Cap 07

#Lucy

Estou mexendo no meu armário, depois da aula, quando minhas amigas Morgan, Madison e Megan se aproximam. Nala costuma chamá-las de As M de Saferat. Morgan me abraça.

— Oh, meu Deus, você está bem? — ela pergunta, se afastando um pouco para me observar.

— Vi quando Samuel defendeu você. Ele é incrível. Você tem muita sorte, Lu — diz Madison. E seus cachos balançam, como se acompanhassem o ritmo das palavras.

— Não foi tão grave assim — digo, cogitando sobre o tipo de boato que a essa altura deve estar correndo... Em contraste com o que realmente aconteceu.

— O que, exatamente, Mattias disse? — Megan pergunta. — Jasmín fotografou, com o celular, o momento em que ele e Samuel se encontraram no corredor...

— Ei, garotas, não vão se atrasar para o ensaio — grita Âmbar , do final do corredor, e desaparece tão rápido quanto chegou.

Megan abre seu armário, que fica perto do meu, e pega seus pompons:

— Detesto o jeito como Âmbar bajula a Sra. Perida — ela resmunga. Fecho meu armário e, junto com elas, caminho em direção à quadra.

— Acho que ela está tentando se concentrar na coreografia, para não ficar pensando o tempo inteiro na volta de Sebastian à faculdade.

Morgan suspira:

— Sei lá! Eu nem tenho um namorado, mas a minha nota para ela é zero em simpatia.

— Também não sinto a menor simpatia por ela — diz Madison — Falando sério, me digam quando aquela garota não está namorando alguém...?

Ao chegar à quadra, encontramos toda a nossa turma sentada no chão, esperando pela Sra. Perida.

Ufa, ainda bem que não estamos atrasadas.

— Ainda não consigo acreditar que Mattias Belmonte é seu parceiro em Química — Âmbar me diz, baixinho, enquanto me acomodo no lugar vago, ao lado dela.

— Quer trocar de parceiro? — pergunto, sabendo que a Sra. Benson jamais permitiria.

Âmbar põe a língua para fora, num gesto grosseiro e vulgar:

— Nem em sonhos! Eu nunca me envolvo com o pessoal da zona sul. Misturar-se com aquela gente só pode trazer problemas. Você se lembra do que aconteceu no ano passado, quando Flor começou a sair com aquele garoto...

Qual era mesmo o nome dele?

 — Xavi? — digo, em voz baixa. Âmbar estremece. E confirma:

— Sim... Em poucas semanas, Flor deixou de ser a pessoa maravilhosa que era, para virar um peixe fora d’água.

As meninas da zona sul a odiaram, por estar namorando um de seus garotos... E ela parou de andar com a gente. O pobre casal ficou totalmente isolado... Graças a Deus, Flor rompeu o namoro.

A Sra. Perida se aproxima, com seu CD player, reclamando que alguém tirou o aparelho do lugar... E foi por isso que ela se atrasou. Quando a Sra. Perida começa o alongamento, Nala cutuca Âmbar , empurrando-a para o lado, para poder falar comigo.

— Menina, você está encrencada — diz Nala.

— Por quê?

Nala, minha melhor amiga, tem uma super audição e uma super visão sabe tudo o que se passa em Saferat.

— Há um boato, por aí... — ela me avisa. — Parece que Cristina Malony está à sua procura.

Oh, não. Cristina é namorada de Mattias. Tento não enlouquecer, não pensar no pior... Mas Cristina é durona, desde suas unhas pintadas de vermelho, até suas botas de salto agulha. Será que está com ciúmes, por eu ser parceira de Mattias em Química? Ou será que ela pensa que delatei seu namorado para o diretor?

A verdade é que não entreguei Mattias. Fui chamada à sala do Dr. Grey porque hoje de manhã alguém viu o que aconteceu no estacionamento, depois viu nossa discussão na escada e foi contar para ele... O que, por sinal, é ridículo, já que nada de mais grave ocorreu.

