O manto de um vermelho, escuro como sangue, cujo capuz encobria a face, quase o ofuscava entre as pesadas sombras, enquanto ele caminhava pelo corredor sombrio. Foi assim que o indivíduo cruzou o corredor largo do castelo no alto da colina, passando pelo meio das enormes pilastras, até chegar às vistosas e imensas portas que se abriram quando se aproximou.
O salão que se revelou era amplo e sombrio. Em seu interior, iluminado por candelabros pendendo do teto, um trono se elevava após o tapete vermelho que se estendia até o final da sala. Um tecido branco esticado na parede ao fundo evidenciava a quem abrigava aquele tenebroso local; o símbolo da Ordem do Tempus Dominus estampava-o em destaque.
O homem de manto negro se aproximou do trono inclinando-se em sinal de reverência.
– Já estou ciente do fracasso da nossa missão – a voz grave do homem sentado, que oculto sob as densas sombra
Uma noite sem lua enlutava tenebrosamente a adormecida Ouro Fundo, capital de “lugar nenhum” e incrustada num pequeno pedaço de terra no meio do nada. Não raro alguns dos seus habitantes vislumbravam aventuras mesmo diante do completo marasmo onde quase nada, quase nunca acontecia. Mas aquela sombria madrugada de certo modo mudaria tudo para sempre.Beatriz Torres e seu ousado companheiro de trabalho entraram silenciosamente no Centro Educacional de Ouro Fundo. A escuridão local tornava a incursão ainda mais tenebrosa enquanto os dois esgueiravam-se pelas paredes. Após atravessarem um corredor margeado de salas, chegaram próximos a um auditório onde já podiam ouvir um diálogo acalorado. A jovem abriu lentamente sua mochila, retirando uma máquina fotográfica, pronta para registrar o que presenciaria ao dobrarem o corredor seguinte. Fez sinal para que o outro esperasse e se aproximou um pou
Durante minha longa jornada fui chamado por diferentes nomes. Nenhum deles teve tanta representação quanto o último: Menestrel. Mas como todas as histórias que conto esta não é sobre mim, embora me sinta mais presente do que em todas as outras. De todo modo, é uma história esquecida sobre uma menina esquecida em um mundo esquecido. E sobre como, aquém dos reles fatos, algo tão pequeno pode mudar o mundo. Afinal de contas: que mundo é maior do que aquele que cada um carrega dentro de si?Naquela noite em específico Anarina Bella Torres discutia acaloradamente com sua irmã. E antes que me pergunte, permita-me elucidar de uma vez a questão que lhe veio à mente neste momento: “Que tipo de nome é Anarina?” Pois bem, há exatos quatorze anos vinha ao mundo uma pequena menina de ralos cabelos vermelhos e sardas no rosto inteiro. O casal passara os ú
Os intensos raios de sol atravessavam a leve cortina estampada da janela de Anarina, quando o ruidoso rádio de comunicação, também conhecido como walkie-talkie, a acordou. A voz de um menino ressoava em meio à estática:– Ei! Ana! Você tá aí, câmbio? – Ainda sonolenta a garota reconheceu a voz de Filipe Valadares, seu melhor amigo. Sem se levantar da cama ergueu sonolenta o braço e apanhou o rádio, pressionando o botão e respondendo com certa rouquidão:– Fil? Você não estava de castigo? Câmbio.– Meu velho me deixou sair por bom comportamento. Choco tá comigo. Estamos aqui na praça e temos uma surpresa pra você! – Atiçou Filipe.– Oi, Pimenta! Temos uma nova aventura, câmbio! - Mesmo que não reconhecesse a voz, Anarina sabia quem estava falando agora. Sempre
