Apesar de adorar a companhia de Kevin, eu sentia falta da minha própria companhia. Sair por aí sem rumo, sozinha, era uma das coisas que eu pretendia fazer em Los Angeles quando chegara lá.Precisava falar com minha irmã, ouvir sua voz, e comprei algumas fichas para ligar para ela. Eu havia pedido que ela não ligasse para mim, para que não incomodasse a família alugando seu telefone. Não queria parecer espaçosa. Já minha mãe, ligava todos os dias, e como eu sabia o horário, estava sempre a postos para atendê-la. Essa era sua condição para me “deixar” viajar. Eu esquecera de lhe dizer que agora ela podia ligar à vontade.– Ester – exclamei.– Aí está você, desnaturada.– Não sou tão desnaturada assim, te mandei uma carta e logo você vai recebê-la.– Uma carta? Que bonitinha. Bem à moda antiga.Mal sabia ela que seu conteúdo não era tão à moda antiga assim. Era bem moderninho, na verdade.– Mas e aí, me conta todas as novidades. Eu quase estava ligando pra embaixada para saber de você!
Fui despertada da minha soneca da tarde pelo som de caixas sendo arrastadas. Eu estava no sofá da sala, e ao perceber que Kevin não estava ao meu lado, me espreguicei e esperei que ele surgisse no meu campo de visão.– Acordou – exclamou se colocando de frente para mim.Abracei sua cintura. Esses momentos de intimidade me davam uma vontade infinita de pedi-lo em casamento. Uma loucura, eu sei, mas eu estava louca de paixão, como diria Aerosmith:“Say you're leavin' on a seven thirty trainAnd that you're headin' out to HollywoodGirl, you been givin' me that line so many timesIt kinda gets like feelin' bad looks good, yeah...(...)I go crazy, crazy baby, I go crazyYou turn it on, then you're goneYeah, you drive me crazy, crazy, crazy for you baby[1](...)”Tomei nota mental de traduzir a letra dessa música que eu acabara de lembrar, em meu caderno de inglês que estava abandonado. “Você está indo embora no trem das 7h30 e está indo pra Hollywood.”, dizia ela.Metaforicamente isso co
Coloquei o rosto para fora de casa em um final de tarde em que a vontade de repetir a dosagem de Kevin parecia insuportável (era muito tentador dividir o teto com ele, isso já deu para notar), e para minha surpresa havia uma visitante à porta. Eu não conhecia seu rosto, mas constatei se tratar de uma mulher muito elegante, que me lembrava Lena. Talvez – e provavelmente – tivesse a mesma idade que ela.Os cabelos loiros estavam na altura do peito, e se desfaziam em ondas abertas e volumosas que podiam ser chamadas de cachos.A observei entregar algumas notas ao taxista e fechar a porta do carro onde antes eu podia ouvir tocar no rádio a canção:“I'm wishing on a starTo follow where you areI'm wishing on a dreamTo follow what it means...”[1]Tinha a sensação de já conhecer aquela mulher, só não sabia de onde.– Olá! – eu disse.A desconhecida se aproximou, me estendendo a mão.– Prazer! – ela franziu os olhos tentando me reconhecer.– Sou Marta, hóspede dos Fisher – expliquei para qu
– O que foi? – Kevin perguntou quando soltamos os cintos para descer.– Nada!Como ele conseguia notar as coisas com tanta rapidez? Ou será que isso não era mérito seu, e sim eu que era transparente demais?Tudo fazia sentido! Talvez eu mesma tivesse um pouco do dom da percepção que admirava em mulheres como Lena e minha mãe. Ou será que estava viajando? Se eu tivesse passado do ponto com Kevin, poderia pensar que seria mãe e, por isso, tinha ganhado esses super poderes maternos. Era sexto sentido que isso se chamava, não é?!O colecionador de livros era Kevin, e era eu quem vivia no mundo da lua. Ou, na verdade, eu estava com os pés bem fincados no chão, o suficiente para tocar a podridão com sua sola. Uau! Que metáfora. Eu realmente estava absorvendo muito da personalidade do meu namorigo (namorado/amigo).De qualquer forma, tinha decidido não contar nada a ele sobre minhas desconfianças.– Você fez uma expressão estranha de repente.– Impressão sua – concluí sorrindo.Eu poderia, q
