmentos.Minha mente está se quebrando.Os poucos momentos em que me vejo menos apático e um pouco mais seguro e ativo é quando na consulta com o doutor Bennet, ele resolve me soltar da coleira. Abre e fecha a maldita caixa de madeira e me deixa ir embora do consultório inteiro por um tempo.Ele está me tratando como um brinquedo ao qual se da corda para
Eu não tive escolha.Na primeira oportunidade aquela mulher contaria o que aconteceu para alguém e eu seria logo caçado pelo prédio inteiro. Seria muita ingenuidade achar que ela voltaria a limpar o consultório como se nada tivesse acontecido. Ainda seria culpada pelos objetos que desapareceram.Passei boa parte do caminho até o pátio justificando para mim mesmo o que havia acabado de fazer. A adrenalina ainda corria pelas minhas veias. Agora precisava focar-me na segunda parte daquele plano.Era engraçado pensar como na verdade eu não tinha praticamente plano nenhum. Muita coisa tinha acontecido no puro improviso e eu estava bastante agradecido por aquilo. Dependeria muito mais da sorte a partir de agora e isso também me
Desperto lentamente e meu cérebro tem certa dificuldade em interpretar o que meus olhos enxergam. O que parecia ser uma parede marrom, já meio estragada pelo tempo, mostrou-se ser na verdade a mesa de refeitório antiga, na qual eu tinha o rosto apoiado e onde um pouco de saliva havia molhado a madeira.- Merda - a lateral do meu rosto estava dormente quando levantei a cabeça e meu pescoço estalou quando endireitei a postura e olhei para frente. Outro período em piloto automático provavelmente, e ainda algumas horas completamente apagado naquela mesa.Podia jurar que minha mente fazia um barulho mecânico enquanto reorganizava as percepções e as poucas e vagas memórias que eu tinha, em um contexto de tempo presente. Foi quando algo ainda mais estranho chamou a minha atenção. - Nós temos um plano? - questionei impaciente olhando através da fechadura para um corredor deserto e misterioso.- E alguma vez já tivemos? - rebateu Amanda enquanto parecia remexer aleatoriamente nas tralhas encostadas no canto da sala.E mais uma vez ela tinha razão.Todo aquele tempo ali, entre idas e vindas até, e tudo que parecia ter sido um plano, havia desmoronado como um castelo de cartas, que era erguido repetidamente por alguém com uma crise de resfriado.Não chegamos a lugar nenhum, literalmente. Mas nos agarrávamos à única coisa que ainda tínhamos connosco. A vida.Olhando para trás me recordei da maravilhosa demonstração daquilo, que havíamos feito minutos antes.Último capítuloCrisálida