Ana Kelly Narrando Acordei com um peso estranho no peito, como se minha alma tivesse sido puxada em duas direções diferentes. A luz suave entrava pelas frestas da cortina, beijando meu rosto como quem tentava me dizer que o pior já tinha passado. Mas será que tinha mesmo?Eu olhei ao redor, tentando lembrar cada detalhe da noite passada. Não sabia se tinha sido a noite mais confusa da minha vida… ou a mais perfeita. Só sei que meu corpo ainda sentia o toque dele, o calor, a intensidade. E, ao mesmo tempo, meu coração ainda pesava com o que ele me fez — me trancar ali, me privar de sair, de decidir por mim mesma. Isso nunca foi amor, pensei. Mas porra, o jeito que ele me amou... parecia que era.Levantei devagar, vestindo a camisa dele que ainda cheirava a perfume e desejo. Caminhei até o espelho e encarei meus próprios olhos. Ainda havia confusão neles. Medo. Mas também tinha um brilho ali que eu reconhecia: desejo de entender tudo. Desejo dele.Desci as escadas sem fazer barulho, pi
Anthony Narrando Ela saiu do banheiro enrolada na toalha, com gota escorrendo pelo pescoço, e por um instante eu esqueci do mundo. Só conseguia olhar pra ela. A pele limpa, o cheiro do sabonete invadindo o quarto… E mesmo depois de tudo, ela ainda me olhava com um misto de surpresa e desconfiança.— Você já chegou? — a voz dela saiu firme, mas eu vi a tensão nos olhos.— Vim almoçar com você — respondi do meu jeito, direto, como sempre.Fiquei ali, observando cada movimento dela, cada passo medido, como se ela ainda não soubesse se podia confiar em mim. E eu entendia. Eu prendi ela aqui. Fiz o que precisava ser feito pra proteger… mas também fiz do meu jeito. Do meu jeito possessivo, intenso, doentio, se for pra chamar assim.Mas a verdade é que quando ela dormiu no meu peitø na noite passada, eu entendi que meu maior medo era perdê-la. Não pro Vinícius. Pro mundo. Pra ela mesma.Ela se aproximou devagar da cômoda, pegou uma roupa dobrada e foi se vestir no closet. Eu respirei fundo
Anthony Narrando Fiquei parado por longos minutos depois que Ana Kelly subiu. A mão ainda no bolso, o maxilar travado. Aquilo de "quero um quarto só meu" ficou ecoando dentro da minha cabeça como um tiro abafado. Eu não tava acostumado com isso. Sempre que eu quis, tive. Sempre que mandei, obedeceram. Mas com ela… com ela era diferente. Ela não era posse, era sentimento.— Vai deixar a garota fugir mesmo? — ouvi a voz da Josefa, vindo da cozinha.Virei devagar. Ela secava as mãos num pano florido e me olhava com aquela sabedoria que só quem criou quatro filhos sozinha sabe ter.— Não estou deixando ninguém fugir — resmunguei, sentando na cadeira da sala de jantar. — Só estou... respeitando.— Respeitar não é deixar de lutar, não. Mas também não é sufocar, Anthony. Mulher nenhuma aguenta uma prisão, mesmo que ela seja feita de ouro.— Eu só quero proteger ela.— E quem disse que proteger é prender? — Josefa sentou na minha frente, cruzando as pernas. — Eu vi o jeito que ela te olha. E
Ana Kelly Narrando Subi pro quarto com o coração apertado. O Anthony, com aquele jeito dele, dominador e intenso, me deixou mexida mais uma vez. Mas por mais que o sentimento fosse forte, eu precisava de espaço. Precisava respirar.Assim que entrei, fechei a porta e me encostei nela por alguns segundos. Soltei o ar devagar, sentindo o peso que carregava no peito. Tirei a roupa devagar, como se cada peça que caía no chão levasse um pouco da confusão que tava dentro de mim. Entrei no banheiro e liguei o chuveiro quente.A água caiu sobre mim e, no silêncio, as lágrimas vieram. Desceram devagar, junto com a água que escorria pelos meus cabelos, pelo meu rosto. Chorei... Chorei baixinho, como quem precisa aliviar sem que o mundo perceba. Era uma mistura de dor, de medo, de amor e de raiva.Como é que a gente ama alguém que faz a gente se sentir prisioneira?Eu sei que o Anthony quer me proteger. Sei que ele está tentando me manter segura depois de tudo que aconteceu com o Vinícius. Mas o
