"Corre! Vai mais depressa, Maia.... As árvores ainda são demasiado altas, estamos em território perigoso... se eles nos perseguem..."
Ela apenas grunhiu, irritada, bufando alto a cada passo, mas perdendo irremediavelmente o ritmo.Eu sei que ela estava no limite das suas forças e não conseguia continuar.Em breve teria de tomar as rédeas e, provavelmente, deter-me.Ainda sentia nas minhas narinas o odor pungente do sangue e nos meus olhos permaneciam as imagens do que tinha encontrado no caminho de regresso a casa...Apareceram do nada, não os cheirámos nem ouvimos quando chegámos e, misteriosamente, os alarmes não dispararam.Ainda não consigo perceber como, nem porquê.Esses alarmes, juntamente com as sentinelas, fizeram durante gerações do nosso território um território inexpugnável.Escaparam aos nossos guardas sem grande dificuldade e um grupo deles entrou em minha casa... não havia mais ninguém.Gostava de ter parado para chorar.Não deixaram absolutamente ninguém vivo, ou numa só peça....Apenas o líquido vermelho quente salpicado em todos os cantos, e corpos vazios.Eu fui salvo.Porque tinha saído como todas as noites para tomar banho ao luar, sentindo que podia falar com ela e contar-lhe os meus planos para o futuro.Estava preocupado por ter atingido a maioridade e ainda não ter encontrado a minha companheira.E quando cheguei a casa... foi como entrar num pesadelo.Mas não vai demorar muito para me detectarem se eu estiver na floresta. Eles pareciam mover-se a uma velocidade incrível.Sobretudo se eu continuasse a correr na minha forma animal, exalando raiva e medo.Em pânico, tínhamos de privilegiar a velocidade em detrimento do segredo de fugir cautelosamente, escondendo o meu odor.Eles cheirar-me-iam, como sou, como parte da família Alfa, e era-me difícil esconder-me, apesar de ter aperfeiçoado essa habilidade ao extremo graças ao meu conhecimento de certas plantas.No entanto, não tinha tido tempo para pensar num plano melhor. Apenas dei uma chicotada na Maia e corri.Fugir da manada.Fugir de tudo.Ouvimos gritos à nossa volta.Os outros, talvez tivessem uma hipótese de sobreviver ao que quer que fosse, provavelmente como escravos.O facto de terem chacinado a minha família era para mim um sinal claro de que eu não teria qualquer hipótese, independentemente de quem fossem... Uma alcateia rival? Uma traição do nosso próprio povo? Não sei...Só sabia que a minha família já não existia.E a única certeza era a de que tinha de correr, para longe da floresta e do cheiro metálico que crescia atrás de mim, dominando o meu olfato sensível."Corre!""Ya... não... eu... consigo...", gemeu Maia.E não havia motivo para nos esforçarmos ainda mais. Sob essa forma, nós seríamos irremediavelmente farejados.Mudei para a minha forma humana.Recuperei o fôlego, olhei atentamente para o que me rodeava e comecei a correr, agora mais lentamente, mas esforçando-me por esconder o meu odor. Deitei uma pequena cápsula de perfume de ervas que eu próprio tinha feito.O limite da floresta já estava próximo. Espero que, uma vez lá, eles já não estejam interessados em perseguir-me.Ao longe, vejo os faróis de alguns carros que se aproximam e se afastam ao longo da estrada que acompanha a orla da enorme floresta.Nunca tinha estado tão longe da minha casa e da minha família.Nunca...Apetecia-me chorar só de recordar a cena com que me deparei quando regressei do meu passeio.Como é que eles tinham conseguido eliminar os meus pais tão depressa? Eles eram os mais fortes e poderosos da manada.Nunca ninguém os tinha derrotado.O terror apoderou-se de mim, fazendo-me estremecer.As pegadas nos seus corpos... não eram as de nenhuma criatura que eu conhecesse.Será que os atacantes não eram da nossa espécie? Se não era uma das nossas muitas guerras territoriais... do que é que eles andavam atrás?Maia tinha falado comigo."Não há tempo para conjecturas e muito menos tempo para descobrir. Não há mais nada aqui para salvar. Vamos fugir. É a única alternativa. Vamos começar de novo noutro lugar. Escondendo quem somos.Eu sabia que tinha razão.Então fugimos.A minha vida estava a correr mal, e eu não teria a minha família ao meu lado.Mas, se ficasse ali, não tinha hipótese."O limite... lá está ele..."