O sol ainda nem tinha subido direito quando meus olhos se abriram com um estalo. Virei na cama com cuidado e olhei para o lado. Nandinho dormia profundamente, a respiração suave e ritmada, e o rostinho corado já não parecia tão quente como na noite anterior.Toquei sua testa com delicadeza. Estava fresquinha.Sorri, aliviada.Levantei devagar para não acordá-lo e fui direto para o banheiro. Lavei o rosto, prendi o cabelo de qualquer jeito num coque e desci as escadas pisando leve, quase flutuando. A casa ainda estava em silêncio, com aquele cheirinho de manhã misturado ao aroma discreto do sabão da cozinha. O tipo de paz que só as primeiras horas do dia conseguem oferecer.Chegando à cozinha, abri a geladeira e peguei os ingredientes para o mingau favorito do meu pequeno. Ele amava o de aveia com banana amassada e um toque de canela — receita de família que aprendi.Enquanto a aveia cozinhava no leite, cortei a banana com capricho e dei uma olhada nas mensagens do celular, mas não res
Depois de um tempo, Nandinho despertou sorrindo e pedindo para brincar. Disse que queria montar o quebra-cabeça dos dinossauros. Minha mãe o ajudou a se ajeitar no tapete da sala, e eu fui buscar as peças.Ficamos nós três no chão por um bom tempo, montando dinossauros, errando algumas peças, acertando outras e rindo das nossas confusões.— Esse aqui parece o titio Gabby! — Nandinho falou, apontando para um dinossauro de óculos.— Pior que parece mesmo — respondi, gargalhando.— Mas o titio é legal. Ele me deu aquele carrinho que faz barulho de verdade!— É, ele adora mimar você — disse minha mãe.— Ele me chama de “meu campeão” ou de “meu super-herói”. Eu gosto disso.— E você é mesmo, meu amor — falei, beijando sua bochecha.Terminamos o quebra-cabeça quase na hora do almoço. Levei Nandinho para o quarto para trocar de roupa, e ele pediu para vestir a camiseta do super-herói preferido dele. Depois de pronto, desceu correndo (não sem antes levar minha bronca de leve por não ter esper
Assim que cheguei em casa, fui recebida por um Nandinho eufórico correndo até mim, com os braços abertos.— Mamãããããe! — ele gritou, se jogando no meu colo.— Meu amor! — respondi, apertando aquele corpinho gostoso contra o meu.Depois de encher ele de beijos, me joguei no tapete da sala com ele. Pegamos os carrinhos, e montamos a pista maluca de obstáculos. — Mamãe, você é a melhor corredora do mundo! — Nandinho falou, rindo enquanto nossos carrinhos batiam um no outro.— Claro, né? Aprendi com o melhor piloto de todos: você! — brinquei, fazendo cócegas na barriga dele.Ficamos um bom tempo naquela farra até que minha mãe apareceu na porta da sala, sorrindo com carinho.— Vamos dar um tempinho agora, meu amor. A sua mamãe precisa descansar um pouco — ela disse.— Tá bom, vovó — ele respondeu, ainda com o rosto iluminado de felicidade.Nandinho pegou suas coisas para colorir e começou a se concentrar. Subi para o meu quarto, precisava me arrumar para o jantar com Enzo, mas confesso
O clima começou a mudar. O vinho, as risadas, os olhares que demoravam mais do que deveriam. A tensão entre nós era quase palpável, eletrificando o ar. Um calor subiu pelo meu corpo, fazendo meu coração acelerar sem permissão.O jantar, que deveria ser apenas uma conversa amigável, estava ganhando contornos perigosamente sexy. E eu precisava puxar o freio antes que acabasee acordando na cama dele ou em algum quarto de motel. Respirei fundo, decidida. Apoiei a taça na mesa e o encarei com seriedade.— Enzo, tenho algo sério pra te contar — comecei, sentindo minhas mãos suarem.Antes que ele pudesse responder, uma voz fria e cortante atravessou o ambiente, cortando a nossa conexão como uma lâmina afiada.— Que decepção, Enzo.Virei o rosto em direção à voz. E lá estava ela. Heloíse.Parada à beira da nossa mesa como uma estátua de arrogância, impecavelmente vestida, olhando para mim como se eu fosse a sujeira embaixo do sapato dela.— Decepcionada por ver meu filho recusar um jantar co