Maria Antonella Narrando Ainda sentia meu coração apertado depois daquela ligação com a minha neta. O jeito que ela falou da Brenda, a dor escondida nas palavras, tudo me tocava fundo. Ana Kelly sempre foi minha menina… forte por fora, mas com um coração que sente tudo. Eu ia tentar fazer ela entender que o perdão não é sobre esquecer, mas sobre se libertar. — Alô? Ana Kelly? — falei de novo, porque a ligação tava chiando. Foi aí que escutei o barulho. Um estrondo vindo da porta da cozinha. — Quem tá aí? — perguntei, levantando devagar da poltrona. Nem deu tempo de pensar. Dois homens de preto, encapuzados, invadiram minha casa como se fosse nada. Um deles segurava uma arma, e o outro já veio pra cima de mim. Tentei gritar, mas a mão pesada tampou minha boca antes. — Fica quieta, velha! — o da frente rosnou. — PELO AMOR DE DEUS, O QUE VOCÊS QUEREM COMIGO?! — berrei assim que me soltaram por um segundo, o telefone ainda pendurado na linha. — ANTONELLA! — escutei Ana K
Ana Kelly Narrando O silêncio do telefone me fez congelar.— Vó? — repeti, a voz saindo engasgada.Nada.— VÓ!?O grito ecoou pelo quarto. O coração disparou, a mão trêmula, os olhos arregalados procurando alguma resposta, alguma voz do outro lado da linha. Mas o que veio… foi um barulho seco. E a ligação caiu.Meu peito se fechou num aperto sufocante.Joguei o celular na cama e saí correndo. Desci as escadas aos tropeços, sentindo o desespero tomar conta de mim. As lágrimas já desciam quando abri a porta com força. Eu precisava sair, precisava ir até ela, encontrar minha vó, fazer alguma coisa!Mas dois braços me barraram.— Senhorita, ordens do senhor Anthony, a senhora não pode sair assim — disse o segurança, firme, mas calmo.— SAI DA MINHA FRENTE! — gritei, me debatendo. — A MINHA VÓ TÁ EM PERIGO! EU PRECISO IR ATÉ ELA!Eles tentaram me conter, mas eu me debatia feito louca. Comecei a chorar mais forte, esmurrando o peito do segurança.— VOCÊS TÃO MACHUCANDO, ME SOLTA! ME SOLTA,
Anthony Narrando Quando entrei naquela casa e vi a Ana Kelly no chão, aos prantos, abraçada às próprias pernas, algo em mim despencou. Eu já a vi brava, ferida, orgulhosa... mas assim? Tão quebrada? Nunca.Me agachei devagar, puxando ela pro meu peito, mesmo com os soluços sacudindo cada parte do corpo dela.— Calma, princesa... eu estiu aqui.— Eles levaram ela, Anthony! Eles... levaram minha vó! Eu escutei ela pedindo socorro!— Shhh... respira comigo...Ela me olhou com os olhos vermelhos, desesperados, como se eu fosse o único fio de esperança que restava. E talvez eu fosse mesmo.— Agora você entende por que eu não deixei você sozinha em Porto Alegre? Por que eu te trouxe pra cá? Por que eu não deixo você sair sem proteção?Ela balançou a cabeça, as lágrimas escorrendo sem freio.— Eu só queria poder proteger ela, Anthony… ela é tudo o que eu tenho.Segurei seu rosto com delicadeza, meu olhar firme no dela.— E é por isso que agora sou eu quem vai proteger ela. Você vai confiar
Vinícius Narrando Cadeia não é lugar pra homem fraco. Aqui é selva de concreto, onde quem não se impõe, vira piada de preso e brinquedo de ladrão.Conseguir um celular aqui dentro custa caro. Um favor pra um, proteção pra outro, e um monte de gente querendo morder o pedaço. Mas o preço que eu pago é por fora — dentro da minha mente, não tem paz. Desde que prenderam minhas pernas, minha cabeça não parou. E agora, com a velha sumida e a Brenda voltando pra São Paulo, eu precisava ter controle. Nem que fosse do inferno.Sentei na privada de cimento, escondi o celular pequeno na barra da calça e digitei o número do Rodrigo. O toque demorou, mas quando atendeu, o som abafado da rua entrou nos meus ouvidos.— Fala, chefe. Tô aqui.Era o Rodrigo, sempre na espera do meu comando.— Como tá a velha? — perguntei, já impaciente.— Tá viva, mas chata pra caralhø. Ficou chorando a noite toda, perguntando da neta. Brenda voltou ontem pra São Paulo. Mandou um recado, disse que fez tudo direitinho.