...Depois sentimo-los. Estavam à nossa volta.Um cheiro pungente que me fez pensar como é que não demos por eles a aproximarem-se das terras da manada.Mas agora não era altura de descobrir.Faltavam apenas alguns metros.Esforcei-me mais para esconder o meu cheiro, sem saber que teria de o fazer durante muitos anos, e escondi-me nuns arbustos com ervas estranhas que eu desconhecia, mas que cheiravam bem.Com sorte, aquelas ervas, o meu esforço e o cheiro pungente do smog da cidade vizinha e dos tubos de escape dos veículos que passavam manter-nos-iam a salvo."Não te mexas, Maia.""Viste-os? O que são eles?"Era impossível dizer.Só conseguia ver as suas silhuetas gigantescas e algo disformes. Se eram lobisomens ou não, era difícil de definir.Aquele que parecia ser o seu líder, para abrir caminho, era várias vezes maior do que o meu pai.O meu pai... a lembrança do seu rosto a contrair-se numa careta mortal atingiu-me de repente e tive de fazer um grande esforço para me conter.Queria vingança, uma desforra... Mas também tinha vontade de viver.Ou de sobreviver.Se ele, os meus irmãos e a minha mãe tinham desaparecido, só me restava a minha própria existência.Assim que senti as sombras a afastarem-se, comecei a rastejar pelo chão macio e silencioso, cada movimento abafado pelas folhas macias e húmidas das orlas da floresta de que nunca me tinha aproximado.E quando as árvores já não eram tão imponentes e as ervas menos familiares, atrevi-me a correr, nua, nua, atormentada pela exaustão e com a voz de Maia na minha cabeça, exalando urgência."Corre... vai mais longe, em breve seremos livres... em breve..."As luzes dos faróis foram a última coisa que vi naquela noite, a primeira da minha nova vida.Perdi a consciência quando o camião me atropelou e acordei com um sobressalto numa cama de hospital.Quando me sentei, vi o espanto nos olhos da enfermeira.Não podia ficar naquela cidade, demasiado pequena para que a história da mulher nua que sobreviveu ao atropelamento por um grande veículo não se espalhasse como a manchete sumarenta que era.Não me orgulho do que fiz depois. A minha família também não se teria orgulhado.Mas eu precisava do dinheiro e estava disposto a fazer qualquer coisa.Aproveitei-me do desejo nos olhos dos homens e da sua fraqueza.O meu único objetivo era sobreviver.Descobrir o que tinha realmente acontecido naquela noite nos domínios da minha alcateia, e quem ou o que eram estas criaturas, era a minha segunda tarefa.E embora fosse maior de idade e precisasse de uma companheira, não tinha tempo.Aquela vida, tudo o que eu era, já não existia.Agora, eu tinha que conseguir poder.E vingança.Ninguém conhecia o seu passado, mas de alguma forma tinha conseguido chegar ao topo do mundo empresarial, ela, uma mulher com quem tudo era um mistério.E, para gerar ainda mais suscetibilidade, não dirigia uma empresa qualquer, mas a maior e mais competitiva do meio, aquela que era tão sedutora e difícil: a dos perfumes.Era uma estrangeira neste país, mas embora o enigma que a rodeava fosse sedutor, ninguém, nunca, se atrevia a perguntar a Selena Wolf de onde vinha e como era a sua família.Ela tinha um faro único para os negócios, disso não havia dúvida, e parecia ter devorado, quase literalmente, toda a sua concorrência.Por essa mesma razão, ele não confiava em ninguém.Por essa mesma razão, o seu último assistente tremia à sua frente como uma folha, lívido como papel.-Susana, só uma pessoa em toda a empresa tinha acesso à fórmula da minha fragrância em desenvolvimento... sabes o que isso significa?A jovem nem sequer conseguia olhá-la nos olhos.Selena era alta e imponente, com
