Passo minhas mãos por meus cabelos, tentando entender porque um empregado da fazenda que está me contando uma coisa dessa e não minha própria… mãe!Respiro fundo para não surtar, afinal, não vou descarregar em quem não tem culpa, prefiro guardar essa raiva para quem de fato a mereça.“Faz tempo que eles embarcaram?”“Não senhor, foram de aeronave particular”“Telefone para o aeroporto e mande eles enviarem um helicóptero para mim o mais rápido que puderem”“Pode deixar Urias… mas olha, seja o que for… vai ficar tudo bem!”Olho para Jardel e sua simplicidade, e falo: “Assim espero Jardel, assim espero!” E em menos de uma hora já estou a caminho da capital, seja lá o que esteja acontecendo, que Deus me ajude a não perder a cabeça.Assim que desembarco, um carro de aluguel já está disponível para mim.Jardel!Ele sabia que eu iria precisar. “Senhor Martelli aqui estão as chaves do carro (me fala um recepcionista) e seu assessor pediu p
Nem percebo quando a Marcela chega perto de mim, apenas quando ouço: "Não importa o porquê não lhe contaram… o mais importante é que você está aqui, Urias!"Não falo nada, ninguém de verdade sabe o que está acontecendo dentro de mim.Mas Marcela continua falando: "Seu irmão está sendo bem cuidado e nesse momento ele precisa que você tenha um pouco de controle, para que ele possa também conseguir se cuidar""Como ter controle Marcela, Syrah fez isso por maldade… porque se ela me quisesse bem como sempre fala, não deixaria que eu ficasse sabendo disso pelos empregados da fazenda… que merda… sou tão Martelli, quanto ela!!!”Enquanto falo, meu olhar alcança minha mãe, mas meu desprezo chega até ela através do meu olhar."Se você quiser, vou lá pedir para que você possa ver seu irmão", me propõe Marcela.Passo uma das minhas mãos pelo meu cabelo, respiro fundo e olho para ela.Fico ali parado, olhando para ela ali na minha frente, me desligando de tudo e de todos, como se estivéssemo
Comemos em silêncio, entre uma mordida e outra eu a observava. Ela parece uma boa moça.Um pouco mandona, ao que parece. Sendo filha do mestre não teria como ser diferente, acho até difícil ela ter uma outra personalidade que não seja essa.Mas a danada é osso duro, parece que se não faz o que ela fala a pessoa corre o risco de perder a cabeça. E com esse pensamento saio falando: "Você é sempre mandona assim?”"Quase sempre!", me responde naturalmente. "É, coitado dos seus colaboradores!", saio comentando.Ela parece não se importar com o que falo. "Aí é que você se engana… nunca precisei gritar com nenhum deles… cada um sabe seu lugar e ocupa da melhor maneira possível… eu só ajo assim com os idiotas babacas!”, me diz sem se importar com o final da sua frase.Sua sinceridade me pega de jeito. Não esperava uma resposta tão natural e sem rodeios assim. "Boa, eu preciso dessa verdade!", acabo falando. E depois dessa, resolvi guardar minha língua e me concentrar no meu lanche.
