— Clarisse, estamos nos aproximando de Cox e acho que deveria ver isso — A voz da Lydie estava embargada, parecia estar segurando o choro
— Chame o Sebastian, por gentileza
Falo enquanto saio do quarto, no corredor todos os guardas estavam com a mesma expressão Lydie. Carrapato estava andando atrás de mim, mas não deu uma única palavra, o que de certa forma não é comum.
Encontrei com Sebastian no caminho e seguimos em silêncio até a parte mais alta do navio e o que vimos é de partir o coração
—Alteza, devo diminuir a velocidade? — Nossa atenção foi atraída para o capitão que agora estava ao nosso lado
Eu estava em choque, não seria capaz de tomar nenhuma decisão, apenas ouvi um balbuciar do Sebastian e não sei dizer o que respondeu.
Cox que um dia tivera uma das florestas mais lindas do continente ostentava apenas galhos secos e retorcidos, era possível ver de longe uma fumaça negra vinda do meio da cidade, mal consigo acreditar naquilo que meus olhos veem.
Enquanto nos aproximamos o que já estava ruim conseguiu ficar pior, era possível ver amontoados de ossos queimados nas margens da cidade, as casas que um dia completavam a paisagem no litoral agora já tinham virado um amontoado de cinzas, as que tiveram sorte de se manter de pé, estavam marcadas com uma enorme cruz vermelha.
Eu já não era capaz de controlar as lágrimas que escorriam pelo meu rosto, minhas narinas queimavam com o forte odor de carne queimada, meu coração doía, parte de mim desejava incansávelmente parar o navio alí e resgatar aquelas pessoas, isso não ficaria assim, não posso deixar que isso continue.
—O que podemos fazer? —Questionei ao Sebastian que agora secava suas lágrimas
—Infelizmente acho que nada Clarisse — Ele disse e me envolveu em um abraço — Podemos conversar com seus pais, mas isso poderia causar uma guerra
— Seus pais poderiam nos ajudar — Retribui seu abraço enquanto tentava controlar o choro
— Vamos pensar em uma forma, unir nossos exércitos e ajudar aquelas pessoas, faremos o possível
—Eu espero que dê tempo de salvar essas pessoas
—Eu também, Clarisse, eu também.
Ainda me mantendo em seu abraço Sebastian começou a andar nos afastando dali, confesso que gostaria de esquecer tudo aquilo que vi ali, mas tenho certeza que durante muitos anos essas imagens ainda irão assombrar meus sonhos.
— Com licença, o almoço está pronto — A voz do carrapato atraiu nossa atenção — Posso m****r servir assim que desejarem
—Obrigado Afonso, assim que Clarisse se acalmar nós iremos
— Aceitam um pouco de água? — Lydie apareceu com uma bandeja
— Seria ótimo — Sebastian disse quase ao mesmo tempo em que me entregava um copo de água
Eu estava um pouco relutante, confesso, mas com os três ali seria impossível fugir ou negar qualquer coisa.
Ficamos mais algum tempo tentando nos acostumar com tudo o que vimos em Cox, depois de nos conformarmos que nada poderia ser feito agora decidimos que precisávamos nos alimentar.
Depois de tudo o que vimos o dia ficou mais pesado, como se estivessemos carregando o peso das ações de Cox, parte de mim implorava para que essa viagem chegasse logo ao fim, não aguentava mais ficar presa ali, cada vez que fechava meus olhos era como se estivesse presenciando tudo aquilo novamente, e é terrível, garanto.
***
Gostaria de dizer que não demorou muito até atracarmos no porto de Sypro, mas pelo contrário, cada minuto parecia uma nova eternidade, quando finalmente chegamos a carruagem já estava à nossa espera, por sorte a distância entre o porto e o palácio era consideravelmente curta.
Troquei poucas palavras com Sebastian, carrapato vez ou outra se certificava de que estava tudo bem comigo, mas teve a delicadeza de se manter afastado.
— Minha filha, estava com saudades — Minha mãe foi a primeira a se pronunciar assim que deixamos a carruagem — Sebastian é bom te ver novamente
— Olá meninos, como foi a viagem? — Meu pai parecia sério o que me preocupava bastante
— Majestades, é um prazer estar aqui — Sebastian forçou um sorriso
—Mãe, pai, estava com tantas saudades — Digo sorrindo enquanto os abraço — Vimos coisas horríveis em Cox, precisamos fazer alguma coisa
—Vou enviar uma carta para meus pais, precisamos unir os exércitos — Sebastian explicou enquanto entrávamos
— Fiquem calmos, vamos comer alguma coisa primeiro e depois vocês vão descansar. Pela manhã será o primeiro assunto a ser resolvido
Mas uma vez estava me sentindo contrariada mas não teria nenhuma outra opção, não agora. Brigar sobre isso seria desperdício de energia, por isso acabamos cedendo e nos dirigimos até o salão onde um banquete já nos aguardava.