Toda a sua vida perseguiu uma utopia. Uma obra-prima que seria a sua maior criação.Era jovem, mas ambicioso e cheio de vigor, depois de tudo o que tinha sofrido.Não se enquadrava no mundo que o rodeava, o que provavelmente se deve à sua orfandade.Crescer naquele horrível orfanato, e ser intimidado pelos seus colegas por parecer pálido e fraco, tinha-o tornado mais reservado.Ele sabia que era diferente dos outros, sentia-o no seu íntimo.Mas quando se tornou adolescente, deixou de se importar com isso. E tudo mudou.Agora era alto e bem constituído, com olhos e cabelos negros e profundos, e depressa deixou de ser incomodado, o tempo suficiente para se dedicar aos seus próprios interesses e passatempos, começando pela química.Depressa se apercebeu que também devia explorar as qualidades de líder nato que o desporto lhe despertava, e estudou também uma carreira no mundo dos negócios.Sempre curioso, sempre à procura de mais.Acima de tudo, ansiava pelo poder.Da sua primeira infânci
Selena avaliou o elogio, olhando-o diretamente nos olhos.Ela estava a tentar decifrar se ele era um hipócrita à procura de ser apreciado ou se as suas palavras eram honestas.Entre os falsos amigos, ela estava impressionada, e podia certamente apreciar a sinceridade numa altura como esta.Ela decidiu, olhando para a escuridão dos seus olhos, que ele estava a ser honesto.E isso agradou-lhe.Ele precisava dessa segurança.Claro que ela estava mais do que ciente do perigo de contratar Gabriel para um cargo em que estariam em contacto constante, embora pudesse encontrar uma forma de reduzir esses contactos ao mínimo, vendo a cara um do outro apenas em ocasiões estritamente necessárias.Mas, por outro lado, agora que o tinha ali, frente a frente, com as palmas das mãos a suar, e o aroma potente mas subtil dos cedros e das magnólias de uma floresta húmida a tornar quase impossível não correr para ele e reclamá-lo, parecia uma tarefa titânica renunciar à sua presença.Ela queria-o perto, m
Gabriel estava no seu escritório, concentrado nos ficheiros, quando sentiu de novo o cheiro que o estava a enlouquecer.Depois ouviu a voz dela a cumprimentar Carol.Esperou que talvez a Sra. Wolf batesse à porta para confirmar a sua presença, mas sentiu-a parar por um momento à sua porta e depois continuar o seu caminho.Passaram mais duas horas, durante as quais ela parecia ignorá-lo."Não sejas ridículo, Gabriel", disse para si próprio, "ela está a trabalhar. Concentra-te no teu trabalho.Se fosse um trabalho normal, com um chefe normal, não seria invulgar.Cada um por si e com contactos limitados ao formal.Mas não valia a pena iludir-se. Ele queria voltar a vê-la, sabe-se lá por que razão absurda.Selena soube que ele tinha aceitado o emprego assim que chegou ao seu apartamento.Não precisava de o confirmar.Mas já tinha decidido a sua estratégia de sobrevivência: manter a distância.Estava mais preocupada com a sua fórmula roubada, por isso ligou a um detetive que parecia bem qu
