Shu de fato era apaixonado na longa cabeleira castanha do seu general: por saber disso Kitsune a deixara crescer até passar dos joelhos, e tomava os cuidados para a manter sempre realmente bonita. Shu ficava encantado: às vezes ele os deixava apenas soltos, às vezes os amarrava no alto com sua fita vermelha deixando duas mechas de franja, outras vezes os punha pra trás do rosto com tranças. Ele conseguia ser criativo nos penteados, e por isso a divindade babava e elogiava, preferindo na maioria das vezes não tocar neles para não estragar o arranjo, apenas puxando uma mecha ou outra pra beijar quando estavam sozinhos. Com isso, pentear os próprios cabelos era algo que Kitsune fazia e muito bem: fazia tempo que Shu tivera a oportunidade de pedir pra fazê-lo por ele, então tomou seu tempo, passando a escova pelas mechas longas com todo cuidado, disposto adorar fio por fio. <
Shu passou vários meses meditando numa solução: tanto tempo e com tanto afinco que o título de Deus Despreocupado parecia mais uma anedota. Recomendar Kitsune para ascensão: fora de questão, já que ele tinha antecedentes criminais. Ele mesmo abdicar do trono de divindade: também não; era uma boa solução, simplesmente voltar a ser homem e morrer com Kitsune, mas cada oração que ouvia dos seus fiéis o desencorajava; como deus ele ainda tinha obrigações, acima de tudo a obrigação de não cair na tentação de fazer Kitsune seu familiar e pronto. Não, não, não, Kitsune se tornou um homem virtuoso e justo, certamente faria a passagem em pouco tempo após a morte, e ele a merecia, mais que tudo, não ia tirar isso dele, não mesmo. "O que eu faço?", pensava, andando em círculos dentro do quarto. "O que eu faço? Me separo dele? Viajo para outro dos meus templos e o deixo aqui? Talvez ele se esqueça de mim em alg
— Não, não, não! — Shu não aguentou mais. — Céus, Yako Kitsune! Já com esses disparates! Quanta bobagem! Como não me satisfaz? Você me satisfaz e muito! Ter envelhecido não mudou nada, na verdade... — "Na verdade só piorou o apego que eu tenho por você."— Não precisa mentir. — Mas Kitsune o interrompeu, evitando sua mão de chegar no seu rosto mais uma vez.— Aish!... — Reclamou, sem saber o que fazer. — Por que você é tão irracional às vezes?!? Sério, agora eu estou realmente chateado! — Se levantou, saindo do quarto batendo o pé.— Espera, Shu...— Não
— Nós já chegamos aqui faz dias e Shu ainda não saiu daquele quarto. — Kirê reclamou, vendo Otohime lhes servir a cerveja que trouxeram do templo, receita da divindade do sake. — O que houve com ele?— Recobrar as memórias não é um processo simples: é normal que fique adormecido por dias. — A princesa tartaruga respondeu, enchendo a última taça em forma de concha, passando para Yurei. — O melhor que fazemos é esperar.— Humpf. — Ele bufou, preocupado. — E você? — Olhou pra raposa branca no colo do fantasma com um olhar de repreensão. — Vai ficar com essa cara de cachorro que caiu do caminhão por quanto tempo? O que te deu?— Ara, ara, não
— KITSUNE!Todos ouviram o grito desesperado que veio do pequeno cômodo de memórias da familiar do Deus Dragão: ela foi a primeira a correr pra lá, depois seguida pelo rei demônio.— Majestade. — Ela chamou, tentando pegar suas mãos, que ele abanava no ar, desnorteado.— Kitsune! Kitsune. Kitsune... — Ele esbarrou no incensário, espalhando o pó queimado pelo tatame. — Kitsune!...— Eu estou aqui. — Kitsune se pôs na sua forma pura prontamente, se abaixando sobre um joelho e o envolvendo nos braços. — Eu estou aqui... — Os olhos castanho claros viravam pra todas as direções, mas ele não parecia ver nada. &mda
Shu ficou descansando no palácio submerso por mais uns dias, até se recuperar completamente. Kitsune dificilmente saía do seu lado, se comportando como um cãozinho de colo, abanando as nove caudas aos seus pés o tempo todo, por isso foi um pouco difícil arrumar um tempo a sós com Yurei e Otohime, para lhes perguntar sobre como o rei demônio conseguiu sua atual reputação. Como um velho amigo bem entendido dos seus sinais, o Deus Dragão logo entendeu e chamou Kitsune para uma caçada no mar. A princípio ele não queria aceitar, mas assim que ficou estabelecida a regra, quem pegasse o maior peixe ganhava, então o rei raposa aceitou: ele tinha um espírito competitivo, tanto que não teve vergonha de se colocar em sua forma bestial de uma gigantesca raposa branca de nove caudas colossais, mergulhando pra fora da bolha do palácio junto c
Shu teve um ano pra aproveitar seu templo reformado e novinho em folha, todo mobiliado ao bom gosto além da compreensão do Deus da Beleza, antes de começar a programar viagem para o reino demoníaco, aonde foi sua cerimônia de casamento. Claro, esta também foi preparada e pensada nos mínimos detalhes por Kirê a pedido de Kitsune, que ajoelhou aos pés dele implorando pra que fizesse do seu casamento com o amor da sua vida e morte o mais memorável possível. Nenhum Deus resiste a uma oração de joelhos, muito menos a divindade da beleza resistiria a um pedido para decorar um casamento: sua mão nem precisou coçar para que desse conta ele mesmo de todos os mínimos detalhes, desde cada prato e docinho que seria servido aos convidados até os os bordados em dourado das elegantes vestes em vermelho vivo dos noivos. E falando em convidados, sim, ho
— Está tudo bem, Tenshi, eu posso ir sozinho.— Está escuro, Alteza, e o caminho é acidentado.— Tudo bem, tudo bem. — Shu abanou a mão, num sinal de dispensa enquanto descia da carruagem. — Não quero ocupar mais do seu tempo, sei que você é um oficial muito requisitado.— Fui eu quem pediu pra vir, Alteza. — Tenshi soltou-lhe a mão direita assim que o Deus chegou no chão em segurança. Aquelas carruagens reais eram altas demais para um Deus com tão baixa estatura. — Eu insisto em acompanhá-Lo até o templo.— Já disse que não precisa. — Shu sorriu-lhe, aquele Seu belo sorriso de rosto inteiro
Tanto Tenshi quanto a raposa arregalaram os olhos: o oficial celeste impressionado pela possibilidade nunca ter lhe cruzado a cabeça, e o animal com os olhinhos negros brilhando, refletindo perfeitamente o Deus que voltava pra mesa, pondo duas tigelas do ensopado sobre ela e um prato raso no chão, só com a carne.— Né, Tenshi... — Ele se sentou. — ...o meu tempo já passou... as pessoas não bebem mais por alegria e nem acreditam na boa sorte, além do mais, despreocupação não é uma palavra que combine com esse mundo. — Olhou pela janela sem persianas ali ao lado: o céu estava limpo, e o sol brilhava intensamente. — Eu fico pensando... se eu deveria agradecer à raposa por ter alongado meus dias protegendo o templo, ou se eu devo lhe pedir desculpas.Último capítulo