Anthony Narrando Promessa é dívida. E eu jurei pra Ana Kelly que não voltava pra Porto Alegre sem a vó dela.O céu de São Paulo tava cinza, carregado, como se tivesse sentido o peso do que a gente tava fazendo aqui. Helicóptero da base já sobrevoava a área, cortando o ar com aquele barulho ensurdecedor que deixava o peito vibrando. Fagundes mandou o reforço, como eu pedi, mas deixei claro: só quero cobertura. Quero distância. Quem encostou a mão numa senhora, vai pagar na minha mão.O carro seguia firme pelas ruas estreitas de um bairro afastado da zona leste. Não era por acaso que eles tinham vindo parar ali — o lugar era quase esquecido pelo resto da cidade, ninguém olhava duas vezes pra um galpão abandonado. Mas as câmeras de rua não mentem. E foi isso que a gente usou. Rastro por rastro.— Eles tão num raio de quinhentos metros. — avisou Henrique, um dos meus melhores no campo.— Acelera. Quero eles vivos. Mas se reagirem... tu sabe.— Pode deixar.A van fez a curva com tudo. As
Anthony Narrando Enquanto a gente ia pro helicóptero, Henrique se aproximou com o celular na mão, ofegante, ainda com os punhos sujos de sangue.— A gente puxou as imagens mais antigas das câmeras. Foi o Rodrigo… o capanga fiel do Vinícius. Foi ele que pegou a velha.Meu peitø inflou de ódio. Rodrigo. O mesmo que já tinha feito merda em outras missões. O mesmo que o Vinícius mantinha por perto como se fosse sombra.— Tinha outro com ele? — perguntei, rangendo os dentes.— Tinha. Um tal de Lipe. Novo no esquema, mas sangue frio. Entraram com a velha no porta-malas de um sedã cinza. As placas estavam clonadas.— Então foi o Vinícius. — minha voz saiu firme. — Mesmo preso, ainda tenta jogar sujo.Henrique assentiu.— E mandou fazer isso com uma idosa, só pra atingir a Ana.— Ele vai se arrepender. — sussurrei. — Palavra minha. Palavra de Anthony.A velha abriu os olhos devagar, e mesmo toda roxa, machucada, teve força pra sorrir fraco quando me viu.— Você é o Anthony, né? — a voz dela
Ana Kelly Narrando Quando o helicóptero pousou, meu coração parecia que ia sair pela boca. Eu desci correndo assim que o piloto abriu a porta, sem esperar ninguém. Meus olhos procuraram por ela, por aquela mulher que foi meu mundo quando ninguém mais ficou. Quando tudo desabou, foi na casa dela que eu me escondi, nos braços dela que eu chorei, e nas histórias dela que eu sonhei.E aqui estava ela. Nos braços do Anthony, com o rosto inchado, cheia de hematomas, os olhos meio abertos como quem ainda lutava pra acreditar que tava viva. Eu paralisei.— Vó... — Minha voz saiu fraca, embargada. Dei dois passos, trôpega, e quando cheguei perto dela, ela murmurou meu nome. Do jeito dela, arrastado, mas eu reconheci.— Aninha...Foi como se o tempo parasse. Me ajoelhei, chorei, abracei as pernas dele que ainda seguravam ela. A minha vó tentou sorrir, e uma lágrima solitária escorreu pelo rosto dela. Não precisava de palavras. Eu sabia. Ela tinha sofrido. Ela tinha sido machucada.Mas ela tava
Anthony Narrando A manhã amanheceu com aquele ar de calmaria estranha, como se o mundo tivesse respirado fundo antes de jogar outra bomba no colo da gente. Eu tava deitado no sofá da área externa, camisa aberta, um copo de café forte na mão, e a cabeça girando nos últimos acontecimentos.Tudo em São Paulo ainda me parecia recente demais. Os dois que encostaram com a vó da Ana Kelly, a fuga, o tiroteio... Eu não consegui sair de lá sem antes ver o sangue deles no chão. Era questão de honra. Ninguém mexe com idoso, com mulher, com criança, e sai andando.Ana Kelly apareceu, pé descalço, shortinho de pijama e aquela expressão de quem ainda tava digerindo o que tinha vivido nas últimas horas. Sentou do meu lado, calada, olhando pro nada.— Tava pensando — comecei, voz baixa. — Aqueles dois que invadiram a casa da tua vó… não foram sozinhos nessa. A ordem veio de cima.Ela virou o rosto na minha direção, os olhos arregalando devagar.— Você acha que foi… a Brenda?— Eu não acho. Eu sei. —