O som das chaves girando na fechadura ecoou baixinho no corredor do meu apartamento. Entrei tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas o coração ainda batia descompassado no peito. Queria apenas um pouco de paz... uma trégua depois da noite catastrófica que tive.Assim que empurrei a porta, fui recebida por uma cena que aqueceu meu peito machucado: Nando, com os olhinhos semicerrados, quase dormindo no sofá, abraçado ao travesseiro pequeno que sempre levava para todos os lados. Quando me viu, os olhinhos brilharam e, num pulo desajeitado, ele correu até mim.— Mamãe! — gritou, sua vozinha carregada de saudade.Ajoelhei-me no chão, abrindo os braços para ele se jogar em mim. O abracei apertado, sentindo seu cheirinho de shampoo infantil e o calorzinho do seu corpinho pequeno contra o meu. — Estava com muita saudade de você, meu amor — murmurei contra seus cabelos macios.— Eu também, mamãe... — ele disse, com a voz embargada de sono, mas cheia de amor.O peguei no colo, sentindo
Enzo AlbuquerqueO som abafado do motor do carro parecia acompanhar o turbilhão dentro da minha cabeça. Minhas mãos apertavam o volante com força enquanto eu dirigia de volta ao restaurante, com o estômago revirando a cada quilômetro percorrido. Não consegui ficar em casa. Muito menos conseguiria dormir com toda a bagunça que havia acontecido naquela noite. Ana foi embora. E junto dela, se foi também a sensação de que ainda tínhamos alguma chance. Estacionei em frente ao restaurante. As luzes ainda estavam acesas, e era claro que minha mãe ainda estava lá, provavelmente regozijando-se pela vitória mesquinha que havia conquistado. Saí do carro, batendo a porta com força, e caminhei decidido até a entrada. O lugar estava vazio, o salão ecoava o som dos meus passos apressados. Encontrei minha mãe sentada em uma das mesas, mexendo no celular com a expressão de quem não tinha feito absolutamente nada de errado. — Espero que esteja satisfeita — falei, sem preâmbulos. Ela levantou
(Anos Atrás)Ana Luiza Martinelli A chuva castigava a cidade naquela noite, mas nada poderia se comparar à tempestade dentro de mim. O barulho das gotas contra o vidro da sala ecoava, abafando o som dos meus próprios pensamentos, mas não era o suficiente para silenciar a dor que se espalhava pelo meu peito.Meus dedos tremiam enquanto seguravam o celular, meus olhos fixos na tela, como se, a qualquer momento, aquela imagem fosse desaparecer. Como se, de alguma forma, eu pudesse acordar desse pesadelo.Mas a foto continuava ali. Ele continuava ali.Enzo.O homem que eu amava. O homem em quem confiei sem hesitar. O homem que, agora, estava estampado na tela do meu celular... com outra mulher.Ela sorria para a câmera, uma expressão de pura satisfação, e ele estava ao lado dela. Perto o suficiente para que qualquer desculpa fosse inútil. Seus braços envolviam sua cintura de um jeito íntimo demais para ser um mal-entendido.Meu coração batia forte, não por amor, mas por raiva, por incred
(Seis Anos Depois)Os corredores de vidro refletiam minha imagem conforme eu avançava, os saltos ecoando em um ritmo preciso, como um lembrete do caminho que trilhei até ali. O passado já não pesava mais sobre meus ombros, e a menina insegura, que uma vez trabalhou como auxiliar de serviços gerais para ajudar a família, agora não existia mais. No lugar dela, havia uma mulher confiante, determinada e, acima de tudo, implacável. Os funcionários desviavam o olhar quando eu passava, alguns cumprimentavam com um aceno respeitoso, outros cochichavam entre si, admirados ou intimidados. Eu sabia o que diziam,sabia o que pensavam. Ana Luíza Martinelli não era apenas a nova diretora-executiva, mas também a mulher que nunca aceitava um "não" como resposta. Meu nome já não estava vinculado à humildade do passado, mas à força que conquistei no presente. Ao entrar na sala de reunião, senti os olhares recaindo sobre mim. Alguns eram de respeito, outros, de inveja. Os diretores masculinos foram r