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bônus do Manuel

O ambiente ficou denso e silencioso assim que Vanessa mostrou a foto no celular. A luz fraca do bar pouco disfarçava o choque que se estampava no meu rosto. Minhas mãos tremiam enquanto eu segurava o celular, encarando a imagem de um garoto que parecia uma versão mais jovem de mim. Era como se eu estivesse olhando para meu reflexo de quinze anos atrás — o mesmo sorriso, os mesmos traços.

Vanessa, sempre tão confiante e cheia de vida, agora estava imóvel, a cor sumindo de seu rosto, em contraste com o meu tom escuro. O que eu via nela era uma mistura de medo e vergonha, como se o peso de um segredo guardado por tanto tempo estivesse prestes a esmagá-la. Ela sempre soube que esse dia chegaria, mas talvez nunca tenha imaginado o quão devastador seria.

— Vanessa... — Minha voz saiu fraca, quase quebrada. — Ele... ele é meu?

Eu mal consegui sussurrar a pergunta. Estava incrédulo, mas uma pequena parte de mim sentia uma fagulha de esperança. Vanessa desviou o olhar, incapaz de me encarar. Suas mãos tremiam, apertando o guardanapo no colo como se ele pudesse conter as lágrimas que se acumulavam em seus olhos.

— Eu só descobri que estava grávida quando já estava de quatro meses... — Vanessa começou a explicar, mas sua voz falhou. Ela parecia tão arrependida. Sabia que nada que dissesse poderia apagar todos os anos que perdi, mas, mesmo assim, precisava tentar.

Eu coloquei o celular de lado e passei as mãos pelo rosto, tentando assimilar o que estava acontecendo. Quinze anos... Quinze anos sem saber que eu tinha um filho. Tudo veio à tona ao mesmo tempo: raiva, tristeza, arrependimento. Eu me sentia impotente, como se algo precioso tivesse sido arrancado de mim, algo que eu nem sabia que existia.

— Eu tenho um filho de 15 anos… — Repeti a frase, como se ao fazê-lo pudesse tornar tudo mais real. — E se ele não gostar de mim? E se eu não souber como ser pai? — Olhei para Vanessa, sentindo o medo me consumir. — E se ele me odiar por eu ter estado ausente?

— Ele não vai te odiar, Manuel… — Vanessa respondeu, com a voz trêmula, lutando contra o choro. — Eu expliquei para ele que você não sabia. Que você não nos abandonou. Sempre fiz questão de dizer que você era uma boa pessoa… Eu nunca quis te culpar, mas naquela época eu estava tão assustada… Eu não sabia o que fazer. Eu só tinha 14 anos, e nós só tínhamos feito uma vez. Eu estava tão confusa. Em um estado novo, eles queriam me devolver para um abrigo, mas fiquei com medo de darem o meu filho para a adoção. Você sabe, bebês são adotados mais rápido.

Fechei os olhos, tentando segurar as lágrimas. Eu me lembrei da Vanessa de antigamente: aquela menina cheia de sonhos e com um brilho nos olhos. Nunca imaginei que aquela noite mudaria tanto nossas vidas. E agora, a culpa por não ter estado lá era esmagadora. Eu não estava lá para dividir o medo, as responsabilidades. Vanessa teve que carregar esse peso sozinha. Ela perdeu tudo por um erro nosso, e arcou com tudo sozinha.

— Eu sinto muito… — minha voz saiu embargada, e dessa vez não segurei as lágrimas que começaram a escorrer pelo meu rosto. — Eu não estava lá quando você mais precisou. Você foi forte sozinha, e eu nem sabia… Me perdoa por não ter estado com você.

Vanessa, finalmente, deixou as lágrimas caírem. Era como se anos de dor e solidão estivessem sendo libertados. Mas, no meio de todo aquele choro, eu pude ver um alívio em seu rosto. Ela percebeu que eu não a culpava. Pelo contrário, eu estava disposto a assumir a responsabilidade, mesmo depois de tanto tempo.

— Não foi fácil, mas… eu tentei dar o melhor para ele. Tentei ser mãe e pai ao mesmo tempo, mas sempre senti que faltava uma parte… e agora, você está aqui. Eu sei que é muita coisa para você assimilar, mas eu precisava te contar. Precisava que você soubesse que ele existe… e que ele precisa de você. Eu até cheguei a te procurar no F******k, mas nunca tive coragem de falar com você.

Ainda tentando digerir tudo, peguei a mão dela com carinho. O toque foi leve, quase hesitante, mas eu queria que ela soubesse o que eu sentia: compaixão, responsabilidade e, acima de tudo, uma vontade imensa de fazer as coisas darem certo daqui para frente.

— Eu não sei como vai ser daqui para frente, mas eu quero estar presente. Quero conhecer o meu filho, quero ser o pai que ele merece. Mesmo que ele me odeie no começo, eu vou estar lá. Eu prometo.