O Dr. Grey não acreditou em mim. Pensou que eu estivesse muito assustada... E que por isso não contei a verdade. Bem, eu não estava com medo. Mas agora estou.

Cristina Malony pode me pegar, num dia desses. Ela provavelmente sabe como usar armas... Quanto a mim, a única arma que conheço são os meus pompons. E eu seria louca se acreditasse que eles podem assustar uma garota como Cristina.

Talvez eu pudesse me sair bem, numa maratona de palavras. Mas, definitivamente, não numa briga corpo a corpo. Os garotos brigam por conta de um gene inato, primitivo, que os leva a testar sua capacidade física. Talvez Cristina queira provar algo para mim, mas, falando sério, não há necessidade. Afinal, eu não represento nenhuma ameaça. Mas como explicar isso a Cristina? Não posso simplesmente chegar para ela e dizer. Ei, garota, não pretendo dar em cima do seu namorado. E nunca reclamei dele para o Dr. Grey. É Talvez eu devesse fazer isso...

A maioria das pessoas pensa que nada pode me tirar do sério. E eu não vou contar a elas que não é bem assim, que algumas coisas me aborrecem. Trabalhei muito para criar e manter essa fachada... E não estou a fim de perder tudo isso só porque a namorada de um cara — que é membro de uma gangue perigosa! — resolveu me pôr à prova.

— Não estou preocupada com esse assunto — eu digo a Nala.

Minha melhor amiga balança a cabeça:

— Eu te conheço, Lu. Você está super-nervosa — ela murmura.

As palavras de Nala me deixam mais apreensiva do que a ideia de ter Cristina em meu encalço. Pois eu realmente tento, com todo empenho, manter as pessoas à distância... Para que elas não saibam como sou, na verdade... Para que não saibam o que é viver numa casa como a minha. Mas deixo que Nala saiba mais sobre minha vida do que qualquer outra pessoa. Ou eu deveria ser mais reservada, em nossa amizade? Assim, poderia manter Nala a uma certa distância. A uma distância segura.

Eu sei, claro, que estou sendo paranóica. Nala é uma amiga de verdade. No ano passado, chorei muito porque minha mãe sofreu uma crise nervosa... E Nala estava a meu lado, apesar de eu não ter lhe contado o motivo da crise.

Ela me confortou, deixou que eu chorasse à vontade, mesmo quando me recusei a contar os detalhes.

Não quero ser igual a minha mãe, não quero acabar desse jeito... Este é o maior medo que tenho, na vida.

A Sra. Perida nos manda entrar em formação e aciona o CD player, com a sequência que o pessoal do Departamento de Música compôs especialmente para a nossa turma. É uma mistura de hip-hop e rap, especialmente mixada para a nossa coreografia, que nós batizamos de Big Bad Bulldogs, pois o símbolo do nosso time é um buldogue. Meu corpo todo vibra com o ritmo. É por isso que eu adoro ser líder de torcida.

A música me conduz e me faz esquecer os problemas de casa. A música é minha droga, a única coisa que me alivia a dor.

— Sra. Perida, podemos começar a partir da posição Broken T, em vez da posição T, como fazíamos antes? — pergunto. — A partir daí vamos para o V, Low e High, com Morgan, Jim e Jasmín avançando para a frente. Acho que assim ficará melhor.

A Sra. Perida sorri, obviamente encantada com minha sugestão.

— Boa ideia, Lucy. Vamos tentar... Começaremos com a posição com os cotovelos dobrados. Durante a transição, quero Morgan, Jim e Jasmín na primeira fileira. Lembrem-se de manter os ombros relaxados. Nala, por favor, não dobre os pulsos... Eles devem ser uma extensão, uma continuidade dos braços.

— Sim, professora — diz Nala, atrás de mim.

