Ponto de Vista de MariaAs palavras fluíram de mim, ecoando pela clareira, e as repeti várias vezes na mesma ordem antes de me calar.Minhas respirações vaporizavam no ar frio da manhã, e a cada leve movimento que fazia, as feridas nas minhas costas doíam ferozmente em retaliação. Eu me sentia exausta enquanto observava os troncos com os olhos semicerrados, sentindo um vazio crescer em meu estômago quando nada aconteceu a princípio.As brasas brilhavam fracamente, mas se recusavam a pegar fogo, e enquanto os segundos se arrastavam, ouvi murmúrios baixos se espalharem pela multidão atrás de mim.Eles esticavam o pescoço para tentar ver o que estava acontecendo.O pensamento não me trouxe nenhum conforto, pois, se eu falhasse, eles poderiam continuar com suas vidas consolados pelo fato de que eu havia sido executada para o bem maior deles.Meus ombros caíram, e soltei um longo suspiro enquanto um sentimento de derrota se apoderava de mim.Foi nesse momento que ouvi o estalo da madeira pe
— Cuidado. — Ela avisou suavemente, ajudando-me a deitar na cama novamente. — Você vai acabar arrancando seus curativos.Ouvi o som de passos se aproximando momentos antes de a porta se abrir, e o médico da Alcateia entrou, deslizando suavemente até ficar ao meu lado.Sua expressão era pensativa enquanto me observava. Eu já o tinha visitado algumas vezes antes por pequenos arranhões e contusões, então essa não era nossa primeira interação, o que ajudou a me sentir mais relaxada sob seu olhar.— Como você está se sentindo?— Atordoada . — Resmunguei, e um canto de sua boca se levantou ligeiramente.— Isso deve ser por causa dos remédios que você está tomando. — Ele comentou, fazendo uma pausa para inspecionar a linha do soro conectada ao meu braço, e disse algo para seu assistente antes de continuar. — Você teve muita sorte de estar viva, mocinha. Por um momento, todos nós ficamos preocupados com o quão grave era sua situação.Suas palavras me atingiram de forma apagada enquanto ele con
Ponto de Vista de MariaO som forte dos meus nós dos dedos batendo na madeira ecoou pelo corredor vazio em que eu estava, e assim que deixei minha mão cair ao meu lado, ouvi a voz dele através das portas.— Entre.Tentei ignorar o arrepio que senti descer pela minha espinha ao ouvir aquele barítono rouco, endireitando meus ombros, e com um último suspiro profundo, girei a maçaneta para entrar.Quase assim que pisei no escritório, uma sensação de déjà vu me percorreu e parei para observar tudo ao meu redor. O espaço estava inalterado desde a última vez que estive aqui, pouco mais de um mês atrás, mas nesse intervalo de tempo, eu havia liderado a Procissão do Triunfo da Alcateia e quase perdido a vida no processo.Examinei cuidadosamente a sala inteira, deixando meus olhos vagarem até se contentarem, até que finalmente se fixaram no homem no centro da sala, sentado atrás de sua enorme mesa de carvalho.Minha respiração ficou presa assim que nossos olhares se encontraram.Samuel estava ve
Eu franzi a testa, lentamente saindo dos meus pensamentos para perceber que Samuel estava me encarando intensamente, como se estivesse tentando ler meus pensamentos.— Por quê? — Perguntei finalmente, e ele arqueou a sobrancelha.Era claro que ele não esperava que essa fosse minha primeira reação à revelação. Uma pequena parte de mim se sentiu satisfeita com isso.— Eu não queria que você morresse. — Ele respondeu depois de um tempo, recostando-se na cadeira do escritório para me olhar diretamente nos olhos.Desviando o olhar, baixei levemente o queixo.— Se isso fosse verdade, Alfa, você não teria deixado as coisas chegarem ao ponto que chegaram.Samuel riu das minhas palavras, e arrepios percorreram meus braços.— Pequena loba. — Ele disse. — Nem mesmo um Alfa pode fazer o que quiser quando bem entender. Isso seria indulgente. Perigoso.Meus nervos se agitaram com a sensação de que ele quase ronronou essa última palavra no meu ouvido, mas mantive minha expressão neutra.Forçando-me a
