Capítulo 1

“Quando o olhar se perde e fica distante

O pensamento vai longe também

Não é tão simples esquecer

O que faz parte de mim

E me trouxe até aqui

*******

* Cinco anos depois...

Eliana andava de braço dado com a amiga Simone, pelo corredor da firma, em direção ao auditório onde seria feita a apresentação do novo proprietário.

_ Como você pode ficar assim tão calma, Eliana?

_ O que posso fazer, Simone? – agarrou forte o braço da amiga que estava muito nervosa _ Se forem nos despedir não há muito a fazer, a não ser procurar outro emprego.

_ Diz isso porque você ainda é jovem. Eu já tenho cinquenta e dois anos e três filhos.

_ Não esqueça de que também sou mãe - meneou a cabeça.

_ Eu sei, mas seu trabalho é mais importante que o meu.

_ Discordo – balançou a cabeça _ A agência precisa de todos para funcionar bem. Se alguém não faz o trabalho certo ou deixa de vir, as coisas começam a acumular.

_ Mas você tem mais chances de ficar do que eu. Além disso, você arranja um bom casamento em um estalar de dedos.

_ Não, obrigada – riu enquanto iam em direção ao auditório - Eu passo isso.

Simone se tornara uma excelente amiga desde que se conheceram, três anos atrás.

Ela se mudou para um condomínio de pequenas casas logo que começou a trabalhar na agência de propaganda. Foi a melhor saída. Foi difícil conseguir essa vaga e teve que fazer um estágio antes.

Um dos problemas era a distância de seu antigo apartamento, por isso se mudou. A casa era pequena, porém aconchegante. O aluguel não era alto e podia pagar sem problema. O salário também era bom, o que foi outra vantagem.

Na casa tinha um jardim pequeno na frente onde plantou algumas roseiras e no fundo havia uma pequena área pavimentada onde colocou um balanço e espalhou vasinhos floridos.

Conseguiu uma vaga na creche próxima do trabalho e eles eram muito cuidadosos com Leonardo e ele gostava muito de lá. Seu filho lindo, perfeito e tão amado. Era um menino tão alegre e falante, que muitos da creche até ficavam com ele um pouco mais.

Leonardo brincava com tudo e com todos. Tinha uma risada contagiante que todo mundo comentava. Ás vezes ela ria da risada dele e não do acontecido.

O pai nem sabia de sua existência e talvez se soubesse não fosse querê-lo. Uma pena, não sabia o que estava perdendo.

Luís a abandonara para nunca mais. Quando ele se foi dizendo que ligaria para ela foi uma mentira. Ficou triste quando tentou encontrá-lo e soube que nem mesmo existia.

Tinha sido uma tola, mas não podia reclamar de tudo, afinal ela tinha seu Leo.

De certa forma algo dentro de sua cabeça lhe dizia que a primeira e única noite deles seria a última também. Mesmo ele indo embora por causa de algo sério, nunca lhe retornou nem mesmo uma chamada.

_ Dizem que o novo dono é um pedaço de mau caminho – Simone deu uma risadinha.

_ Você está por dentro de tudo – riu _ Nunca vi, parece uma jornalista.

_ Claro. Assim eu sei que você tem pretendentes aqui na empresa.

_ Dispenso – balançou a cabeça _ Não preciso de marido. Minha vida está boa do jeito que está.

_ Poderia pelos menos namorar – insistiu.

_ Não – disse firme _ Minha dedicação é com meu filho.

_ Você é uma excelente mãe. Poucas mulheres consegue fazer o que você faz.

_ Obrigada, eu tento ser uma boa mãe – suspirou.

_ Vamos meninas, estão nos esperando no auditório – um colega passou e as puxou.

_ Uh, obrigada pelo menina – Simone riu.

Eliana estava concentrada em analisar como faria, caso o novo dono mudasse algo na agência ou até mesmo a demitisse.

Leonardo já estava tão habituado à vida que tinha, aos coleguinhas na escola e aos vizinhos que brincavam com ele. Era uma criança maravilhosa, inteligente e feliz. Não queria que isso mudasse.

Mudanças quando se tem filhos devem ser bem pensadas. Nem sempre se pode programar, é claro, mas o melhor é ter um bom plano para não causar incômodo na criança.

Gostava da vida que tinha agora. Não tinha sido fácil no começo e teve que aguentar muita coisa ruim e até mesmo abandonar outras, mas aos poucos as coisas foram se ajeitando e uma mudança assim de repente poderia colocar tudo a perder.

Tinha que prestar atenção ao que aconteceria nessa reunião. Poderia mudar sua vida.

**********

_ Lá vem ele – Simone a cutucou.

Eliana ouviu vozes de um grupo que se aproximava e olhou para trás. Deu graças a Deus por estar sentada. Talvez estivesse vendo coisas que não eram reais. Pelo menos queria que não fosse real.

O homem que entrava no auditório era ninguém menos que Luís Amparo, o pai do seu filho. Sentiu o coração apertar com o susto e segurou a mão de Simone.

_ O que foi? – olhou a amiga, preocupada _ Você está pálida.

_ Acho que não vou ficar para ouvir o discurso – engoliu em seco.