Confesso que estava uma delícia e eu sentia falta desse gostinho de casa que sempre me foi tão acolhedor, comemos sem trocar muitas palavras. meu pai estava tenso, minha mãe tentava descontrair o clima tenso que pairava no ambiente, queria demonstrar uma felicidade que eu sabia ser falsa.
Penso em questionar o que estava acontecendo, mas prefiro aguardar. Amanhã seria um dia longo e o melhor a se fazer agora seria descansar e recuperar nossas energias.
Após o jantar dei uma volta com Sebastian pelo palácio, mostrei alguns lugares que eu tinha como favoritos quando criança e em seguida cada um se encaminhou até o seu respectivo aposento, eu desejava com todas as minhas forças que as lembranças de tudo que aconteceu fosse embora junto com aquele dia.
***
Não posso dizer que foi uma noite agradável, passei a maior parte dela revivendo cada pesadelo, algumas vezes pude sentir como se eu mesma estivesse por lá. Até que cansada de tanto choro e susto acabo dormindo.
Ao acordar observo que havia uma bandeja com um café da manhã na mesa do quarto, enquanto me aproximo ouço que Lydie preparava meu banho, coloco um pedaço de bolo na boca e é impossível não sorrir, aquilo estava ainda melhor do que eu conseguia me lembrar
— Bom dia Alteza — Me assusto com a voz da Lydie mas acabo rindo
— Bom dia, já conseguiu matar a saudade de casa?
— Bem, na verdade não, todos estamos ansiosos mas aguardando suas ordens — volto meu olhar pra ela, provavelmente a confusão estava estampada em meus olhos já logo foi explicado — Rei Henrique disse que seus homens são responsabilidade sua e que a decisão é sua também.
— Isso é sério? — Perguntei quase sem acreditar e acabei rindo quando ela concordou com a cabeça — Vamos logo, preciso resolver isso
— Seu banho já está pronto, quando quiser — Ela disse tentando conter a animação
Isso já tinha demorado bem mais do que o esperado, então peguei minha xícara com café e mais um pedaço de bolo e fui comendo, Lydie ficou responsável por segurar meu café enquanto eu me banhava e intercalava entre comer e acabar meu banho, confesso que a cena não foi nada comum, mas quem se importava não é?
Acabei meu café quase ao mesmo tempo que acabei o banho, Lydie me ajudou a me vestir e em poucos minutos já estava pronta e saímos do quarto seguindo para lugares diferentes, o corredor estava completamente vazio o que não era nada comum.
— Bom dia Alteza! — Levo um susto tão grande que solto um grito
— Carrapato, está louco? Quer me matar do coração?
— Me perdoe Alteza — Ele diz tentando não rir
— De onde você saiu? Não tinha ninguém no corredor quando sai do quarto
— Estava bem aqui o tempo todo — Ele diz dando um risinho de canto, logo voltamos a andar pelo corredor
— Você é algum tipo de bruxo? — Ao perguntar paro novamente para conseguir olhar fixamente nos olhos dele
— Alteza, até onde eu sei, não sou não, apenas faço meu trabalho de te seguir — Posso jurar que vi a sombra de uma risada mas logo ele voltou a ficar sério
— Não é possível, eu vou descobrir a verdade hein — Voltamos a andar pelo corredor até que me dou conta que eu precisava encontrar meu pai — Sabe onde meu pai está?
—No gabinete, está te aguardando — Olho pra ele assustada mais uma vez
—Além de bruxo deu pra ser vidente ? — Digo revirando os olhos e sigo ao encontro do meu pai.
Estava indo até o gabinete do meu pai, quando vi Sebastian parado em um dos corredores paralelos olhando em volta parecia estar perdido, o que me fez sorrir
— Precisa de ajuda? — Perguntei tentando controlar o riso
— Clarisse, ou tudo é muito igual, ou estou andando em círculos — Ele diz rindo enquanto se aproxima de mim
— Eu aposto na segunda opção — Falo rindo — De onde vem e para onde vai?
— Eu fui despachar a carta pro meu pai e deveria encontrar seu pai no gabinete, mas pelo visto não consigo sair do lugar. E eu tenho quase certeza que é a terceira vez que eu vejo aquela estátua. Sabe me dizer se tem mais dela?
— Até onde me lembro aquela é a única — Na verdade tem pelo menos dez daquela espalhadas pelo palácio, mas não conto isso pra ele.