– Eu quero ir em frente!Foram as palavras que eu senti saindo da minha boca minutos depois.Kevin me pegou no colo subitamente, sem avisos (e nem precisava, pois nossas expressões de desejo já eram comunicação o bastante), e subiu as escadas comigo. Me senti engraçada ao observar a casa daquele ponto de vista. Como uma noiva indo para sua noite de núpcias. Só que nós não éramos casados. E nem era noite.Me perguntei para qual dos quartos ele me levaria, e foi a porta do seu próprio que ele abriu, me colocando cautelosamente em sua cama grande. Notei que a colcha tinha seu cheiro, ou seria imaginação minha?Por uma fração de segundo, fitei a lâmpada que pendia no teto, desligada. Ela não era luxuosa como os lustres da sala, e sim uma lâmpada comum, mas que agora por algum motivo parecia especial.– Você é lindo! – exclamei olhando seu rosto de perto.Ele estava sobre mim, e o sol entrava por uma fresta da persiana iluminando seu rosto. Meu sorvete preferido era o melhor apelido carinh
Querido Shakespeare, com licença. O capítulo anterior não passou de um sonho de uma noite de verão. A verdade é que, naquela tarde, nós encerramos após nos satisfazer com nossas bocas. Simplesmente.Bem, eu avisei que sonhava excessivamente, motivo pelo qual até fui levada a um especialista quando criança.Meu sorvete preferido gostou da sensação gélida em seu corpo, mas nós decidimos parar por ali. Eu ainda não estava pronta!Adorava o modo como Kevin me fazia levitar sem sair do lugar usando apenas a língua, e embora quisesse ir além, não podia fazê-lo ali, na casa de meus chefes. A consciência pesaria como se eu estivesse carregando uma caixa d’água na cabeça, a água que apagaria nosso fogo. Ele, cavalheiro que era, respeitava minha decisão sem lutar contra ela, dizendo apenas “no seu tempo, Martinha!”, com uma voz que me fazia querer que esse tempo fosse agora.Minha mãe sonhava que eu me casasse virgem, como ela própria se casara, diferente de minha irmã, mas eu não sabia sequer
– Cheguei! – gritei para que Kevin ouvisse. Mas ele não respondeu, e eu imaginei que estivesse na biblioteca, já que tinha começado a chover há pouco e livros são propícios a esse clima, como diz Djavan:“Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro.”Subi as escadas e abri a porta ao chegar ao terceiro andar. Ouvi um tilintar vindo do fundo do cômodo e, após dar alguns passos, percebi que esse som vinha dos dedos de Kevin na máquina de escrever.Ele estava tão concentrado que não notou minha presença por alguns segundos, até que eu, com pena de despertá-lo de sua criatividade (ele ficava tão lindo concentrado), pigarreei. – Você chegou – constatou ao me ver.– Está escrevendo o quê? – perguntei curiosa.– Nada demais! Só umas bobagens. – Duvido que seja. Não botei fé quando você disse que só escreveu alguns poemas no tempo em que era mais novo. Acho que existe um escritor guardado aí dentro.Eu me sentei em seu colo para tentar descobrir do que se tratava, e assim avistei uma pilha
A sexta-feira tinha chegado. “Thank God it’s friday”, como diriam os cidadãos californianos.Kevin deu uma saída misteriosa após o expediente, e eu supus que estivesse no Mustang escrevendo, estacionado em algum canto da cidade. Eu não podia reclamar, afinal também havia dado minha saidinha no dia anterior para encontrar o delegado. Era engraçado como, embora eu me sentisse insegura, acreditava confiar em Kevin e não queria decepcioná-lo.Ah, como eu queria ter um aparelho celular igual ao de Lena. Achava o máximo um telefone portátil que podia ser usado a qualquer hora. Mas isso era só para os mais ricos. Me perguntei se algum dia as pessoas menos abastadas, como eu, também teriam esses objetos tão tecnológicos. Caso tivesse um, ligaria toda hora pra minha irmã. Eu poderia fazer isso do telefone da casa, mas não estava a fim de descer até a sala. Constatei que, se isso acontecesse e esses telefones se tornassem populares, as pessoas nunca mais olhariam nos olhos umas das outras. Seri