Vanessa assentiu, ainda chorando, mas agora com um pequeno sorriso. Eu sabia que o caminho seria longo, mas o simples fato de estar disposto a lutar por essa relação já trazia um calor reconfortante ao meu peito.

Do outro lado da mesa, notei que Liam e sua namorada estavam visivelmente tocados pela cena. O silêncio deles, os olhos marejados... Era claro que aquela situação também os afetava.

— Vamos, amor? — Ouvi a namorada de Liam sussurrar. — Acho que podemos deixar a Paulinha dormir lá em casa, dar um pouco de espaço para eles.

Vanessa sorriu, agradecida, enquanto eu ainda estava tentando ajustar minha mente a essa nova realidade. Quando eles se despediram, saíram de mãos dadas, deixando para trás um silêncio cheio de intensidade. Eu sabia que, dali em diante, minha vida não seria a mesma.

E, por mais assustador que isso fosse, algo dentro de mim ansiava por essa mudança.

Convidei-a para irmos embora, e ela me sugeriu que fôssemos até a casa dela. Aceitei. Nós tínhamos tanto para conversar.

A Vanessa foi o meu primeiro amor. Nós éramos muito imaturos e jovens, mas desde que cheguei ao abrigo com 10 anos, me encantei por ela, que tinha chegado uma semana antes. Nós tínhamos algo em comum: ao contrário do Liam, que foi deixado no abrigo, nós dois fomos retirados das nossas famílias por sofrer abusos.

Chegamos à casa dela, nos fundos da mansão onde ela trabalhava.

— Não olha a bagunça, por favor. — Ela pediu toda sem graça.

A casa era pequena, mas aconchegante. Uma sala se conectava à cozinha, e havia apenas um quarto, onde vi uma cama de casal e outra de solteiro, com uma porta que presumi ser do banheiro. Estava tudo arrumadinho, e havia várias fotos das crianças.

— Eles parecem ser bem unidos. — Comentei, vendo uma foto dos filhos dela.

— Eles são. — Ela falou sorrindo, enquanto pegava água.

— Será que o pai da Paulinha não vai achar ruim eu estar aqui? — Perguntei, meio sem jeito.

— O Paulo faleceu em um acidente antes de a Paulinha nascer. Eu estava grávida de oito meses.

O peso das palavras de Vanessa encheu o ambiente com uma tristeza palpável. Ela tentou manter o sorriso ao falar de Paulo, mas seus olhos não esconderam a dor que ainda residia ali. Não era apenas o luto pela perda, mas o cansaço acumulado por ter precisado ser forte por tanto tempo. Eu observei as fotos na parede, agora com um novo olhar, compreendendo o quanto ela havia lutado para manter aquela família unida.

— Desculpa… eu não sabia. — Eu me aproximei, sentindo uma enorme vontade de confortá-la, mas sem saber exatamente como.

Vanessa apenas balançou a cabeça, como se quisesse deixar claro que estava tudo bem, mas seus olhos brilhavam com as lágrimas que ela tentava esconder.

— Foi difícil no começo, sabe? Perder alguém que eu amava tanto… e ao mesmo tempo, precisar me manter firme para as crianças. Mas a Paulinha me deu forças. Ela trouxe uma luz para os nossos dias, mesmo sem conhecer o pai dela. — Sua voz vacilou no final, e ela soltou um suspiro profundo, como se finalmente permitisse a si mesma desabafar.

Eu senti um nó na garganta, admirando a força que Vanessa sempre demonstrou. E agora, ela estava ali, abrindo seu coração para mim, confiando em mim novamente após tantos anos. Me sentei na pequena mesa da cozinha enquanto ela servia dois copos de água. O silêncio entre nós era reconfortante, como se nossas almas estivessem se comunicando sem precisar de palavras.

— Vanessa, eu sei que cheguei tarde… e sei que não vai ser fácil para mim nem para o nosso filho, mas quero fazer parte da vida dele. Quero ser presente, do jeito que eu puder. — Meus olhos buscaram os dela, tentando transmitir sinceridade. — Eu não sei como vou conquistar esse espaço, mas vou dar o meu melhor.

Ela me encarou por um longo momento antes de finalmente sorrir, um sorriso pequeno, mas cheio de alívio.

— Eu acredito em você, Manuel. E vou te ajudar nessa. O nosso filho merece te conhecer, e ele vai te amar… só precisa de tempo.

O silêncio que se seguiu à promessa pairou no ar, carregado de emoções que eu mal conseguia decifrar. Enquanto bebíamos a água, um turbilhão de lembranças e sentimentos tomava conta de mim. Vanessa estava ali, tão perto, e ao mesmo tempo parecia distante, como uma memória vívida de um passado que eu nunca esqueci. Aquele primeiro amor juvenil, cheio de intensidade e inocência, agora voltava à tona com uma força inesperada.

Eu a observei em silêncio enquanto ela se mexia pela cozinha, ajeitando pequenos detalhes, talvez para distrair a mente. Havia uma serenidade na maneira como ela se movia, uma tranquilidade que não estava presente na adolescente que eu conheci. Ela tinha amadurecido tanto desde aqueles tempos difíceis no abrigo, e isso me fazia admirá-la ainda mais.

