Pela manhã, fomos pegos de surpresa por João e Lena apoiando suas malas de rodinhas.– Faz frio na Escócia – disse ela. – Estou levando vários casacões e eles ocupam bastante espaço.– Está levando sua máquina de fotografia, mãe? – Kevin perguntou.– Claro! Faz tanto tempo que não tiro férias que vou fotografar até a tampa da privada do hotel.– Só a palavra “férias” já está fazendo bem ao seu senso de humor – constatou ele.Eu não esperava que a viagem fosse tão imediata. Significava que a partir de agora eu tinha uma incumbência especial. Uau! Isso me colocava em uma velocidade vertiginosa, como se estivesse em uma montanha russa.– Vou levá-los ao aeroporto.– Não precisa, filho. Vamos de táxi. Você não pode se atrasar para o seu primeiro dia – ela deu um tapa em suas costas. – Responsabilidades em primeiro lugar.Foi assim que fomos deixados para trás com uma mansão e um estabelecimento comercial nas mãos. Parecia uma pegadinha como as dos programas de TV que passavam no salão da
Foi só quando chegamos em casa que me dei conta de que nós ficaríamos sozinhos ali durante todo o tempo de viagem de Lena e João. Até então, tivera coisas demais para pensar (como de que forma chefiar a equipe de uma grande lanchonete em um bairro nobre dos EUA, lugar onde até dois meses atrás eu nunca havia pisado), e agora via que seriam semanas bastante... exóticas era a palavra?– Eu diria diferentes.A propriedade era grande demais, e nos dava uma infinidade de cômodos a desbravar. Mas não! Eu não estava disposta a jogar a vergonha da minha cara (leia-se dignidade) em alguma das lixeiras de inox que ficavam pela casa. E eu disse exóticas, não eróticas. Uma letrinha faz toda a diferença. Portanto, nada de pegação. Nada de beijar a boca gostosa de Kevin ou seu abdome, nem mesmo segurar seus cabelos enquanto... deixa pra lá!Os pais dele tinham confiado em mim, e isso tornava minha obrigação respeitá-los. Eu teria que resistir ao corpinho sedutor do herdeiro.– Nem tente nada – pedi
Enquanto eu cumpria minhas tarefas naquele final de manhã na lanchonete, fui chamada ao salão. – Tem alguém querendo falar com você – disse Kevin. Fui até lá fora curiosa para descobrir quem era, e me deparei com Daniel, o namorado de Alejandro.– Marta! – ele exclamou com um sorriso.– Oi! – eu o abracei.Daniel estava sem barba, o que o deixava diferente das outras vezes em que eu o vira.– Você tem um minuto?Assenti com a cabeça e o levei até lá fora, sentando-me ao seu lado em uma das muretas. Ali, notei quão familiar aquele ambiente tinha se tornado para mim.– Como você está? – perguntei. – Vou levando. Alejandro faz falta. Nós viemos para cá praticamente juntos, dividíamos tudo. Estou com saudades dele e assustado com tudo isso. Ele não foi o único a ser agredido. – Estou sabendo! Isso também me assusta. Vê se toma cuidado – pedi com sinceridade.Eu temia por ele e por qualquer outra pessoa que pudesse sofrer nas mãos do agressor misterioso. Já fazia algum tempo que eu nã
O clima entre nós estava estranho quando chegamos em casa naquela noite. Havia uma atmosfera de dúvida no ar, como se as questões tivessem saído de nossas cabeças e ganhado um lugar comum, tornando-se mais reais. Mas importava saber do futuro? Eu, que sempre me preocupara com isso, agora via que nesse caso o melhor a fazer era pensar no presente – nos dois sentidos dessa palavra na língua portuguesa –, afinal ele estava embrulhado e adornado com um belo laço.Era difícil não sorrir para Kevin, pois ele próprio me provocava sorrisos instantâneos como fotos de polaroide, que faziam eu me sentir uma idiota apaixonada, e foi isso que fiz quando ele me desejou uma boa noite. Então pulei em seu colo e o abracei com toda a força como se o segurando, eu estivesse impedindo o verão de ir embora. Senti-lo me segurar de volta com tanta firmeza fazia o medo se dissipar, não levando consigo os problemas, mas tornando-os menos importantes, quase insignificantes.Ester diria que era eu quem os esta
Apesar de adorar a companhia de Kevin, eu sentia falta da minha própria companhia. Sair por aí sem rumo, sozinha, era uma das coisas que eu pretendia fazer em Los Angeles quando chegara lá.Precisava falar com minha irmã, ouvir sua voz, e comprei algumas fichas para ligar para ela. Eu havia pedido que ela não ligasse para mim, para que não incomodasse a família alugando seu telefone. Não queria parecer espaçosa. Já minha mãe, ligava todos os dias, e como eu sabia o horário, estava sempre a postos para atendê-la. Essa era sua condição para me “deixar” viajar. Eu esquecera de lhe dizer que agora ela podia ligar à vontade.– Ester – exclamei.– Aí está você, desnaturada.– Não sou tão desnaturada assim, te mandei uma carta e logo você vai recebê-la.– Uma carta? Que bonitinha. Bem à moda antiga.Mal sabia ela que seu conteúdo não era tão à moda antiga assim. Era bem moderninho, na verdade.– Mas e aí, me conta todas as novidades. Eu quase estava ligando pra embaixada para saber de você!
