O conto do Lobo Mau
O conto do Lobo Mau
Por: Deidila Núbia
- Prólogo -

Deadwood - South Dakota - 1995

É noite de lua cheia e o céu está repleto de estrelas. Um aviso de toque de recolher foi estabelecido tem alguns dias e todas as noites temos que estar dentro de casa no horário correspondente.

Infelizmente hoje não consegui sair do trabalho no tempo certo. Meu telefone toca.

_ Alô? _ a risada do outro lado aquece meu coração.

_ Mamãe! Papai está me fazendo cócegas! _ sorrio. A voz do meu filho é a coisa mais linda que eu poderia ouvir.

_ Diga a ele que já é hora de você estar na cama! _ ouço cochichos e ele torna a cair na gargalhada.

_ Oi querida... _ a voz de Marcelo soa do outro lado.

_ Acho que não terei como ir para casa essa noite... Sinto muito. _ digo. Ouço um longo suspiro.

_ Quer que eu lhe busque? _ nego.

_ Não se preocupe! _ digo. _ E não é seguro que você saia hoje à noite... _ ouço uma longa risada. Sorrio.

_ Sabe que não tem ligação com noites de lua cheia. _ ele diz e mesmo assim me preocupo.

_ Não acho que seja uma boa idéia. Não se preocupe, irei para casa ao amanhecer. Vocês estão bem? - pergunto. - Não esqueça de alimentar o Tony. _ digo.

_ Sim querida. Estamos bem. Não se preocupe. _ ouço o barulho de algo caindo e meu coração acelera.

_ Tem certeza?! _ pergunto aturdida.

_ Não mexa aí! _ me sinto aliviada. _ Sim, estamos. Nos vemos ao amanhecer.

_ Ok... Até mais amor. _ digo e desligo. Olho em volta no escritório e me sinto solitária. Suspiro. Por conta de uma onda de assassinatos na cidade as coisas estão complicadas. As vítimas são aleatórias desde crianças a velhos, mas o que está perturbando nossa paz não é isso. Não sabemos direito como chegar ao assassino já que apenas são encontrados os ossos, cabelos, dentes, vísceras e unhas das vítimas. Tem sido perturbador. Giro a cadeira dentro da sala e volto a analisar as fotos sobre a mesa. Me sinto preocupada, pois algumas historinhas andam surgindo, especialmente por causa do teatro que está estreando uma nova peça. "O conto do Lobo Mal!" Por causa disso, o teatro se aproveitou das mortes para criar publicidade e agora as pessoas acham que a cidade está sendo invadida por lobisomens e sendo atacada. Suspiro. Minha família corre perigo por causa disso. Meu marido e meu filho e eu somos de uma linhagem sanguínea híbrida e acabamos passando de humanos a lobos em alguns momentos, controlamos as transformações com o tempo, mas dependendo da nossa saúde perdemos a capacidade de controle sobre as transformações. Emoções fortes demais também não ajudam muito. Isso nos desestabilizaria e acabaríamos nos transformando sem querer.

Claro que emoções são diferentes de sentimentos. Raiva, medo, felicidade, tristeza são emoções. Amor, desprezo, fúria, luto, ciúme, inveja, vergonha e alegria são sentimentos.

Por causa do teatro e sua invenção sem pé e nem cabeça corremos o risco de sermos mortos.

Analiso as fotos mais uma vez tentando achar alguma pista nova. Pisco em frustração. Sou perita criminal e escolhi este cargo justamente porque algumas linhagens sanguíneas costumam ser canibais. Acabo me sentindo mais e mais frustrada.

A noite começa a passar e logo alguns policiais entram apavorados dentro do escritório. Me levanto e encaro eles preocupada.

_ O que houve?! _ um deles aponta para a porta.

- Estávamos patrulhando e uma mulher foi raptada e arrastada para um beco perto do teatro. Dissemos para eles não saírem depois do toque de recolher! Seguimos os gritos apavorados, mas não encontramos ela. _ assinto.

_ Me levem até lá. Talvez tenha alguma pista nova do assassino! _ digo e eles negam veemente.

_ Não voltarei mais... _ um deles diz apavorado e o outro sussurra.

_ Acho que o pessoal do teatro tem razão... Só pode ser um lobisomem! _ bufo.

_ Isso é besteira! Lobisomens não existem! _ digo irritada. Caminho apressada para o lado de fora e desço as escadas do prédio, assim que saio olho para o céu. A noite está fria e me pergunto o porquê do medo estranho que estou sentindo. Engulo seco. Olho para trás e nenhum dos dois policiais está me acompanhando.

Ligo para outros patrulheiros.

_ Tenente Silver! _ a voz de Silver soa do outro lado, me sinto aliviada por ele atender. Somos colegas de trabalho de longas datas.

_ Silver, preciso de sua ajuda para localizar o assassino. Acabo de ser contatada que houve um ataque perto do teatro.

_ Estou indo! _ ele desliga e olho em volta, as ruas estão desertas. Esfrego os braços e aguardo Silver. Ouço gritos agudos e desesperados a distância e começo a correr em direção a ele. Silver para o carro ao meu lado. _ Sobe! Depressa. _ abro a porta e entro. Ele acelera. Cumprimento os dois policiais com ele, assim que estou perto do beco onde é o teatro desço apressada e eles me seguem acendendo as lanternas. Ouço pedaços de carne sendo rasgados e alguém mastigando. Meu coração acelera.