A Sra. Perida coloca a música novamente, O ritmo, a letra, os instrumentos... tudo penetra em minhas veias e me ergue, não importa o quanto eu esteja me sentindo triste. Enquanto danço, em sincronia com as outras garotas, esqueço Cristina e Mattias e minha mãe e tudo o mais.

A música termina muito rápido. A Sra. Perida desliga o CD player, mas eu bem que gostaria de continuar dançando. Na segunda vez em que repetimos, a coreografia sai melhor. Mas há vários movimentos que ainda precisam ser trabalhados. E algumas meninas, novatas, estão tendo dificuldade em aprender os passos.

— Lucy, ensine os movimentos básicos para as novas garotas. E então tentaremos repassar, uma vez mais, a coreografia inteira — diz a Sra. Perida, entregando-me o CD player. — Âmbar , revise os passos mais difíceis com o resto da turma.

Jim está no meu grupo. E se ajoelha para tomar um gole de sua garrafa de água.

— Não se preocupe com as ameaças de Cristina — ela me diz. — Em geral, Cristina mais late do que morde.

— Obrigada — eu digo.

Isabel parece grotesca, com seu lenço da Sangue Latino, três piercings na sobrancelha e os braços geralmente cruzados sobre o peito, numa postura de quem está sempre pronto a se defender. Mas tem um olhar suave... E está sempre sorrindo. Seu sorriso suaviza a aparência rude. Se ela usasse uma fita pink nos cabelos, em vez do lenço vermelho da gangue, aposto que pareceria bem mais feminina.

— Você está na mesma classe que eu, na aula de Química, não é mesmo? — pergunto.

Ela responde com um gesto afirmativo.

— E você conhece Mattias Belmonte? Ela responde com o mesmo gesto.

— E esses boatos que correm sobre ele... são verdadeiros? — pergunto, cautelosamente, sem saber como Isabel vai reagir. Se eu não tomar cuidado, acabarei tendo mais uma no meu encalço...

Os longos cabelos castanhos de Isabel se movem enquanto ela fala:

— Depende de que boatos você está falando.

Antes que eu despeje a lista de fofocas sobre o uso de drogas e as prisões de Mattias,Jim se levanta e diz:

— Escute, Lucy... Nós nunca seremos amigas. Mas acho importante dizer que apesar de Mattias ter se portado muito mal com você hoje, ele não é tão mau como dizem por aí... Nem tão mau quanto ele mesmo se acha.

Antes que eu possa fazer outra pergunta,Jim volta ao seu lugar, na coreografia.

Uma hora e meia depois, quando estamos exaustas, desgastadas — e até mesmo eu acho que já dançamos o suficiente —, somos dispensadas do ensaio.

Faço questão de caminhar ao lado de Jim, que transpira muito, e dizer a ela que foi muito bem, no ensaio.

— Verdade? — ela pergunta, aparentando surpresa.

— Você aprende rápido — eu digo. E é mesmo. Para uma garota que nunca lidou com pompons, antes, ela pegou os movimentos bem depressa. — Por isso coloquei você na fila da frente.

Enquanto Jim continua de queixo caído com o elogio, eu me pergunto se ela acredita nos boatos que certamente já ouviu, a meu respeito. Não, nós nunca seremos amigas... Mas posso dizer, também, que nunca seremos inimigas.

Digo até logo a Isabel e vou ao encontro de Nala, que está ocupada com o celular, escrevendo um torpedo para Gastón, seu namorado. Caminhamos juntas em direção ao meu carro.

Encontro um pedaço de papel, dobrado, sob o limpador de pára-brisas. Abro: é o folheto de suspensão, que Mattias recebeu. Eu o amasso e jogo dentro da minha mochila.

— O que é isso? — Nala pergunta.

— Nada — eu digo, esperando que ela perceba que não estou a fim de falar sobre o assunto.

— Ei! — grita Âmbar , correndo em nossa direção. — Vi Samuel no campo de futebol.

