Do outro lado da pequena cidade, Anarina estava parada na calçada, em frente à bela casa de Barbara Delfim. A casa de dois andares era feita de madeira e, bem à frente, um lindo jardim florido adornava a vista. A garota abriu a portinhola e, atravessando o corredor de pedras margeado pela grama, subiu os três degraus até ficar bem de frente para a porta. Respirou fundo e bateu três vezes, até que ouviu-a ser destrancada e aberta. Bárbara a encarou cerrando os olhos, com uma expressão de desaprovação. A mulher na flor de seus quarenta anos ostentava uma boa forma física. Poucas rugas se evidenciavam no canto dos seus olhos castanhos e graúdos. Os cabelos longos de franjas compridas que quase ocultavam suas sobrancelhas oblíquas, eram negros e lisos. Fechou o roupão branco e fez um gesto para que a menina entrasse:
– A senhorita me deixou preocupada! – Tentou for&c
– Ai, meu Deus! São eles! Os alienígenas chegaram! – A voz de Choco ressoava alto enquanto o garoto gritava, segurando e sacudindo com força o primeiro braço que encontrou a tatear.– Se acalma Choco! – Reclamou Filipe tentando, sem sucesso, se soltar do garoto.– Calma gente! Foi só um apagão – Anarina manteve a voz serena, por mais que seu coração estivesse acelerado. – Com certeza a luz vai...Ela terminava a frase quando, bem diante deles, uma fresta de luz surgiu, iluminando um rosto enrugado e pálido.– AAAAHHHHHHH!!! É uma alien! – O grito fino de Choco foi acompanhado pelo dos garotos, que não contiveram o enorme susto, fazendo a bibliotecária também se assustar e apagar acidentalmente a lanterna em sua mão, que quase deixou cair.– O que é isso, meu deus do céu! –
Não há reparo quando se quebra um espelho. O reunir das partes, ainda que sejam as mesmas, não as remontará ao que um dia foi. O espelho não existe mais. São apenas partes de um mero reflexo imperfeito. Somos seres de porcelana. Apostamos em nossos valores e esquecemo-nos da nossa fragilidade. É só quando caímos que nos damos conta do que um dia realmente fomos. E do que restou da nossa pretensa glória fugaz: Fragmentos. Apenas fragmentos.O sol da manhã escondia-se tímido entre as muitas nuvens cinzas que cruzavam morosas o céu azul, agrupando-se numa cortina que escurecia o mundo abaixo, anunciando uma iminente chuva. Alheia ao teatro celeste, a equipe de busca prosseguia incansável sua urgente tarefa de encontrar as vítimas sob a pilha de escombros que um dia fora um respeitável prédio escolar. Já era o segundo dia de buscas e cada hora a mais reduz
As gotas de chuva investiam contra a superfície vítrea da janela da delegacia, escorrendo em seguida até morrer no aparador de mármore. Do outro lado da janela, observando ao longe através da chuva com seu olhar intenso e desafiador, o agente Kron permanecia imóvel como um sentinela a postos. Indiferente à pequena balbúrdia causada por alguma comemoração qualquer entre os funcionários da delegacia atrás de si, foi um aviso de um policial que acabara de chegar que chamou sua atenção, fazendo-o sair de seu transe e virar-se para o mencionado policial que detinha a atenção de todos ali:– Encontraram a garota no meio dos escombros da escola. Graças a Deus ela estava com vida. Eles a estão socorrendo agora para levarem-na ao hospital.A notícia foi mais um motivo para todos ali voltarem à comemoração, entre comes e