_ É a polícia! Você está preso! Coloque suas mãos onde... _ minha voz some. A criatura é enorme e peluda. "O que é isso?!" Ele nos encara com olhos furiosos e abre a boca rugindo em nossa direção. Não sei explicar o que vejo. É algo além da compreensão humana. Seus olhos são negros e as garras enormes. Sua arcada dentária e rosto de assemelham a um cachorro, mas ele nunca seria parte da minha linhagem. Ele anda sobre as patas traseiras e as dianteiras usa para rasgar a carne.

_ Annie! Vamos sair daqui... _ Silver pede. Engulo seco. Ele parece me reconhecer e pula tão alto que me choca. Ele sobe em cima do prédio e Silver se aproxima do corpo da vítima. Fico parada estática e um dos policiais segura meu rosto com as mãos.

_ Se acalme... Ele já foi! _ assinto. Me aproximo do corpo ainda em choque, a mulher está com a mandíbula quebrada e um dos olhos está fora da órbita, a massa cefálica cobre o chão e a seu corpo está trucidado. Seus ossos estão quebrados e franzo o cenho.

_ Não é o mesmo assassino. _ digo. Silver assente.

_ Os ossos estão quebrados, o crâneo também... Não acho que nosso assassino faria essa bagunça. _ suspiro.

_ Então o que era aquilo? _ pergunto. Nem mesmo eu tenho a resposta.

_ Seja o que for não era humano Annie. _ Silver toca meu ombro. _ Vou chamar todas as unidades. Hora de trabalhar. _ pisco perplexa.

As horas seguem e assim que o sol está quase nascendo Silver me deixa na porta de casa, saio do carro e aceno para ele, caminho para a varanda e assim que toco a porta ela range e se abre sozinha. Pisco algumas vezes sem entender. Abro a porta e meu coração acelera. "Caçadores!" Entro apressada e subo as escadas correndo.

_ Tony!? Marcelo!? _ grito apavorada. Entro correndo no quarto de Tony e não vejo ele. "O esconderijo!" Desço as escadas às pressas e entro na cozinha. Puxo o tapete do chão e ergo a porta. Encontro Tony dormindo. Abaixo a porta e volto o tapete no lugar. Começo a analisar a casa, cheiro o lugar e sinto um aroma diferente, a raiva me toma e me transformo. Olho em volta e sigo o cheiro. Subo as escadas e entro no quarto rosnando. Um caçador está sentado na cama e Marcelo está nu morto ao seu lado, provavelmente ele tentou matar o caçador, avanço sobre ele. Um barulho faz meus ouvidos zunirem e caio batendo contra piso. Minha visão escurece.

_ Adeus lobinha. _ Ele diz.

***

Noto que Annie esqueceu o celular dentro do carro e dou meia volta. Sorrio. “Será bom cumprimentar Marcelo e o pequeno Tony.” Assim que estou voltando passo por um homem com espingardas, provavelmente está indo caçar, estaciono na frente na casa de Annie e entro na casa.

_ Annie! Esqueceu seu telefone. _ grito. Olho novamente para a porta da sala e percebo que foi arrombada. _ Annie!? _ grito novamente. _ Marcelo!?­_ grito mais alto. "Algo está estranho!" Subo as escadas correndo e vejo a porta do quarto deles entreaberta. _ Ó meu Deus... _ Annie e Marcelo estão nus e mortos sobre a cama. Noto que foram atingidos no peito por um único tiro. "O homem com a espingarda!?" Disco o número de um dos patrulheiros.

_ Vagner falando...

_ Busque agora na rua de Annie e ao redor por um homem vestindo roupas de caçador e espingardas nas costas! Atenção! Avise todas as viaturas para buscarem ele! Assassinaram Annie e sua família! Mande reforços para cá imediatamente!

_ Sim senhor! _ saio do quarto deles e entro no quarto de Tony. Não está. Desço as escadas.

_ Tony!? - grito. Passo pela sala e na entrada da cozinha, vejo as roupas de Annie caídas no piso, mas foco em um único objetivo: Achar Tony. Começo a procurar em cada canto da casa pela criança.

Depois de um tempo o reforço chega e Vagner entra na casa.

_ Senhor, não encontramos o homem que procurava.

_ Farei um retrato falado e vamos espalhar por toda a cidade! Quero falar com aquele homem! _ digo. _ O filho deles sumiu! _ gralho. Levo as mãos na cabeça e me sento no sofá da sala. Um dos policiais para ao meu lado.

_ Senhor... Preciso que veja algo. _ assinto. Me levanto e sigo ele. Ele puxa o tapete da cozinha e uma porta. Tony está do lado de dentro e dormindo. Pego ele nos braços e ele choraminga, acordando.

_ Sou eu, Tio Silver. _ digo. Ele irrompe em um choro desesperado e me abraça. _ Calma... Está tudo bem... _ meu coração dói.

Ele acaba de ficar órfão.

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