Capítulo Dez

Duas semanas haviam se passado e, incrivelmente, Mellory e eu estávamos nos dando bem juntos. Claro que optamos por não falar sobre aquele dia. Minha mãe andava cada vez mais estranha e toda vez que tocava no assunto, ela desconversava. Eu peguei um chá para mim e fui para a minha sala compartilhada. Ao chegar, ouvi Mellory marcando de sair com alguém. Eu me senti meio estranho com isso, mas decidi deixar de lado. Afinal, não tinha nada a ver com a vida dela. Quando ela desligou o celular, sentou-se em minha mesa.

“Esse chá parece gostoso.” – Ela disse, cruzando as pernas e me deixando excitado.

“Quer um pouco?” Eu ergui a xícara e ofereci a ela.

Mellory pegou a xícara da minha mão e tomou um gole. Em seguida, passou a língua pelos lábios e puta que pariu que tesão fodido, essa mulher me mata.

“Obrigada, realmente está uma delícia.” Mellory se ajeitou em minha mesa e eu me perguntei se ela sabia o efeito que estava causando em mim.

“Pensei que gostasse de café.”

“Gosto, mas sinceramente prefiro chá. No sítio dos meus pais, bebia muito chás naturais. Sinto falta disso.” Ela disse saudosa.

“Já cogitou voltar para lá?”

“Até cogitei, mas aconteceram algumas situações que me trouxeram para cá. Na verdade, meus próprios pais me incentivaram.”

Seu olhar ficou distante por um breve momento e transmitia tristeza e saudade.

“Será que um dia você me contará o que aconteceu para que tomasse essa decisão?” Eu perguntei. Mellory suspirou algumas vezes e quando pensei que ela usaria seu sarcasmo como sempre, ela começou a falar.

“Quando morava na fazenda, era uma menina ingênua. Tinha um namorado de adolescência que era muito apaixonada e uma prima que tratava como irmã. Onde morava não existia faculdade, então fiz a prova e passei para estudar em São Paulo. Estava muito feliz por estar realizando meu sonho, mas o que aconteceu a seguir me devastou. Um dia, fui fazer uma visita surpresa para meu noivo e descobri que ele tinha um relacionamento antigo com minha prima. Neste mesmo dia, descobri que ela estava grávida do homem que amava. Fabiola zombou de minha inocência e se foi. Então, meus pais me aconselharam a terminar meus estudos e seguir meu caminho longe de tudo o que me afetaria.”

Mel limpou uma lágrima que escapou de seus olhos. Agora eu conseguia entender o motivo dela ser tão dura e, às vezes, uma megera. Ninguém poderia culpá-la, pois a vida havia lhe dado uma rasteira.

"Mas agora, olha para você, uma pessoa bem sucedida que tem capacidade para abrir sua própria empresa", disse eu sincero. E ela sorriu.

"Não tenho pretensão nenhuma disso. Enquanto eu puder, estarei aqui. Sou muito grata à sua mãe por tudo que ela fez por mim. Na ausência dos meus pais, ela agiu como se fosse minha segunda mãe, me aconselhou e ensinou tudo que sei. Eu tenho sorte por ter pais fantásticos e você por ter uma mãe maravilhosa. Todos os dias agradeça por isso."

Mais uma vez, Mel limpou uma lágrima e um cisco acabou caindo em meus olhos. Ela se levantou da minha mesa e foi para o seu lado, começando a trabalhar. Eu me perguntei quanto sofrimento ainda havia em seu coração.

"Tenho três meses para transformá-lo em um homem sério de negócios, e é isso que farei, nem que tenha que grudar em ti vinte e quatro horas", disse ela, mudando de assunto e de postura de repente.

"Então quer dizer que dormiria comigo também?" perguntei, sorrindo, e ela pôs a mão na testa.

"Não seja idiota, mas se precisar, quem sabe", disse Mel, dando uma piscadela e voltando para algo que estava lendo em seu computador. Será que ela está flertando comigo ou estou vendo coisas?