_ Mas é importante para nós – cochichou _ Temos que ouvir tudo.

_ Eu sei – respirou fundo _ Mas me sinto mal.

_ Eu vou com você – pegou a bolsa e foi levantando.

_ Não – ela olhou para o palco montado _ Já começaram a falar. Vou beber água e me sentar para tomar ar. Daqui a pouco estou bem de novo. Fique.

_ Certeza? – perguntou preocupada ainda _ Eu posso perguntar depois a alguém.

_ Claro. Preste atenção e depois me conta tudo. Não vamos incomodar ninguém.

Júlio estava no início do discurso de apresentação das novas mudanças que seriam implantadas na agência quando viu uma pessoa se levantar e deixar o auditório. Isso puxou sua atenão porque eram assuntos importantes para todos ali.

Chamou sua atenção o cabelo e o modo de andar. Hesitou um instante e a mulher olhou para trás. Seu corpo inteiro estremeceu. Sua garganta travou e seu coração deu uma batida forte dentro do peito.

Era Eliana quem deixava o local. Piscou os olhos para se certificar de que não estava vendo um fantasma do passado. Seu coração gelou. Era realmente ela. Sentiu um frio estranho e nem estava frio no auditório, ao contrário, estava na temperatura adequada.

Ele ficou travado e sentiu o olhar dos presentes sobre ele, mas não conseguia parar de olhar a mulher que se afastava rapidamente. Sua respiração ficou lenta.

Era ela sim. A garota que tinha lhe dado dias incríveis. Agora era uma mulher.

Sua mente quase perdeu o foco do assunto e terminou o discurso como um robô, apenas lendo o que tinha escrito para a ocasião e depois aguardou ansioso até que o final chegasse para poder sair. Suas mãos até tremiam ao segurar o papel.

Com certeza algumas pessoas devem ter percebido, mas ninguém perguntou nada a ele.

Seus pensamentos voltaram aos dias em que passou ao lado dela e em tudo o que o fez sentir.

Os dias na praia, os passeios, as caminhadas. Até o dia em que a conheceu e ficou com suas amigas. Foi a única vez em que foi realmente feliz, antes de tudo virar de cabeça para baixo e ele ser obrigado a deixar sua vida pessoal em terceiro plano.

Não teve condições emocionais de resolver sua situação com ela e acabou perdendo contato. Isso o arrasou mais ainda do que já estava.

O tempo passou e as coisas foram se complicando ao ponto dele se perder.

Foi fraco nesse assunto e concentrou seu esforço apenas na família. Poderia ter feito mais, só não sabia como naquela ocasião.

Quando voltou ás pressas para casa, abandonou a única mulher que o quis por ele mesmo e não por sua herança. Eliana tinha sido sincera desde o começo. Ele não.

Sentiu remorso durante anos por nunca ter procurado por ela de novo, mas se enfiou de cabeça nos problemas da família. Não pôde nem mesmo se despedir do pai.

Quando chegou ao hospital na Itália ele já havia morrido, apesar de todo esforço da equipe médica. Os ferimentos causados pelo acidente foram muito profundos e não conseguiram salvá-lo. Sua mãe também estava em cirurgia há horas.

No final ele teve que cuidar da mãe que ficou em coma durante longos oito meses e mais um período de recuperação no hospital e em casa sob os cuidados de uma equipe médica. Somado a isso teve que assumir a direção dos negócios e lidar com todo o estresse e problemática causada pelo falecimento do seu pai.

Sua mente estava abarrotada de informações e cobranças. Era uma carga muito pesada.

Foi um período difícil demais em sua vida e tudo o que ele tinha eram as lembranças boas ao lado de Eliana. Contudo ele nunca voltou a procurá-la, não se sentia o mesmo de antes e não queria que se envolvesse na bagunça que se tornara sua vida, ainda que soubesse que tinha perdido a melhor coisa que lhe acontecera. Foi doloroso demais.

Quando tudo acabou e os funcionários deixaram o auditório ele chamou o gerente geral da agência e pediu os arquivos dos funcionários. Tinha que descobrir mais sobre ela.

_ Busca alguém em especial? – Ricardo perguntou.

_ Não realmente – mentiu _ Gosto de conversar com alguns funcionários para me enturmar com o que eles esperam da nova direção.

Não iria dizer que estava abalado por ter reencontrado a garota de seu passado que lhe deu dias perfeitos.

_ Ah, isso é ótimo. Muitos deles ficaram com medo de perder o emprego. Sabe como é...

_ Não pretendo despedir ninguém. A agência trabalha muito bem.

_ Obrigado. Será bom que ele saibam disso.

_ Vi uma mulher sair do auditório no começo da apresentação.

_ Eliana. Infelizmente se sentiu mal – fez um gesto com a cabeça _ É uma pessoa maravilhosa e uma excelente funcionária. Ela é muito querida aqui. Trabalha como assistente de imagens e vídeos. Quer que a chame?

_ Sim, por favor. Mande-a até minha sala.

Se fez de calmo, mas estava com os batimentos a mil por hora. Precisava se explicar para ela, mas sabia que talvez não o quisesse mais.

No entanto a vida lhe dava outra oportunidade, um reencontro com a única mulher que o fez desejar um futuro.

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