—Vamos, também estou indo lá — Digo tentando não rir e seguimos juntos
— Pare de rir de mim Clarisse — Ele diz tentando parecer sério
— Não tenho culpa, me desculpe se não temos um mapa ou placas
— Acordou disposta a fazer graça hoje né
— É aí que você se engana, eu nunca acordo disposta — Digo e acabamos rindo
Assim que chegamos ao gabinete um dos guardas informa que meu pai já estava à nossa espera, ao entrarmos meu pai já estava reunido com alguns membros do conselho, enquanto eu dormia Sebastian contava tudo o que vimos e aparentemente já havia um plano sendo elaborado.
Infelizmente teria que esperar até que estivéssemos em segurança em Sounoe a fim de evitar um possível ataque ao nosso navio já que de certa forma estamos planejando invadir Cox e acabar com a brutalidade do rei atual. Nossa reunião durou bem mais do que eu imaginava, aos poucos os membros do conselho foram nos deixando, ficando apenas Sebastian, meu pai e eu.
— Como estão os casos aqui? — Pergunto preocupada.
— Controlados, não tivemos novas aparições desde que mandamos a última carta
— Tudo bem, vou liberar que os guardas visitem suas famílias hoje e amanhã, depois disso todos estarão em quarentena antes de voltarmos
— São seus homens, a decisão é sua.
— Sendo assim, vou liberar os guardas de Sounoe para conhecerem o reino também, amanhã todos se isolam. — Completou Sebastian
—Se precisarem, podem contar comigo — Meu pai diz sorrindo enquanto se levanta — Agora preciso ir, tenho assuntos a resolver. Clarisse, após o almoço, venha até aqui, temos outro assunto a tratar.
Nos despedimos e saímos juntos da sala, meu pai seguiu para um lado enquanto nós seguimos para outro
— Carrapato, reúna todos os homens no salão principal por favor
— Sim senhora — Ele diz e logo se afasta me deixando sozinha com Sebastian
— Não acredito que ainda chame ele de carrapato — Sebastian diz rindo
— E teria outra forma de chamar?
— Clarisse, você sabe que o nome dele é Afonso? — Ele pergunta meio incrédulo
— Sei, mas qual a graça de chamar ele pelo nome? — Questiono ainda sem entender onde ele estava querendo chegar
— Você é louca — Ele diz rindo o que me faz revirar os olhos
— Você não sabe aproveitar os pequenos detalhes da vida
Sebastian acaba dando uma gargalhada, logo chegamos ao salão e a maioria dos guardas já estavam ali, aguardo alguns minutos até que todos estejam presentes
— Estive em reunião com o Rei Henrique e com base nos dados que obtive, vocês podem visitar seus familiares hoje e amanhã. Faço uma pausa enquanto observo o brilho no olhar de cada um deles e sorrio — Mas amanhã às quatro horas da tarde, exijo que todos estejam aqui para ficarem em quarentena antes de retornarmos para Sounoe. Podem ir, aproveitem.
— E vocês, tem autorização para conhecer o reino, desde que amanhã, no mesmo horário informado pela Clarisse estejam aqui para cumprirem a quarentena — Sebastian diz sorrindo — Vão logo, aproveitem, antes que eu mude de ideia
Aos pouco o salão ficou vazio apenas carrapato continuava ali
— O que está fazendo parado aí? — Perguntei enquanto caminhava até a saída
— Fazendo meu trabalho alteza
— Vai logo visitar sua família, você também está liberado
Pude ver que seus olhos se encheram de lágrimas, mas nenhuma delas ousou escorrer, inclusive queria que as minhas fossem assim também, logo ele se despediu e seguiu pelo corredor, andava rápido enquanto estava em nossas vistas, mas tenho quase certeza que ele começou a correr assim que tomou certa distância e isso me fez sorrir.
