Assim que chegaram à Conferência da Corte perceberam que a estrela principal do evento era Kitsune: o rei demônio que se tornou serviçal de um Deus quase esquecido.
"É aquele rei demônio?"
"Sim, aquele..."
"Que ficava ao pé de um templo! Ele fez um escândalo!"
"Templo, que templo?"
"De um Deus...não lembro o nome."
"Um Deus esquecido! Foi com ele que fez o contrato!"
"Foi?!?"
"Sim, sim, com ele mesmo!"
"Por que faria isso?"
"Com um Deus em ru
— Uff... — Shu suspirou cansado assim que voltaram pro quarto. "Eu sou do tipo que gosta de beber com os amigos...uns quatro ou cinco, à meia luz num barzinho... não num salão gigantesco cheio de gente importante."— Ainda bem que por hoje acabou, né, Konkon?— Mh.— Vai continuar dizendo "Hm" pra mim? — Tirou a túnica de cima, se virando pra ver o familiar, já de costas pra ele, passando pro outro lado da divisória. — Kitsune! — Alcançou seu braço e segurou firme.— O quê?— Olha pra mim. — Disse, usando a autoridade sobre familiar: não queria recorrer àquilo, mas foi o único jeito de fazer a raposa
A Conferência do dia seguinte seria apenas para os Deuses, não acompanhados de seus familiares, mas Shu teve de ser carregado por Kitsune até o salão do Deus Supremo, que o colocou sentado no lugar marcado pra ele, cuidadosamente. — Shu, você está bem? — Kami perguntou do alto de seu trono, preocupado. — Sim, sim, não é nada, não se preocupe. — Shu abanou a mão, sorridente. — Obrigado, né, Konkon. — Agradeceu, mesmo que tecnicamente a culpa por não estar conseguindo andar direito fosse da raposa, justamente. — Não se esforce muito, e me chame quando terminar. — Tá bem. — Sorriu, acompanhando-o com o olhar até que ele fosse embora. "Ah...estar apaixonado é tão bom, eu me sinto um adolescente..." — Devemos nos
— Você conhece alguma forma... de ler o tecido das memórias de alguém?— Não de ler... mas dá pra ver. Eu tenho algo especialmente pra isso.A divindade da seda uma vez também foi conhecida como a Deusa da Trama da Vida, muito tempo atrás, mas Shu ainda sabia bem quais eram seus poderes.— Oh! Isso pode mesmo revelar a memória de uma pessoa? — Kirê olhou para o saquinho de pó de incenso que ela dava para a divindade da boa sorte, impressionado.— É menos como "revelar" e mais como "dar uma olhada". — Ela sorriu. — Na verdade é um truque que podemos chamar de invasivo... Shu, tome cuidado, sim? — Konkon! Kitsune piscou os olhos, sentindo as pálpebras pesadas: a visão turva ganhando nitidez lentamente. — Konkon!... — era Shu, o chamando enquanto chacoalhava seu peito com uma expressão preocupada no belo rosto: definitivamente não combinava com ele. — Kitsune! Você acordou...você está bem? — Mh... — ergue o torso, segurando a testa numa das mãos. — Sim, eu estou bem... — mentiu: sua cabeça estava doendo como como se uma viga de madeira tivesse despencado sobre ela e suas juntas rígidas como os próprios ossos. — ...então não faça essa cara. — Konkon... — Os olhos castanhos claros do deus brilharam em lágrimas. — Está doendo sim, não está? Deve ser efeito colateral do incenso...me desculpa!... — Shh... não, nConvite do Deus Dragão
— Au!... — Kitsune acordou com a luz do sol na cara e uma ressaca dos infernos. "Beber na minha forma animal é realmente um problema...", pensou, levantando o torso com a testa numa das mãos, como se sua cabeça fosse cair de tanto que a enxaqueca estava chateando.— Ah! Você acordou.— Shu... — A divindade veio se sentar ao seu lado na enorme cama macia; tão bonito, com os cabelos dourados brilhando tal qual a luz que entrava pela janela redonda do quarto, vestido num belo robe de cetim tingido de branco e rosa em degradê. — ...eu... dormi demais? — seu o incensário ardia suavemente no centro do tatame: Shu certamente estava fazendo sua meditação da manhã.— Mais que de costume, já que voc
Por algum motivo aquela noite Shu sonhou com ondas do mar: a espuma branca indo e vindo na areia dourada da praia, molhando seus pés descalços. uma tartaruga veio lenta ao seu encontro: era enorme, seu belo casco num tom verde azulado, cheia de relevos de uma vida centenária no entre terra e mar. Se abaixou perto dela, podendo ver o próprio reflexo nos olhinhos pretos perfeitamente esféricos, piscando pra ele lentamente, chamando para que se sentasse sobre seu casco, prometendo o levar pra longe, fundo e distante nas ondas eternas do oceano.— Hã… — Shu acordou sem ar, como que prestes a afogar na água. — ...ha… — Foi só uma sensação, mas tão profundamente realista que o deixou tonto por um momento. — Ter sonhos definitivamente não é a parte boa de ter a m
— Lorde das Nove Caudas. — A familiar do Deus Dragão cumprimentou o rei demônio animadamente, mesmo com toda a formalidade. — Faz muito tempo.— É bom te ver de novo. — Kitsune saudou de volta, com um sorriso simpático.Otohime estava na sua forma humana, linda, em cada detalhe; dava pra entender seu título de princesa. Seus longos cabelos negros soltos, caindo lisos em torno do rosto redondo e de orientais traçados; seu corpo pequeno, mas de uma mulher madura, elegantemente coberto em trages tradicionais finos, em negro azulado e verde escuro.— Alteza dos Prazeres. — Ela reverenciou Shu em seguida. — Eu o esperei por muito tempo.— Esteve me esperando?
Kitsune prendeu a respiração sem nem notar, virando o rosto pra olhar a divindade nos olhos.— Eu… — Aqueles seus belos olhos castanhos: eles brilhavam um pouco. — Eu não odeio. — Tinha medo de que ele chorasse: era uma sensação estranha, porque às vezes tinha desejos de o ver chorando, outras vezes tinha medo de o ver chorar. — Não é que eu odeio… eu só… — Olhou pras próprias mãos, abertas no colo. — ... não consigo parar de me lembrar das minhas mãos cobertas de sangue.Ele não precisou dizer mais, porque Shu entendeu tudo. Se sentou, ali às suas costas. O sangue correndo quente nas veias, o coração saltando, as pupilas dilatadas no escuro, a divindade não