Uma garçonete interrompe a minha conversa com Khadija e me oferece uma taça de champanhe, mas ela não fala inglês, fico sem entender nada, até que Khadija traduz pra mim o que a garçonete está falando.— Ela disse que essa taça de champanhe veio com os cumprimentos de Sheikha Anusha, para a senhora relaxar um pouco.Khadija pega um copo com suco, pois ela é islâmica e não toma bebida alcóolica e eu pego a taça de champanhe.Feliz da vida para falar a verdade, eu já estou farta de tanto suco e chá, Anusha sabe que eu estou tensa, achei muito gentil da parte dela me oferecer uma bebida para relaxar, Manusha xinga, esbraveja, dá esculachos e até vomita sarcasmos, mas gentilezas, definitivamente não é todo dia que Manusha faz uma caridade dessas, eu fiquei surpresa.Continuamos conversando, apreciando as nossas bebidas e o momento de cumplicidade feminina, rindo das manias excêntricas de nossos maridos.O marido de Khadija adora dormir com um pijama velho com a estampa do homem aranha e n
E se vira para mim, os seus olhos mostram tanta dor, as lágrimas brotam dos meus olhos, eu esqueço o constrangimento de estar cercada dessa família maldita, e choro... Choro em saber que o meu sonho feliz está acabando nesse exato momento, e de uma forma tão feia, com tantas acusações, tanta sujeira. A minha ficha caiu só agora, quando eu olho para Hafiq e só vejo decepção e desconfiança em seu olhar.Tanto prometeram que acabaram comigo, armarão para mim e eu já até desconfio quem seja, ou quem são as duas víboras.— Antônia, me diga que isso não é verdade, como você pôde? Eu te amo, eu te amei desde o dia em que eu te conheci, eu pensei que você também me amava. Diga-me, nada disso era verdade? Era tudo mentira?Eu estou derrotada, cubro os meus seios com as mãos e eu mal consigo distingui-lo por causa da tontura e das lágrimas que turvam a minha visão.Eu pensei que eu poderia ser feliz, eu pensei que eu tinha esse direito, mas Deus me tirou esse direito pelos meus erros do passado
Khadija colheu meu sangue e a urina, quando ela está preparando uma medicação para o meu enjoo e a tontura, Anusha adverte-a.— Khadija, veja se essa medicação pode fazer mal a ela, a menstruação dela ainda não veio e eu creio que possa estar grávida.— Foi bom a senhora dizer, mas fique tranquila que essa medicação não vai causar danos, caso Antônia esteja grávida, e eu vou aproveitar e confirmar as suas suspeitas com um exame de hormônio bHCG. Caso a amostra esteja contaminada, eu venho aqui amanhã e colho o seu sangue novamente, Antônia.— Você quer fazer o exame Antônia?Eu assinto com a cabeça e ela prepara-se para ir embora.— Repouse e amanhã eu venho aqui ver como você está se sentindo, eu sou obstetra e caso você esteja realmente grávida seria um prazer tê-la como minha paciente.— Obrigada por tudo Khadija, mas caso eu esteja grávida, meu bebê vai nascer no Brasil, mas mesmo assim obrigada por tudo.Anusha acompanha Khadija até a porta e depois volta para conversar comigo.—
ANTÔNIAÀ sombra do abajur, Anusha parece ainda mais frágil, as pernas pequenas e muito magras, os quadris ossudos e o rosto cansado. O cansaço de carregar a família nas costas reflete-se em seu rosto magro e encovado. É incrível como a família Hassan é tão desajustada e tão cega que não veem o que se descerra nitidamente a sua frente.Como o seu filho e os seus netos podem olhar tanto para os seus próprios umbigos, que não percebem claramente que ela está morrendo?Sozinha, completamente só e aos poucos...E ela ainda assim, tendo as suas forças físicas e psicológicas drenadas pela doença, tenta manter-se firme, apaziguando uma rusga aqui, uma guerra de vaidades ali, como uma cola que dá a liga a essa mistura, que gruda essa família egoísta.Anusha está sozinha e eu também.Nessa casa estranha, sem o meu filho e a léguas de distância de me entender com o meu marido, o homem que eu amo e que agora eu não reconheço c