A chuva já havia passado quando Filipe cruzou o caminho até o outro lado da cidade, na zona sul. A mansão do governador, também chamada por ele de “casa”, era enorme e suntuosa. Dois enormes portões de ferro guardavam um extenso jardim com um caminho de pedras, por onde passavam os visitantes e residentes. Um doberman bem treinado recebeu o garoto com bastante entusiasmo. Filipe guardou a bicicleta na garagem e acessou a entrada lateral, cruzando a copa e alguns cômodos até chegar até a escada que dava acesso aos dormitórios superiores. Eram duas escadas em lados opostos do grande salão de estar, com tapetes vermelhos ao meio que, em curva, levavam até o hall superior. De lá o garoto seguiu pelo corredor, cumprimentando o velho mordomo que caminhava para algum afazer. Passou pelo escritório superior do seu pai, um quarto que o Valadares usava como seu ambiente de trabalho. E l&aacut
O doutor Delfim saiu da sala de cirurgia cruzou o corredor até a recepção e se dirigiu à sala de espera, onde encontrou Anarina adormecida no sofá. Tocou o ombro da garota que acordou num sobressalto.– Desculpa, eu não queria assustar. A cirurgia da sua irmã terminou.A garota ajeitou-se no sofá, instantaneamente desperta por aquelas palavras:– Como ela está?– Ela sobreviveu à cirurgia e está em coma induzido – explicou o médico. – Vamos reduzir os medicamentos e ver como ela vai reagir. Ela ainda corre risco de morte e, mesmo que sobreviva, há grandes chances de alguma sequela.– Eu posso vê-la?– Claro! Venha comigo.Os dois caminharam até a sala onde a jovem estava. Após entrarem, o doutor disse que as deixaria sozinhas e saiu. Anarina olhou atentamente para o semblante da menin
O abismo sombrio desenha formas vislumbradas apenas pela nossa inquieta imaginação. Quando não podemos enxergar o caminho que tomamos, questionamos nosso próprio caminhar. Deixar-se ir ou parar? O cair é mais doloroso do que o impacto da queda. O tatear pelo escuro pode ser uma incursão fatal. E apenas quando é tarde demais, descobrimos que não enxergávamos simplesmente porque tínhamos medo demais para abrir os olhos.O manto noturno se estendia pela cidade, revelando em partes o que a espaçada luz artificial tocava. Dentre os tantos mistérios ocultos pela calada da noite, um em especial era o foco principal daquelas três crianças sorrateiras. A madrugada acabara de começar a arrastar seus ponteiros tardios. As ruas vazias eram um cenário fotográfico de marasmo e silêncio. E do outro lado da rua, um quarteirão inteiro sustentava uma pilha intermin
O carro parou em uma rua, beirando a calçada em frente a uma velha casa que destoava dos outros belos imóveis da vizinhança. A porta se abriu, permitindo que o agente Kron saísse do veículo e caminhasse rumo à porta daquela residência que permanecia apagada e silenciosa. Olhou pela janela cuja pequena brecha entre as cortinas nada permitia enxergar do seu interior escuro. Ele caminhou para a porta da frente e após subir os três degraus da pequena varanda. Deu três batidas fortes à porta. Um instante permitiu que ouvisse apenas o silêncio em resposta. A ação seguinte não foi tão comedida. Kron deu um passo para trás, sacou sua arma e com um único golpe arrombou a porta, entrando a seguir com sua arma em punho. Olhou atentamente o interior que permanecia em silêncio. Após se dar conta de que os cômodos estavam vazios, prosseguiu até o quar
Por que a consciência de um desastroso curso imutável não torna seu vislumbrar menos doloroso? O músculo da face que se contrai ao observar a queda de um objeto quando, mesmo reconhecendo sua impotência, o braço se estica involuntário na risível tentativa de evitá-lo. Por que tentar evitar o inevitável? Por que perseguir o inalcançável apenas para sentir a resultante dor da sensação de impotência? Pois o que é a morte se não a mera existência da vida? Uma folha seca a pender de uma árvore cuja queda é prevista. Eis o motivo do sofrimento sem sentido e a resposta para a lágrima que insiste em cair: o gosto amargo do veneno que o faz agonizar na proporção de seus grandes goles, se chama “esperança”.A madrugada já se fazia extensa em sua meia vida, embalando o sono da cidade em sua grande mai