Fui despertada da minha soneca da tarde pelo som de caixas sendo arrastadas. Eu estava no sofá da sala, e ao perceber que Kevin não estava ao meu lado, me espreguicei e esperei que ele surgisse no meu campo de visão.– Acordou – exclamou se colocando de frente para mim.Abracei sua cintura. Esses momentos de intimidade me davam uma vontade infinita de pedi-lo em casamento. Uma loucura, eu sei, mas eu estava louca de paixão, como diria Aerosmith:“Say you're leavin' on a seven thirty trainAnd that you're headin' out to HollywoodGirl, you been givin' me that line so many timesIt kinda gets like feelin' bad looks good, yeah...(...)I go crazy, crazy baby, I go crazyYou turn it on, then you're goneYeah, you drive me crazy, crazy, crazy for you baby[1](...)”Tomei nota mental de traduzir a letra dessa música que eu acabara de lembrar, em meu caderno de inglês que estava abandonado. “Você está indo embora no trem das 7h30 e está indo pra Hollywood.”, dizia ela.Metaforicamente isso co
Coloquei o rosto para fora de casa em um final de tarde em que a vontade de repetir a dosagem de Kevin parecia insuportável (era muito tentador dividir o teto com ele, isso já deu para notar), e para minha surpresa havia uma visitante à porta. Eu não conhecia seu rosto, mas constatei se tratar de uma mulher muito elegante, que me lembrava Lena. Talvez – e provavelmente – tivesse a mesma idade que ela.Os cabelos loiros estavam na altura do peito, e se desfaziam em ondas abertas e volumosas que podiam ser chamadas de cachos.A observei entregar algumas notas ao taxista e fechar a porta do carro onde antes eu podia ouvir tocar no rádio a canção:“I'm wishing on a starTo follow where you areI'm wishing on a dreamTo follow what it means...”[1]Tinha a sensação de já conhecer aquela mulher, só não sabia de onde.– Olá! – eu disse.A desconhecida se aproximou, me estendendo a mão.– Prazer! – ela franziu os olhos tentando me reconhecer.– Sou Marta, hóspede dos Fisher – expliquei para qu
– O que foi? – Kevin perguntou quando soltamos os cintos para descer.– Nada!Como ele conseguia notar as coisas com tanta rapidez? Ou será que isso não era mérito seu, e sim eu que era transparente demais?Tudo fazia sentido! Talvez eu mesma tivesse um pouco do dom da percepção que admirava em mulheres como Lena e minha mãe. Ou será que estava viajando? Se eu tivesse passado do ponto com Kevin, poderia pensar que seria mãe e, por isso, tinha ganhado esses super poderes maternos. Era sexto sentido que isso se chamava, não é?!O colecionador de livros era Kevin, e era eu quem vivia no mundo da lua. Ou, na verdade, eu estava com os pés bem fincados no chão, o suficiente para tocar a podridão com sua sola. Uau! Que metáfora. Eu realmente estava absorvendo muito da personalidade do meu namorigo (namorado/amigo).De qualquer forma, tinha decidido não contar nada a ele sobre minhas desconfianças.– Você fez uma expressão estranha de repente.– Impressão sua – concluí sorrindo.Eu poderia, q