Depois de liberar os guardas, o palácio parecia estar mais vazio que o normal, fiquei andando com Sebastian, levei-o até o corredor das artes, e sorri ao notar que dois desenhos meus estavam pendurados lá como minha mãe disse que faria.Fomos ao jardim, não tinha nada de surpreendente, pelo menos não pra mim… Mas já que Sebastian estava curioso, não vi motivos para negar, mostrei a ele um dos meus lugares favoritos, um pequeno balanço que estava na posição exata para o jardim de tulipas que meu pai mandou fazer quando eu nasci, as tulipas eram coloridas e parecia estar brilhando com a luz do sol, tornava tudo ainda mais bonito.— Tulipas são as suas favoritas? — Questionou Sebastian atraindo minha atenção&n
Na manhã seguinte, assim que saí da cama a primeira coisa que fiz foi escrever uma carta, ainda me culpava pela falta de sentimentos em relação a Elisa que sempre desejou um contato comigo.Elisa,Sinto estar carregando um peso, tudo foi jogado em meu colo como uma enorme âncora e não sei se sou capaz de lidar com ela sozinha. Carrego também uma culpa por não ser capaz de lhe retribuir todo o amor presente em suas cartas, por isso lhe peço perdão.Gosto que me chamem de Clari, mas poucas pessoas o fazem, eu amo comer bolos e troco qualquer coisa por um de chocolate com cobertura, me deu água na boca, sou apaixonada por flores, qualquer uma delas, mas em especial as tulipas. Cresci tendo a vista d
Os dias que se passaram meus pais e eu voltamos a nos entender, os dias se tornaram leves outra vez, pelo menos quando eu não estava sozinha era assim, meu pai me ensinou tudo que eu precisava saber sobre Raqsar e seu povo, minha mãe sempre com histórias sobre ela e Elisa e um colo quando notava que eu estava prestes a desmoronar.E Sebastian, bem, não mudou muito, na verdade não mudou nada, mas se dedicou em não me deixar sozinha, alias ele tem sido uma ótima sombra, quando acho que estou sozinha ele surge sei lá de onde contando alguma coisa que descobriu ou com algum convite aleatório, isso era divertido e confesso que eu amava. Boa parte das vezes era só para revelar sua surpresa com a beleza das tulipas ou pra me contar que achou outra estátua igual. No mês que passou posso dizer que tudo foi muito corrido com a preparação dos detalhes da festa. Decidimos que a festa em homenagem aos soldados e a primeira festa do meu casamento com Sebastian ocorreria no mesmo dia.Ah e claro, minha coroação como Rainha de Raqsar.Foi feito para o dia de hoje um vestido verde muito claro, com um leve decote, no busto por sua vez era decorado com pequenas flores com glitter quando visto de longe parecia apenas pontos brilhantes a saia era o que mais me encantava, era esvoaçante feita de um tecido leve e decorada com borboletas em tons de verde claro e branco.Assim que Lydie terminou de me ajudar com o vestido, pego uma das caixas que estava em cima da minha cama, assim que abro a porta do quarto percebo oCelebração
Gosto tanto de contar sobre minha coroação e todas as emoções daquele dia que acabei me atrapalhando na história, mas acho que vão me perdoar por isso, vocês vão né?Vamos voltar um pouco, preciso atualizar todos vocês sobre o andamento das infecções pela peste, e tudo que ocorreu em decorrência disso tudo.Cox finalmente deu um fim a toda tortura que acontecia lá, alguns dos nossos guardas se ofereceram para ficar atracados lá por algum tempo até que tivessemos certeza da segurança de poucos sobreviventes, o Rei governante não estava presente, assim que o caos começou ele decidiu por se isolar em outro continente afim de manter sua saúde, apenas dava ordens a distancia, deixou que seus homens decidissem como pro
Os quatro dias se passaram como em um piscar de olhos, entre tantas preparações enviei cartas ao meu pai, que além de enviar comida e sementes para Raqsar nos enviou um navio para que pudéssemos transportar tudo que seria necessário.Nossa viagem está começando nos primeiros dias da primavera o que nos dá um ótimo tempo para reconstrução e plantação até que os flocos de neve voltem a cair, nossa presença em Raqsar não duraria tanto, talvez até o início do outono já que nosso casamento está marcado para o sexto dia de inverno, tínhamos bastante trabalho por lá e mais ainda por aqui.Rei Sebastian ordenou que todos aqueles que fariam parte de nossa viagem não estariam trabalhan
Conforme os grupos retornavam ao palácio, novas missões lhes foram dadas, prender os animais em seus devido lugares, demolição de casas, limpeza dos lugares, preparar os campos e plantar, selecionei algumas pessoas para me auxiliar nos negócios já que seria necessário comprar material de outros reinos.Sebastian e eu decidimos ajudar e não só explorar, nossa primeira parada foi na lavanderia onde pegamos alguns panos para limpeza e começamos a nossa aventura, limpamos quadros e estátuas de todos os lugares que passávamos, nossa curiosidade aos poucos estava sendo sanada, até que…—Clarisse, essa porta está trancada — Ele disse me olhando—
Raqsar estava cada vez melhor, em todos os sentidos, pela primeira vez em todos esses meses eu tive certeza que tudo estaria bem daqui pra frente e que eu poderia voltar para Sounoe e planejar meu casamento com a ajuda da Rainha Kora, finalmente eu conseguia ver uma grande chance de futuro para Raqsar. Como iria conseguir administrar tudo isso estando tão longe, ainda não sei, mas de alguma forma eu sei que vou ser capaz, que vamos conseguir não só manter tudo em perfeita ordem como está, mas crescer e nos tornar algo que Raqsar nunca foi, hoje tínhamos um grande potencial para nos tornar o maior exportador do continente e consequentemente o mais rico também. Fizemos uma pequena despedida na noite anterior, deixei Antony responsável por tudo, inclusive pela corte, toda e qualquer decisão importante precisaria partir de mim, no tempo que estive aqui fiz amigos e os fiz prometer que estariam no meu casamento. Noss