Estou com dificuldade de processar toda essa merda. Tiraram mais algumas dúvidas do que seria o tratamento do Ícaro. E eu fiquei o tempo todo no meu silêncio. O que iria perguntar, pois sei que enquanto o doador não aparecer, tudo será paliativo. A medicação, o que estão fazendo é apenas para empurrar o máximo que puderem os efeitos que a doença pode causar no meu irmão. Caramba, eu não posso estar vivendo isso de novo.É muito para minha cabeça!Os médicos terminaram de falar e quer saber, vou aproveitar para me adiantar nesse negócio de compatibilidade. Saio pedindo aos médicos as orientações para os exames e me adianto naquilo que preciso. De repente posso ser o doador do meu irmão e esse pesadelo acaba. Depois de terminar com os exames, decido ver meu irmão, ao menos assim posso acalmar um pouco meu coração e dar uma trégua para minha cabeça. Estou caminhando pelo corredor, provavelmente todos já devem ter ido embora, mas inesperadamente mais a frente vejo Hugo vindo com
“Uriasss!”, grita Ícaro para mim. “Cara, não se engane assim. Não se engane com ela desse jeito.. Ela é a nossa mãe, mas ela não nos ama! Ela não nos ama igualmente, ela não nos ama verdadeiramente, ela não nos ama incondicionalmente. Ela está sofrendo, mas ela não está sofrendo por nós! Ela está sofrendo por ela mesma, ela está sofrendo por suas escolhas, ela está sofrendo por suas mentiras. Ela é a culpada, Ícaro!. Ela é a culpada por tudo, Ícaro. – falo colocando toda raiva para fora, acusando a nossa mãe, que nos encara com culpa.“Urias, para com isso! Para de falar essas coisas! Para de falar essas loucuras! Ela não é a culpada, Urias. Ela não é a culpada por nada, Urias. – meu irmão me diz, tentando me acalmar, que se agita na cama enquanto fala. “Não, Ícaro! Ela é a culpada, sim! Ela é a culpada por nosso pai ter ficado doente! Ela é culpada por termos perdido ele tão precocemente! Ela é culpada por eu ter perdido o grande amor da minha vida – falo de forma exaltada. “Uria
As palavras do meu irmão começam a mexer ainda mais com minhas emoções.“Seria pedir muito que vocês dois possam guardar a animosidade de vocês e por mim, levantarem a bandeira da paz”É estamos em um momento familiar onde meus pensamentos sobre minha mãe não valem muita coisa. “Ei, com tudo, ainda somos uma família , ainda que imperfeita, mas família e eu preciso de vocês”E com essas palavras do meu irmão algo em mim se rompe e não aguento, saio para abraçá-lo. “Ei mãe, a senhora também faz parte dessa família” e nossa mãe vem se juntar a nós, em nosso abraço desajeitado. Depois do nosso abraço, ela saiu, nos deixando sozinhos."Hey, seu idiota, quem é aquela garota chorando ao lado da Marcela?", perguntei, provocativo."Que garota?", respondeu Ícaro casualmente."Não finja que não sabe do que estou falando", retruquei, provocando risos.Assim, nos divertimos por mais um tempo, batendo papo.Mesmo no meio de toda essa bagunça no hospital, conseguimos encontrar um pouco de normal
Nesse momento, olho para ela e sei que ela enxerga minha alma e consegue ver minha angústia, minhas preocupações. O silêncio entre nós é palpável. Consigo ver nos olhos dela o quanto estar perto de mim a afeta.Ela se mexe, mostrando que já vai voltar para seu quarto, e aproveito para baixar minha guarda:"Nunca pensei que sentiria esse maldito medo de novo!"Não sei por que estou desabafando com ela, mas continuo:"Achei que toda a merda que passamos com meu pai já tivesse sido o suficiente, e agora vem mais essa!"Sinto-a se mexer, quando ouço:"Não temos controle sobre tudo!""Essa é a droga de tudo! Não ter controle sobre nada!"Sei que estou me abrindo muito, mas não me importo. Não quero segurar nada agora. Cansa às vezes você se manter forte, não é algo simples. "Olha, o mais importante é saber que se tem solução, as coisas se ajeitam. E no caso do seu irmão, estamos apenas começando", ela fala.Nesse momento, viro-me para ela e digo:"Será?""Prefiro achar que sim."Mantenho
Pois não preciso de ninguém se esgueirando ou xeretando minha vida. Não quero esse tipo de convivência. Já faz tempo que vivo por mim mesmo e resumi minha vida ao convívio apenas com meu irmão e mais ninguém! “Ei, seu merda! Esqueceu que está na minha casa!”, me lembra ela.“Além de boca suja, faz pior ainda, fica bisbilhotando a vida dos seus hóspedes!!!” Solto sem pensar muito. Mas quando acho que ela iria me revidar, Hugo aparece, mudando as coisas de lugar. Nem se dando conta do ringue que havíamos montado na sala da sua casa. “Oi crianças, conseguiram descansar???”Ninguém responde nada para ele. Ela parece que não iria mais para a cozinha, e sua cara deixa claro que, se pudesse, arrancaria minha cabeça ali mesmo. Perdi também a graça de tomar uma caneca de café. “Vamos tomar café??”, nos convida Hugo. Ela está com tanta raiva, mas nem ligo, não me importo, isso trará ao menos a distância que preciso. “Desculpa papai, já estou de saída”, diz disfarçando a raiva. Ness