Ela riu mais uma vez, e antes que eu falasse alguma coisa idiota, voltei para o trabalho. Por que será que não consigo me lembrar do dia que dormimos juntos? Isso é foda. Resolvi deixar minhas frustrações de lado e focar na minha tarefa. Estava completamente focado até que meu celular tocou, e atendi sem olhar no visor.

"Senhor Raylon Peres?" perguntou a mulher do outro lado da linha, e eu assenti. "Aqui é do Centro Comunitário Criança Feliz."

"Sim. Aconteceu algo?" estranhei, pois eles não costumavam ligar.

"Uma das crianças que o senhor apadrinha foi encaminhada ao hospital. O caso de leucemia agravou."

"Ai meu Deus! E como Janessa está?" perguntei preocupado.

"Não sabemos como ficará o seu estado", disse a mulher do outro lado da linha. Fiquei mudo por algum tempo, e a menina chamou minha atenção.

"Me passe o endereço, que eu chego no hospital rapidamente", disse eu, nem lembrando que estava na empresa e nesse momento sem cabeça para pensar em trabalho.

Assim que desligo a chamada, vejo Mellory me encarando com curiosidade.

"Está tudo bem?" Ela pergunta, e percebo que ela está preocupada.

"Não, uma das crianças que apadrinho foi internada. Ela tem leucemia", informo a ela, e ela me encara por algum tempo.

"Você vai para o hospital?"

"Já estou indo." Pego minhas coisas e me preparo para sair quando ela me pede para passar o endereço para que ela possa ir lá assim que terminar uma videoconferência.

"Por favor, dirija com cuidado", Mel me pede.

"Pode deixar." Me despeço dela e vou correndo para o hospital.

Dirijo rapidamente e chego ao hospital. Dou meus dados na recepção e sou encaminhado para a sala de espera. Odeio essas salas. Elas são um saco e me lembram do dia em que sofri meu acidente aos quinze anos. Junto-me a duas cuidadoras do abrigo e ficamos aguardando notícias. Entram e saem médicos, mas nada de informações sobre o estado de saúde da criança.

Minha mente me leva de volta ao dia em que conheci Janessa.

*Flashback On*

Recebi a notícia de que quatro crianças novas haviam chegado no Centro Comunitário e fui pessoalmente vê-las para saber se precisavam de algo. Conheci o centro depois de ter sido obrigado a fazer trabalho comunitário como parte da minha sentença por dirigir alcoolizado, mesmo tendo sofrido um acidente por causa disso. Não aprendi a lição, e é por isso que minha mãe não tem confiança em mim. Acho que nem eu mesmo teria.

Após cumprir minha sentença, continuei voltando e acabei apadrinhando algumas crianças, como Jonas, Rubi e Miguel. Meus dias se tornaram muito melhores quando estava com eles. Assim que cheguei lá, Stefany me apresentou as novas crianças, e vi uma menina bastante debilitada para a idade dela. Perguntei o que havia acontecido com ela.

"Janessa tem leucemia. A mãe é uma prostituta e a deixava sozinha, mesmo sabendo de suas limitações. Ela foi encontrada passando mal na rua, e depois de receber alta no hospital, veio parar aqui", explicou Stefany. Olhei para a menina, que sorriu fracamente para mim.

"Quantos anos ela tem? E o que aconteceu com a mãe dela?"

"Ela tem quatro anos, e a mãe dela perdeu a guarda dela e foi detida."

Depois que Janessa chegou, passei a frequentar o Centro Comunitário com mais frequência e não demorou muito para que a adotasse, pelo menos em meu coração.

*Flashback Off*

Meu celular apitou tirando-me de meu devaneio.

“Raylon, estou saindo daqui agora assim que chegar te envio uma nova mensagem.”

“Obrigado Mel.” – Digo apenas.

“Não por isso, até daqui a pouco.” 

Travei meu celular e continuei à espera de alguma informação.

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