Quando Gabriel acordou, estava sentado numa cadeira, a ser abanado por um dos empregados do laboratório, e não havia sinal de Selena Wolf.Apenas o seu perfume pairava no ar.Teria ele desmaiado? Seriam aquelas vozes na sua cabeça um sonho?Ela não se lembrava de nada desde que voltara de comprar café. Exceto os olhos selvagens e dourados.Ele estava definitivamente exausto e a dormir mal, e não era só por causa do trabalho.Há várias noites que se sentia inquieto, insone, e quando conseguia dormir tinha sonhos estranhos e episódios de sonambulismo, nada habituais para ele.Acordava de repente, no meio da cozinha ou algures na sala de estar. Mas isso nunca tinha acontecido durante o dia.Olhou para a jovem que o acompanhava e perguntou-lhe cautelosamente:-O que é que aconteceu?-Sr. Reyes, tanto quanto pude ver, esbarrou na Sra. Wolf, entornou-lhe café na saia, evitou que ela caísse no chão e pareceu desvanecer-se um pouco. A senhora foi mudar de roupa, acho que se queimou um pouco,
A respiração de Selena acalmou-se lentamente, enquanto ela farejava à sua volta e aguçava a sua visão.Será que a criatura que ela tinha sentido no parque a tinha seguido?Para seu próprio conforto, e também por prazer, a sua casa ficava perto do enorme espaço verde, e até a sua própria casa estava rodeada de árvores que lhe alimentavam a nostalgia do que tinha perdido há tanto tempo.Nunca se sentira em perigo, até àquela noite.Agora, com a mente alerta, a sua mania de correr na solidão para libertar o excesso de energia parecia de repente sem sentido.A lua, em todo o seu esplendor, numa plenitude quase fantasmagórica, ainda brilhava no céu.Era mágica, e assombrosa, para a sua espécie.Inevitável e vital.Ela levantou-se cautelosamente, no meio do silêncio que a rodeava.Ao contrário do que muitos poderiam acreditar ao conhecê-la superficialmente, ela vivia sozinha numa mansão modesta onde predominava um estilo semelhante ao do seu escritório, o cheiro a madeira, o minimalismo e a
Selena chegou à Moon Alchemy como um dia qualquer.Mas depressa se apercebeu que não seria assim.O cheiro quase familiar que impregnava o andar onde se situava o seu escritório estava mais forte do que nunca.Isso era um sinal claro de que a sua nova assistente já lá estava, desde muito cedo.E que algo nele tinha mudado.Cumprimentou Carol como de costume e entrou no seu gabinete o mais depressa que pôde, numa tentativa de evitar o que sabia ser impossível.Respirava com dificuldade e as palmas das mãos suavam, enquanto Maia se agitava dentro dele, querendo sair.Tentara não pensar muito na vítima que tinham encontrado no Parque, tentando convencer-se de que podia ter sido qualquer coisa, mas... e se estivessem à sua procura? E se o passado a tivesse finalmente apanhado?Naquele momento, Carol bateu-lhe à porta:-Entre...Desculpe, Sra. Wolf, o Sr. Ford procura-a no laboratório.O patrão suspirou.Ele disse-lhe o que precisava? Pensava que o assunto da fórmula estava resolvido?A jo
Mas quando ambos regressaram ao trabalho, a Moon Alchemy estava num caos.Selena perguntava aos que passavam por ela, escapando ao fumo, e com uma sensação horrível no fundo do estômago, como no passado, quando foi emboscada de surpresa:-O que é que aconteceu aqui, estão todos bem?Um dos seguranças fez uma pausa nas suas tarefas e explicou-lhe enquanto a acompanhava para fora, através do enorme hall de entrada do edifício:-Houve um acidente no laboratório, disseram-nos que não é nada de muito grave, mas estão a evacuar este piso e os pisos superiores por precaução, não esperam que a inconsciência dure mais do que um par de horas.... Aparentemente, um dos computadores daquela área incendiou-se, mas os produtos químicos e o equipamento estão intactos... O fumo denso faz com que pareça pior, uma vez que se trata de um incêndio de origem eléctrica, mas, segundo os bombeiros, não aconteceu e não se tornará grave... As actividades de cada sector poderão ser retomadas em breve...A sensaç