Assim que chegou à mansão do governador, lugar também chamado por ele de lar, Filipe passou ante a porta do escritório do seu pai apenas para verificar se sua ausência levantara alguma suspeita. Encontrou a porta entreaberta, como de costume, onde em seu interior o homem que lá se encontrava, ocupava o cargo governamental no preenchimento e verificação de documentos ou qualquer outra atividade menos paternal. Sequer percebera que seu filho chegara duas horas atrasado do horário que deveria terminar suas aulas. De certa forma Filipe ansiava por uma bronca, um castigo ou qualquer atitude que evidenciasse que ele tinha um pai. Baixou a cabeça e seguiu seu caminho rumo ao próprio quarto. Sua mãe passava os dias reclusa, repousando em sua cama. Por meses não saía do quarto onde, indisposta, passava a maior parte do tempo dormindo. Restava-lhe a atenção da governanta, uma senhora
De onde tirar forças para se manter de pé quando seu próprio mundo desmorona bem à sua frente? Quando a vida te arremessa pedras, o maior desafio é fazer delas seu pavimento. É arriscar-se a prosseguir seu caminhar. É desafiar-se a continuar a viver.O chão ainda tremia sob os pés de Anarina, ou eram suas próprias pernas que bambeavam ante o quadro formado distante, ainda que ao alcance dos seus olhos. As ruas planas permitiam ver, a poucos quilômetros, a escola (ou o que tinha sobrado dela) mergulhada num mar de fumaça e ruínas. Uma cortina densa soprada ao ar como uma pesada nuvem negra fez a garota imaginar o pior.– Anda, garota! Entra no carro! – Gritou o Sr. Santos já em seu velho Opala ferrugem com uma listra preta que ia do capô até o para-choque traseiro. Sem hesitar a garota saltou para dentro e mal teve t
– Gritar com a autoridade sempre ajuda né, Pimentinha? – O tom de voz de Choco era sarcástico, mas desanimado. De cabeça baixa, aguardava a bronca que apenas antecederia sua tardia sentença mais severa.Os três garotos estavam sentados, lado a lado, em três cadeiras dispostas diante de uma grande mesa sobre a qual, virada para eles, uma placa de identificação portava logo abaixo do nome “Pretório de Lima”, o título “delegado”, conferindo a devida autoridade ao homem que os encarava.Pretórios de Lima era um pequeno homem caucasiano de meia idade, com uma calvície avançada cujos últimos fios sobreviventes estavam sempre molhados atravessando o topo da cabeça redonda de um lado ao outro. Um par de óculos grande e arredondado parecia se equilibrar na ponta do nariz achatado enquanto suas mãos concordemente pequenas agitav
O delegado Lima já estava retirando o telefone do gancho quando foi interrompido por Bárbara, sua bela assistente que tocou-lhe o ombro e disse algo em seu ouvido.– Ah! Peça-o para entrar! – Respondeu Pretórios, erguendo-se o quanto pôde na cadeira e fitando a porta, aberta pela mulher para permitir a entrada anunciada.Uma figura grande e imponente se avolumou, pondo-se a adentrar a sala como uma montanha a cruzar o caminho até a mesa do delegado. O homem afro descendente escondia um corpo robusto sob o terno escuro enquanto revelava, sob uma barba aparada, uma expressão rígida quase esculpida em sua face bruta. Caminhou a passos firmes e, assim que terminou seu trajeto, estendeu a mão para cumprimentar Pretórios.– Eu sou o agente Kron, nos falamos mais cedo. Vim estabelecer a jurisdição sobre a investigação da explosão do complexo educaci
Estava prestes a anoitecer quando, num esforço em conjunto, a equipe de busca conseguiu abrir caminho até o centro do complexo. Um bombeiro e um paramédico estavam prestes a entrar, sem saber o que esperar do local que havia se tornado um grande mistério. O que teria acontecido com o primeiro bombeiro a adentra? Que ameaças eles poderiam esperar? Uma série de dúvidas pairava enquanto um silêncio tácito e um ar de pesada tensão se formava ao que restava apenas uma leve barreira de terra a separar os homens do temeroso complexo à frente. Olharam-se, fizeram um sinal positivo e deram os últimos golpes na parede que cedeu, abrindo caminho e finalmente revelando o enorme salão relativamente preservado da explosão. Apesar do estado de alerta e da respiração ofegante, bem como das talhadeiras em punho prontas para qualquer ataque, o lugar parecia completamente calmo e vazio. Foi e