Das minhas entranhas te tirei, e ao céu penumbroso te mostrei. Mas, eu sempre soube: não vingará nesse mundo, porque vou te caçar.
- Deitem-na na pedra – ordenou o sacerdote após ter avaliado com cuidado a prisioneira.
Assim que a deitaram abriram suas pernas e as amarraram em cravos de madeira previamente fincados aos pés da pedra. Deram a volta e também prenderam cordas em seus pulsos, que puxaram com força para baixo, arcando o seu corpo sobre a pedra rotunda. Novamente a rodearam, e um deles se postou ao lado de seu quadril. Cerimoniosamente levantou sua saia. O sacerdote, postado entre suas pernas, levantou então suas vestes e, entoando um cântico, se posicionou solene. O cântico se encorpou quando se introduziu na mulher, que gemeu e passou a língua nos lábios secos. Por algum tempo ficou enlevado no movimento cadenciado. Então deitou seu c
Para que haja alguém que mande, há necessidade de pessoas desejosas de se submeterem.Tupaq se mostrou paciente ao ver que seu pai ainda permanecia decidido a não descer a montanha. Apesar da dor de vê-lo definhando sabia que todos, um dia, partiriam na longa e inevitável caminhada. Balançou a cabeça disfarçadamente, pensando que logo teria o poder para decidir. Por hora atenderia o pai, que lhe dizia que o importante não era apenas conquistar as terras, mas sim o coração dos inimigos. Aprenderia isso, em homenagem ao seu pai.Pachakuteq e Tupaq levaram muitos anos para sedimentar o poder sobre o litoral. Tupaq, a conselho do pai, se esmerou nesse fazer, guardando os sonhos das terras baixas para algum momento à frente. Tupaq sonhava com o dia que seria imperador, livre para que todos pudessem se juntar para transformar seu sonho e desejo em realidade.O tem
O que pertence a alguém? Somos responsáveis, cuidadores, e do que cuidamos nos beneficiamos para crescer, para nos aprimorarmos. Por que nos enganamos tanto sobre o destino das coisas?Desta vez fora por pouco, cismou, entendendo que os deuses lhe diziam que estava na hora de ir embora. Afinal sua missão estava mais do que cumprida, ainda mais considerando que fora descoberto.Olhou pelo canto dos olhos para o companheiro que o seguia o mais dissimuladamente possível, acreditando que ainda não fora descoberto.Ganani pousou no chão a pequena cesta feita de cipós finos e ajeitou-os melhor no capim com que havia forrado o fundo. Sorriu orgulhoso, ainda mais antevendo tudo o que aquele seu ato tinha o poder de desencadear. Olhou para o lado, para FacaPontuda, que o observava escondido atrás de um grosso tronco de uma árvore magnífica, e cismou por algum tempo se deveria liq
Os mortos já estiveram vivos, e talvez um dia retornem e temam os que agora os temem. Um ciclo de poder e medo; um jogo de crescer, jogado num longo caminho.Minas Dhan pousou suave na beira da clareira. Na outra borda, bem rente ao mato, observou uma série de pedras roídas, gastas, jogadas a esmo.A grande harpia piou baixinho em sinal de respeito e avançou bem lentamente em direção ao centro. Acima no céu as outras harpias acompanhavam de longe a grande rainha, alertas e receosas. O que ela procurava, indo diretamente à fonte, era muito perigoso, todas as harpias sabiam. Afinal, não eram estórias vazias o que se contava sobre aquelas terras, e em especial sobre aquela clareira.Ali realmente viviam harpias, mas não harpias comuns. As que viviam ali eram harpias guerreiras que desconheciam amigos ou inimigos. Aqueles eram seus domínios, as florestas fechad