Mas, junto com essa admiração, vinham sentimentos antigos que nunca desapareceram completamente. Vanessa tinha sido o meu primeiro amor, a primeira pessoa por quem eu senti aquela conexão genuína. Mesmo depois de tanto tempo, algo nela ainda mexia comigo de um jeito que eu não conseguia controlar. Era mais do que nostalgia — era uma mistura de carinho, saudade e talvez até um desejo de ter uma segunda chance, de fazer as coisas diferentes.

Enquanto ela falava sobre a Paulinha e os desafios que enfrentou sozinha, eu me vi lutando contra a vontade de me aproximar mais, de envolvê-la em meus braços e dizer que agora eu estava ali, que ela não precisava mais carregar tudo sozinha. Queria aliviar a carga dela, mas sabia que era tarde demais para compensar todos os anos que eu estive ausente. No entanto, o desejo de estar presente para ela, de alguma forma, era inegável.

— Você sempre foi forte, Vanessa. — Murmurei, quebrando o silêncio. — Eu me lembro de como você enfrentava tudo de cabeça erguida, mesmo quando as coisas eram difíceis para a gente no abrigo. E ver você agora, depois de tudo que passou, ainda lutando e cuidando dos seus filhos… Isso só me faz te admirar mais.

Ela sorriu, mas havia uma tristeza nos olhos dela, como se não estivesse acostumada a ouvir elogios sinceros. Vanessa era do tipo que nunca se permitiu fraquejar, mas eu sabia que por trás dessa força havia feridas ainda não cicatrizadas.

— Eu só fiz o que precisava ser feito, Manuel. — Respondeu, com humildade. — Não foi fácil, mas eu nunca estive sozinha de verdade. As crianças me deram um motivo para seguir em frente.

Eu queria dizer que ela também foi o motivo pelo qual eu segui em frente. Que mesmo quando nos afastamos, uma parte dela ficou comigo, como uma lembrança constante de tudo que vivemos. Mas eu sabia que não era o momento. As cicatrizes de ambos ainda estavam frescas, e misturar sentimentos antigos com a situação atual poderia complicar ainda mais as coisas.

Mesmo assim, a tensão entre nós era palpável, uma mistura de emoções mal resolvidas e memórias adormecidas. O que antes era um romance inocente, agora parecia carregado de arrependimento e de um "e se?" constante. E, em meio a tudo isso, havia o fato de que tínhamos um filho juntos, algo que nos ligaria para sempre, independente de qualquer sentimento do passado.

Vanessa se sentou à minha frente, e por um breve momento nossos olhares se cruzaram. Eu pude ver o cansaço nos olhos dela, mas também uma centelha de esperança. Talvez ela também sentisse o peso da nostalgia, a lembrança do que poderíamos ter sido. Eu sabia que não podia ignorar o fato de que, apesar dos anos, uma parte de mim ainda se importava com ela de uma maneira que ia além da amizade.

— Sabe, Manuel… eu não esperava que você reagisse assim. Achei que você fosse ficar com raiva, ou simplesmente não quisesse saber do nosso filho. Mas ver você aqui, disposto a fazer parte da vida dele… me dá esperança. — Sua voz estava baixa, quase vulnerável, como se estivesse testando as águas.

— Como eu poderia ficar com raiva, Vanessa? — Respondi, sentindo o peso das palavras. — Você fez o melhor que pôde com o que tinha. E eu só lamento não ter estado lá para ajudar. Mas agora, o que importa é o que fazemos daqui para frente. Eu quero estar presente, para você e para ele.

Houve um momento de silêncio após minha declaração, e eu senti que algo mudou na atmosfera. Havia uma conexão ali, uma lembrança do que compartilhamos no passado, mas agora mais madura, mais consciente das responsabilidades e das consequências. Eu não sabia ao certo o que o futuro reservava para nós, mas algo dentro de mim desejava que, de alguma forma, pudéssemos reconstruir a confiança e o carinho que um dia existiram.

Vanessa se levantou, caminhando até a janela e olhando para o lado de fora, como se precisasse de um momento para processar tudo. Eu me levantei também e fui até ela, parando a uma distância respeitosa, mas perto o suficiente para sentir sua presença.

— Vamos fazer isso juntos, Vanessa. — Sussurrei, deixando claro que, independente dos sentimentos complexos que surgiam, o foco agora era o nosso filho. Mas, ao dizer isso, não pude evitar o desejo de estar mais próximo dela, de recuperar o que, de certa forma, tínhamos perdido.

Ela assentiu, com um pequeno sorriso nos lábios, e eu soube que, por mais difíceis que fossem os próximos passos, nós dois estávamos dispostos a encará-los juntos. E talvez, no meio desse processo, pudéssemos redescobrir algo que há muito tempo ficou adormecido entre nós.

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Continua...

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