Ana Kelly Narrando Eu sentia meu peitø apertado, como se tivesse um peso sobre ele, me sufocando. Ver minha vó daquele jeito, gemendo de dor, toda machucada, era como uma punhalada atrás da outra. Era ela quem sempre cuidou de mim, quem me protegeu mesmo quando o mundo parecia desabar. E agora, era ela ali, tão frágil, tão vulnerável. Eu precisava ser forte, mas por dentro eu só queria chorar.— Vem, meu amor… — Josefa entrou no quarto devagar, mas com firmeza. — Eu fico aqui com ela enquanto você vai se arrumar.— Eu não quero sair daqui, Jô… — respondi, segurando a mão da minha vó. — E se ela piorar?— Ela vai ficar bem, Ana. A gente vai levar ela pro hospital. Só precisa se acalmar e se preparar, porque ela precisa de você lúcida, firme.Concordei com os olhos marejados e beijei a testa da minha vó antes de me levantar. Josefa ficou ao lado dela, trocando palavras baixas, passando a mão devagar pelos cabelos grisalhos da minha velha. Me arrumei rápido no banheiro, trocando a blusa
Ana Kelly Narrando Eu tava sentada ao lado da cama, segurando a mão dela, quando senti um leve movimento de novo. O Anthony me mandou tentar dormir, mas não consigo, só de ver a expressão dela e saber que ela está sentindo dor. Meu coração aperta. Me endireitei ficando de pé, imprimei o meu corpo sobre a cama. A respiração da minha vó ficou mais firme, e os olhos dela começaram a se abrir devagar. Me aproximei, emocionada.— Vó? está bem? — sussurrei, com a voz embargada. — Tá me ouvindo?Ela piscou algumas vezes, tentando focar em mim. Um sorriso fraco surgiu nos lábios machucados, e ela apertou minha mão com uma força que só uma vó que ama consegue ter.— Você ainda está aí minha menina… — a voz saiu rouca, quase um sopro, mas era ela. Era a minha velha. Viva.— Tô aqui, vó… tô aqui com a senhora. — Me debrucei quase deitando o meu corpo sobre o dela, encostando minha testa na dela. — Graças a Deus…Ela respirou fundo, os olhos marejados.— Eu achei… que não ia mais te ver, minha f
Anthony Narrando Fiquei ali, encostado na parede do quarto do hospital, com os braços cruzados e o olhar fixo na Ana Kelly. Ela tava sentada ao lado da cama da vó, segurando a mão da velha com todo cuidado do mundo, e mesmo cansada, mantinha aquele olhar firme de quem não ia arredar o pé. Mulher forte. Dona de uma força que me fazia querer proteger até o último fio de cabelo dela.Me aproximei em silêncio, toquei de leve no ombro dela.— A Karen e o Estevão vão ficar contigo um pouco, tá?Ela levantou o rosto na hora, os olhos me fitaram com aquela desconfiança sutil. Ela me conhecia demais pra não perceber. O jeito que olhei pra ela... não precisava falar. Ela já sabia.— Você vai lá, né? — a voz dela saiu baixa, mas certeira.Só assenti com a cabeça. Me inclinei, dei um beijo carinhoso na cabeça da vó, que ainda dormia tranquila. Depois beijei a Ana, bem no alto da testa. Ela fechou os olhos e soltou um suspiro que parecia me implorar pra não ir. Mas eu precisava.— Eu volto logo,
Ana Kelly Narrando O quarto do hospital tava com aquela calmaria boa. A luz do sol batia de lado na janela, esquentando o ambiente gelado do ar-condicionado. Minha avó dormia tranquila, com o rosto sereno, como se nada disso tivesse acontecido. Ficar aqui com ela me trazia uma paz que há muito tempo eu não sentia.A minha vovó aqui, respirando com mais calma, me dava um alívio que não dava pra descrever. Eu não saía do lado dela, segurava a mão enrugada e quente dela, tentando passar força, mesmo que por dentro eu ainda estivesse em pedaços. O Anthony foi até o presídio, e a Karen e o Estevão ficaram comigo. O Estevão parecia um vigia de guerra, parado na porta do quarto, atento a tudo. Já a Karen se jogou na poltrona do canto e puxou papo com aminha vó.— Tia Antonella — Karen chamou baixinho, pra não acordar minha avó — agora que a senhora tá aqui... vai ficar em Porto Alegre de vez?Minha avó, mesmo de olhos fechados, soltou um risinho e depois abriu os olhos. Ela olhou pra mim pr