Por que se guerreia, por que se tenta destruir a vida, se a vida não pode ser destruída e se o tempo torna vão tudo o que tanto esforço consumiu? Só há uma coisa que perdoa o tempo, que é a própria vida infinita.Tupaq espreguiçou-se em seu leito, os olhos perdendo-se além do quadrado da janela, tentando se lembrar de um sonho estranho que acabara de ter. Do sonho ficara um incomodo e confuso gosto de sangue e tristeza. Confuso disse a si mesmo que aquela sensação vinha das gentes das terras baixas.Como não se lembrasse com clareza deu de ombros. Espreguiçou-se mais fortemente e levantou-se.Havia sol lá fora, e nuvens inchadas e imaculadas correndo pelo azul.- Quem sabe talvez seja hoje o dia de colocar em andamento o que pretendo deixar como meu império – disse para o sol que brilhava lá fora.Mas,
Há certos passos que não permitem desculpas, que não trazem de volta antigas possibilidades, os velhos caminhos. Há passos que reagem ao mundo e mudam tudo, principalmente a alma do caminhante. Cuidado com seus sonhos.O conselho de anciãos, que olhava por todas as terras em tempos de paz, observava com calma os dois jovens. O conselho formado pelo velho e experiente curupira Adanu, pelo sábio tutu marambá Dene-dene, pelo Anaquera Otenv, pelo martelador Imegui, pela silenciosa mãe-da-mata MassaFúria e pela austera mãe-d’água Danara, dava instruções pormenorizadas aos dois entes sobre o que devia ser visto e feito.O saci-pererê Ybytu e o jovem caipora DenteDeAlho, que sempre prestavam alguns serviços para o conselho de anciãos, principalmente de espionagem, ouviam com atenção as orientações sobre a miss&
Reneguei o que criei, e tentei destruí-lo. Ninguém maior do que eu deve andar sobre a terra.Nugar ficou parado, a ferida aberta, a mente girando. Sua mente crescia extremamente rápida, como se pressentisse a necessidade, a urgência de se perpetuar.- Vingança - grunhiu baixinho.Já bem distante sentiu a presença de um ser, uma turuakai, e se alegrou, pois o destino colocara em seu caminho um dos maiores seres de poder. Se aproximou e viu o momento em que a criatura se mostrou curiosa. Se fingiu ainda mais frágil e simulou medo. Se controlou ao vê-la se aproximar. E havia fome nela, havia prazer antecipado ao dar com um moribundo.Assim que ela se aproximou o suficiente se lançou contra ela, a intenção escancarada. Por um longo tempo lutaram, até que Nugar prevaleceu e a tomou com violência, várias vezes, até que a vida foi s
A ilusão é uma péssima companheira e uma péssima conselheira. Ela pode te mostrar caminhos que não deveriam estar frente aos seus olhos ou ocultar aqueles que sua alma tanto busca. Cuidado com aquilo em que acredita.O caipora fincou o cotovelo nas costelas do saci para chamar sua atenção, impedindo que seguisse. Com um movimento disfarçado fez sinal para que ficasse em silêncio.O saci mostrou que já os vira, os olhos atentos aos movimentos dos estranhos seres coloridos à frente no caminho.- Que é isso? - cochichou DenteDeAlho espantado. - Nunca vi coisa igual.- Nem eu - sussurrou Ybytu em resposta. - Mas devem ser eles o motivo pelo qual o conselho mandou a gente vir. Vou dar uma coça neles - esbravejou querendo partir para cima deles.Depressa DenteDeAlho o segurou pelo braço.- Não sabemos o que está esc
Para terras distantes fomos, e ao olhar o futuro vimos que era parte de uma magia imensa, aves que somos.- Serra do céu ou da solidão, tanto faz - DenteDeAlho estava irritado, olhando com amargura e desconfiança para a alta muralha à frente, de onde tinham sido postos a correr.A larga e longa parede, que os dois sondavam com cuidado, era uma série de morros compridos e unidos, cortados por inúmeras ravinas largas e profundas. A longa parede tinha no máximo 200 metros de altura, e era toda recoberta de mata densa. E, após ela, sempre se elevando, havia morros e mais morros em sequência, cada vez mais altos, até em montanhas se tornarem as ondas, galgando com determinação as alturas para, nas longínquas distâncias, com os céus se fundirem, amantes que eram.Foi numa dessas ravinas, a mais inclinada e fácil de galgar, que deram de c