Ele disse para você esperá-lo.

Olho para o meu relógio de pulso. Já são seis horas e preciso ir para casa ajudar Amora a preparar o jantar de Karla.

— Não posso — digo.

— Gastón respondeu meu torpedo — diz Nala. — E está nos convidando para comer uma pizza, na casa dele.

— Eu vou! — diz Âmbar . — Tenho me sentido tão entediada, agora que Sebastian voltou a Purdue...

Provavelmente, só nos veremos daqui a algumas semanas.

— Pensei que você iria visitá-lo no próximo sábado — diz Nala, que continua a escrever no celular.

Âmbar põe as mãos nos quadris.

— Bem, isso foi antes dele me ligar dizendo que precisaria dormir na casa da Fraternidade, por conta de um daqueles rituais malucos de iniciação. Desde que o pênis de Sebastian esteja intacto, quando tudo isso acabar, para mim está tudo bem.

Ao ouvir a palavra pênis procuro minhas chaves na bolsa. Quando Âmbar começa a falar de sexo, o jeito é bater em retirada, porque ela não para nunca mais. E como não costumo compartilhar minhas experiências sexuais, ou a falta delas, com ninguém, é melhor dar o fora... E este me parece o momento perfeito para escapar.

Enquanto giro o chaveiro no dedo, Nala me avisa que vai pegar uma carona com Gastón, de modo que voltarei para casa sozinha. Gosto de estar só. Ninguém para me ver ou julgar. Posso até ouvir música, no máximo volume, se quiser. Porém, esse prazer dura pouco, pois meu celular vibra. Tiro-o do bolso e olho o display. Duas mensagens de voz e uma mensagem de texto... Todas de Samuel.

Retorno a ligação e ele atende:

— Lu, onde você está?

— A caminho de casa.

— Vá para a casa do Gastón.

— Minha irmã está com uma nova enfermeira — explico. — Preciso ajudá-la.

— Você ainda está zangada por eu ter ameaçado aquele marginal que é seu parceiro de Química?

— Não estou zangada. Só aborrecida. Eu disse que podia lidar com a situação, mas você me ignorou totalmente... E provocou aquela cena no corredor. Você sabe que não pedi para ser parceira dele, Samuel.

— Eu sei, Lu. Acontece que detesto aquele cara. Por favor, não fique zangada.

— Não estou — eu digo. — Apenas, detestei ver você furioso daquele jeito... E sem nenhuma razão.

— Detestei ver aquele cara falando bem perto do seu ouvido.

Sinto uma dor de cabeça se aproximando... com força total. Não preciso de Samuel fazendo uma cena, toda vez que um cara falar comigo. Ele nunca agiu assim, antes. Sua atitude me deixou bem exposta a críticas e fofocas... Coisa que, para mim, é detestável.

— Vamos esquecer isso — eu proponho.

— Por mim, tudo bem. Então, me ligue à noite — ele diz. — Mas se você puder dar um pulo até o Gastón, eu estarei por lá.

Quando chego em casa, Amora está no quarto de Karla, no primeiro andar, tentando trocar sua calcinha à prova de vazamentos... Mas colocou Karla na posição errada, com a cabeça onde geralmente ficam os pés, e uma perna pendendo para fora da cama. Em resumo, um desastre. Amora está arfando, como se essa fosse a tarefa mais difícil que ela já realizou na vida.

Será que minha mãe checou as referências dessa moça?

— Pode deixar que eu faço isso — digo a Amora, afastando-a para o lado e assumindo o controle da situação.

Costumo trocar minha irmã desde que nós éramos crianças. Não é nada divertido trocar as roupas íntimas de uma pessoa que pesa mais do que você. Mas se você fizer direito, isso não levará muito tempo e nem será muito trabalhoso.

Minha irmã abre um imenso sorriso, quando me vê:

— Luwiee!

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