Ponto de Vista de Samuel— … Porque você quer me foder.As palavras de Maria foram como uma pequena bomba explodindo.Quando suas palavras afundaram, eu me enrijeci na cadeira e, dentro de mim, meu lobo se eriçou. Seus lábios se curvaram no início de um rosnado.— Desculpe? — Eu gritei enquanto minhas garras se cravavam no braço da cadeira, quase perfurando o plástico duro.Minha companheira se endireitou de sua posição inclinada, encontrando meu olhar de frente. Seus olhos brilharam com desafio enquanto ela me encarava, recusando-se a recuar.— A única razão pela qual ainda estou viva… — Ela repetiu lentamente, e um sorriso quase amargo surgiu em seu rosto enquanto continuava. — É porque você ainda quer me foder. Assim que isso acabar, serei descartada e…Felipe rosnou, e antes que ela pudesse terminar, eu já estava do outro lado da mesa. Em vez de ser pega de surpresa, nossa companheira reagiu, quase como se estivesse antecipando isso.Ela se levantou da cadeira para me encarar, assu
Levantei a mão, colocando-a novamente em seu ombro e ignorando o latido irritado de Felipe ao ver a marca vermelha em seu pescoço, deixada por uma mão.— Por que você me salvou? — Ela murmurou, esfregando o local, que eu sabia que estaria dolorido.Meus olhos seguiram os movimentos de suas mãos, e percebi que quase morrer a tinha mudado, talvez para sempre.Semanas atrás, Maria havia entrado neste escritório com os olhos arregalados, ingênua e tímida. Cada vez que nossos olhares se cruzavam, ela sempre desviava rapidamente. Mas a garota à minha frente agora parecia uma pessoa completamente diferente.Eu poderia ter quebrado seu pescoço com um simples movimento dos meus dedos, mas ela ficou na minha frente sem medo.— Porque você é um membro da minha Alcateia. — Eu disse.Maria balançou a cabeça, como se não estivesse satisfeita com minha resposta, e me vi acrescentando que sempre protegeria o que me pertencia.Seu olhar ardia enquanto ela me observava, os olhos brilhando com uma expres
Ponto de Vista de MariaNos dias após minha alta, ficou claro para mim que, apesar de ter provado o 'perdão' da Deusa da Lua, eu nunca me encaixaria ou seria aceita por eles.Olhares me seguiam onde quer que eu fosse, e em mais de uma ocasião as conversas paravam imediatamente assim que eu entrava em uma sala na casa principal da alcateia.Esses eram os mais gentis.Ouvi pessoas sussurrando sobre mim e vi algumas até apontando para as cicatrizes que cobriam minhas costas enquanto eu passava.Para eles, eu sempre seria a filha mestiça de um caso que meu pai teve com uma renegada ou um presságio de má sorte, e em todos os lugares por onde eu passava, sentia seus olhares queimando em mim.Onde isso teria me causado algum desconforto no passado, as coisas tinham mudado na forma como eu via o mundo agora.Eu mantinha meu queixo erguido, recusando-me a ignorar seu tratamento de mim como uma forasteira.Era um lembrete constante de que esse era o mesmo grupo de lobisomens que votaram pela min
Amanda também, nunca fazendo contato visual comigo. Parecia que o simples fato de eu ter sobrevivido era uma ofensa grande demais para eles superarem, mas decidi fincar o pé e cuidar de mim mesma, sem mais mendigar por migalhas de atenção como fiz durante toda a minha vida. Nunca mais.Ouvi Rosa murmurar algo quando se sentou à minha frente, mas fingi que não escutei. Eu tinha decidido ignorá-la desde que ela estragou o meu vestido da Procissão. Estava funcionando até agora. Peguei o controle remoto e aumentei o volume da TV, mantendo meus olhos na tela. Pelo canto do olho, percebi seu maxilar apertado e seu rosto corando.— Ah, você é grande demais pra falar comigo agora? — Ela disse, com o tom de quem se divertia. — Você se acha importante agora que se jogou para o nosso Alfa e...— Estou tentando assistir isso, Rosa. — Interrompi, seca. — Vai atormentar outra pessoa.O silêncio que veio depois me disse que minhas palavras a pegaram desprevenida. Ouvi sua risada curta e vi quand