Revelação

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SENTI-ME ENVERGONHADA POR não conhecer uma pessoa que eu deveria conhecer. Eu não estava muito atenta à mídia em geral. É claro que acessava a internet e tenho redes sociais, mas nunca me interessei por esse mundo da música. 

Deveria ter feito o meu dever de casa antes de vir. “Ah, deveria.” 

 Fiquei pensando se isso iria me prejudicar para a vaga, eu sinceramente esperava que não. Em que buraco eu fui me enfiar por não vim preparada. Me remexi na cadeira passando a mão na borda da saia. 

 — Desculpe-me, Sra. Lincoln! Eu não sou uma pessoa muito atualizada no mundo da música. Se a senhora me contratar eu lhe digo com certeza que me dedicarei para consertar. — Ela me encarou ainda sem acreditar que eu não conhecia o seu filho.

 — Meu filho é um dos maiores pianista, e não é porque ele é meu filho não, é porque é bom no que faz. Ele não gosta de aparecer na mídia e muito menos dar entrevistas. Liu é uma pessoa muito reservada. O meu filho, senhorita Andrade, tem Transtorno de Espectro Autista leve, mas, mesmo assim, para quem convive com ele, é perceptível. Por ser mais branda não compromete a fala. O dele é definido como a Síndrome de Asperger, e muitas dessas pessoas com a Síndrome são excepcionalmente inteligentes, talentosas e especializadas em determinadas áreas, como a música por exemplo. O que é o caso do meu Liu.

 Eu já ouvi brevemente sobre o Autismo, o que sei é que são pessoas que têm o seu próprio mundo particular. Eles vivem em suas próprias bolhas, e tem dificuldade de compreender os sentimentos das pessoas, e de se colocar no lugar delas. Não tenho muita informação sobre esse assunto e isso muda um pouco meu ponto de vista a este emprego. 

 Não tenho preconceito. Longe de mim isso. O meu receio era eu não ter a capacidade para esta vaga.

 — Eu não conheço sobre este assunto, Sra. Lincoln, para ser sincera.

 — Sobre isso não tem problema. Você pode se informar melhor através da internet e livros que poderão lhe ajudar a entender. Você também pode obter essas informações através dele. Informação, senhorita Andrade, é tudo. O Transtorno de Espectro Autista, também conhecido como TEA, consiste em uma condição para um grupo de desordens complexas no desenvolvimento do cérebro antes, durante ou logo após o nascimento.

 Fiquei atenta a tudo que ela me dizia que acho que parei de respirar por alguns segundos. Tudo isso era novo para mim, mas se ela achava que eu tinha capacidade, então me esforçarei para ter. Não vou me sentir uma incompetente como minha mãe me fazia sentir em casa.

 — As pessoas que tem TEA tem dificuldade de interagir socialmente, manter contato visual, fazer expressões faciais, gestos ou expressar as próprios emoções; de ser social, dificuldade na comunicação, optando pelo uso repetitivo de linguagem; dificuldade de manter um diálogo, alterações comportamentais, como manias próprias; interesse intenso por coisas específicas e dificuldade de imaginação — Ela terminou e ficou esperando uma reação minha, algo que não vem de imediato.

 Nossa! São muitas dificuldades para uma pessoa. E eu aqui achando que minha vida não era fácil. É, todo mundo tem suas próprias dificuldades na vida, uma mais e outras menos, mas todos temos!

 — Não se preocupe! Como já falei anteriormente, o dele é leve. Quando criança ele fez muitos acompanhamentos médicos, o que melhorou bastante. E conforme ele foi crescendo foi ficando menos perceptível. Aprender a conviver com um Autista é uma etapa fundamental para que ele tenha uma boa qualidade de vida. — Eu acreditei que a sra. Lincoln percebeu a minha cara de tensão porque logo em seguida fala com leveza. — Não se preocupe, senhorita Andrade! Meu filho é uma pessoa fácil de lidar, mesmo com a Síndrome. As características do TEA nele são bem sutis, só percebe quem convive com ele diariamente, compreende? O meu filho é especial, não porque ele faz parte do TEA, e sim, porque ele é uma pessoa maravilhosa e doce.

 Enquanto a sra. Lincoln falava do seu filho, eu conseguia ver o brilho nos seus olhos. Eles refletem amor e pureza. Ele era um cara muito sortudo por ter uma mãe igual a ela.

 Fiquei com uma pontinha de inveja, queria ter uma mãe assim. Se minha mãe tivesse a metade de carinho nos olhos que a sra Lincoln tem quando fala do seu filho, eu seria uma pessoa sortuda, porque quando minha mãe fala de mim a única coisa que eu conseguia enxergar era pura decepção.

  Minha mãe sempre via defeito em mim. Ou as minhas roupas eram inadequadas, ou meu cabelo era grande demais, outrora era curto demais. Ela sempre procurou um defeito, até quando não tinha.

 Ver e ouvir o modo que a sra. Lincoln falava do seu filho, era encantador. Tinha certeza que eu passaria horas ouvindo ela falar sobre ele.

— Dá para perceber que a senhora gosta muito dele! — Eu falei encantada.

 — Ele é o meu presente e o orgulho do meu marido.

 — Eu nem o conheço ainda, mas já tem uma pontinha de inveja. — as palavras saíram tão rápido que não consegui detê-las. A Sra Lincoln lançou um sorriso singelo, e eu retribui.

 — É, o meu filho é um ser humano maravilhoso, mas às vezes ele é um tanto inconveniente, no entanto, isso faz parte de quem ele é.

 Ela me falou mais coisas sobre o seu filho e seu diagnóstico. Cada vez que falava dele, eu ficava mais curiosa para conhecê-lo. Infelizmente só teria contato com ele quem for escolhida para o emprego.

 Eu perguntei para ela o porquê de esconder o diagnóstico para as outras pessoas e ela respondeu que a decisão partiu dele. A Sra Lincoln relatou que quando ele não era pianista, bem na sua infância, começou a perceber que as outras pessoas começaram a tratá-lo de modo diferente logo depois de saber do seu diagnóstico. A falta de informação deixava as pessoas muitas vezes arrogantes. 

 Ela contou que ele escutava pessoas falando para ela ou até mesmo para os seus colegas de colégio que ele era lindo, porém era uma pena por ser Autista, como se o seu diagnóstico o tornasse menos atraente. Eu não compreendo o porquê excluírem quem apresenta algo diferente do que estão acostumados. 

 A senhora também me contou que eles moravam na Inglaterra e vieram para o Brasil quando Liu era criança e, por conta do preconceito que tinham sobre o Autismo no país de origem, ele preferiu não relatar o seu diagnóstico para as outras pessoas aqui. Eles concordaram porque queriam ver o seu filho feliz, e eu os compreendo. Qualquer mãe… quer dizer, qualquer mãe que ama o seu filho quer vê-lo feliz.

 Depois que a entrevista acabou ela falou para eu aguardar a ligação, pois ela iria conversar com seu filho primeiro antes de tomar qualquer decisão. Fui pega de surpresa quando ela informou que tinha uma câmera e que ele estava assistindo a entrevista. Confesso que isso me deixou um pouco desconfortável por saber que tinha uma pessoa me analisando sem eu saber, mas tudo bem.

 Já voltando para casa fiquei aliviada e ansiosa ao mesmo tempo. Aliviada por finalmente a entrevista ter acabado e ela não ter sido nenhum bicho de sete cabeças que eu idealizei, graças a Deus! E ansiosa para receber a ligação, porque eu queria e precisava desse emprego!

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