HAFIQDesde às vinte e três horas de ontem, tudo o que eu acreditava estar certo, a solidez emocional de amar alguém e ser amado, o meu pedacinho de céu na terra, literalmente desabou. Como uma tempestade de verão que desarruma tudo que está a sua volta, a minha vida também foi revirada, justo no exato momento em que eu entrei na biblioteca da casa de meu pai,Eu tento encontrar um fio solto, são tantas perguntas martelando em minha cabeça que eu nem sei ao certo por onde começar: Será que foi falta de amor? Eu não a amei o suficiente? Ela realmente me traiu ou foi uma série de mal entendidos?Mal entendido é o caralho, onde está o mal entendido em encontrar a sua esposa deitada no sofá, com os seios pulando através do sutiã, enquanto um filho da puta qualquer foge às corridas e ajeitando as calças visivelmente duro?Ela fodeu com ele, infelizmente nessa história o meu pai estava certo, Antônia me usou assim com
HAFIQVou ao quarto do meu garotinho e sento-me com ele para assistir alguns desenhos animados, os cabelos enrolados são tão parecidos com o da mãe, tão lindo, ele se diverte pra valer vendo os seus heróis preferidos, até que adormece agarrado no meu colo, balbuciando:— Mama, mamãe.Eu tento me conter, mas a raiva me toma com tudo, como uma enchente torrencial, por que inferno ela fez isso comigo, com Kaled, o quê foi em nosso relacionamento que faltou, para que ela nos fodesse dessa forma?Coloco o meu pequeno na cama, vou pra adega ao lado da cozinha, trago grudadas no peito duas garrafas de uísque e não penso duas vezes, dispenso os funcionários, deixando comigo em casa somente Ranya, que me encara perplexa, ela nunca me viu nesse estado deplorável, mas devagar as doses de uísque mesmo descendo rascantes, me anestesiam, eu não sinto mais nada, bebo pra esquecer.E é só isso de que eu preciso!Umas doses de uísque,
ANTÔNIAAcordei bem cedo, não dormi quase nada, Hafiq estava com o sono agitadíssimo, chutando e grunhindo palavras desconexas, mas que transpareciam claramente a sua raiva, a sua fúria contida.Ele me ofendeu tanto ontem que eu não sei se ainda há um futuro para nós dois, eu busco o mínimo de compreensão dos motivos que o levaram a acreditar que eu fui capaz de traí-lo, cavo dentro de mim tudo que posso e a grande verdade é que eu estou puta da vida, estou estalando dentro da minha calcinha de tanto ódio.Ódio da sua família nojenta que manipula tudo e todos ao seu redor, que se acham no direito de dispor da vida das pessoas sem pensar nas consequências.Raiva desse meu marido babaca e bipolar, que não conseguiu manter-se firme ao meu lado e caiu com a bunda esbofeteada, sobre os joelhos da VACA ÁRABE, ou quem sabe até das VACAS no plural, já que eu aposto que tem um dedinho podre e nobre de Farah nessa história.É
Anusha disse a verdade quando me afirmou que Tônia foi drogada por alguém e só o que eu consigo sentir além de uma vergonha imensa, é muito ódio de tudo e de todos, eu vou descobrir quem armou para nós dois, agora a merda toda é que eu tenho quase certeza que Tônia não vai me querer de volta, depois de todas as acusações que eu despejei em cima dela.Ranya me chama, batendo na porta. Eu visto um roupão e atendo-a, sendo informado posteriormente que Antônia voltou para casa de Anusha, levando Kaled com ela.Eu entro em pânico, ligando desesperado para o celular de Tônia, mas está desligado, resolvo enviar-lhe uma mensagem antes de ir busca-la.Tônia, pelo amor de Deus atenda o maldito telefone, só te peço que me escute. ME PERDOE!Seu Hafiq.Eu sei que fui muito injusto, por favor, volte pra casa.H.Eu te prometo por tudo que é mais sagrado, eu vou caçar o infeliz que fez isso com nós dois, euestou indo te buscar, me aguarde pronta habibi.H.