CAPÍTULO SETE

“Usava o cabelo penteado e domado por brilhantina, mas o sorriso era o mesmo.  Travesso e rebelde. O sorriso que a acompanhou e torturou-a por meses. Não fizera a barba e parecia ainda mais alto e bonito assim de perto.”

“ A moça não conseguiu conter uma bufada de espanto, o que fez com que ele franzisse a testa, mas não tirasse aquele meio sorriso dos lábios.”

“Olhou para sua mãe e na hora soube que ela sempre soubera. Olhou para seu pai, como que lhe agradecendo e ele lhe piscou.”

Como puderam torturá-la por tanto tempo? Mas que surpresa!

- Rúbyl se sentia tão feliz, que ficou desinquieta. Mal esperou o padre terminar os rituais e quando ele perguntou se ela aceitava Nolff [este era seu nome], ela gritou um sonoro Sim, que fez todos os convidados rirem e seus pais se escandalizarem, sorrindo. Mamãe nunca se cansava de nos contar essa história, e nunca nos enjoavamos de a ouvir.

“E na hora do beijo dos noivos, Nolff teve que se abaixar para beijá-la, pois ela era diminuta perto dele. O beijo não foi simples, e como ela sonhara com aquilo! Seu cheiro era de almíscar, cheiro de homem maduro e experiente. Ouvindo-se um tossir de seu pai, que como os outros presentes, também acharam o beijo demorado, eles se separaram, mas não antes de ele dizer ao seu ouvido:

−Tenho esperado por isso desde a primeira vez que te vi.

“Rúbyl sentiu um frêmito e um arrepio que lhe subiu do pescoço as faces, corando-a. Ele também pensara nela?!”

- O casamento de meus pais foi arranjado sim, mas foram felizes desde o primeiro dia. - Disse-lhe o avô. − Os rapazes que lá tivera com Nolff no primeiro dia, eram seus irmãos mais novos, e seu pai avisara sua mãe para não contar á ansiosa filha, pois ela teria que aprender a conviver e controlar sua ansiedade. E quão bom foi à surpresa. Seu pai percebera no minuto que ela entrara pela porta com a bandeja, que havia feito uma boa escolha para a filha e que ela tinha concordado. Porém não levaria adiante se tivesse sido o contrário; Ela realmente podia contar com ele, que não a desapontaria.

"O mesmo digo a você agora, Siro" - Continuou o avô e o rapaz anuiu.

- Eu era o caçula na linhagem dos homens e sempre ouvindo essa história linda de amor de meus pais, e acredito que pela ansiedade e rebeldia que tenha talvez herdado de minha mãe, me era impossível ficar de braços cruzados quando tinha quase certeza de que ele a estava traindo.

 “Isso me doía no âmago; Como ele poderia jogar fora um amor tão perfeito? Eles tinham cinco filhos e se mostravam tão carinhosos um com o outro. Eu naquela época, tinha raiva de minha mãe não perceber ou ignorar abertamente as ausências de meu pai.”

“Um dia, logo pela manhã, em uma de suas voltas que duraram dois dias, ele estava no estábulo selando um cavalo para minha irmã caçula que aprendia a montar; Cheguei e disse que queria falar com ele de homem para homem!”

“Ele me olhou de cima a baixo, com o que acredito seja o sorriso rebelde, a marca registrada de que minha mãe tanto falava e que fizera com que ela se apaixonasse por ele, mas comigo não funcionaria. Eu amava minha mãe e não iria permitir que ele denegrisse sua imagem e a magoasse.”

“Ele passou a obrigação do ensino de minha irmã para o cuidador dos cavalos e pediu que eu escolhesse um cavalo e subimos uma colina, ambos em nossos cavalos.”

“No topo da colina, era onde melhor se via nossa fazenda e era uma imagem admirável. Eu adorava passear ali com meus irmãos e irmãs, e mamãe sempre nos levava para fazermos piquenique, mas hoje estávamos ali, só papai e eu para uma conversa de homens.”

− Você é muito parecido com sua mãe. - Me disse ele assim que desmontamos e sentamos na relva − Sua ansiedade precisa ser dominada.

− Você está sendo infiel á ela? - Foi à primeira coisa que perguntei, eu não havia planejado o que iria dizer, mas foi isso que saiu. Isso estava consumindo meus dias.

− Não, eu nunca magoaria sua mãe e ela sabe disso - Respondeu meu pai; Ele estava sentado com os joelhos dobrados á sua frente e tinha um fiapo de gramado na boca, usava uma camisa xadrez e jamais gostou de ter os cabelos curtos ou fazer a barba. Quando fiz a pergunta, percebi que seu queixo endureceu, mas ele respondeu sério e rápido que não, e acreditei nele, como meu avô houvera acreditado. Um peso saiu de minhas costas, mas eu ainda tinha perguntas:

− Para onde o senhor vai e fica por dias? Ela se sente só quando você não vem, olha pela janela todos os dias e a noite fica sentada á janela de seu quarto até não mais aguentar. Mas se acende quando você volta. Por que você vai? E para onde você vai? - Perguntou exasperado o rapaz.

− Para aqui! - Respondeu calmamente o pai − Exatamente, para ser mais exato, ali naquela árvore - E apontou para uma árvore frondosa a uns cinco metros de distância.

- Esperei ter essa conversa com você, Ícaro um pouco mais tarde, porém você, como a sua mãe, não sabem esperar - Continuou o pai − Somos os escolhidos, acredito, falarei com você e espero que não me interrompa até que eu termine. - O filho, ansioso, chacoalhou a cabeça em sinal de concordância.”

- Eu poderia ter escolhido um de seus irmãos que são mais velhos, mas fui adiando; talvez me negasse a fazer o inevitável, ou por saber que ainda tinha você. Não sei, mas acredito que seja você o escolhido.

“Filho, há um mundo paralelo ao nosso que se chama Sanvay; e é para esse mundo que vou quando estou ausente por aqui.”

− A mamãe sabe? - Interrompeu o garoto, mesmo tendo sido alertado para não o fazer. Mas não deu mostras de descrença, de que houvesse mesmo um mundo paralelo ao nosso. Lembrou-se também que o pai os proibia de chegar próximo à árvore, pois dizia que ela puxava raios, e isso foi o suficiente para amedrontá-los para não chegaremnem próximo á arvore.

− Espero filho, sinceramente que essa seja sua última interrupção - Alertou-o pai − E não, sua mãe não sabe, mas sabe que eu jamais a traí. Sua mãe e eu nos amamos desde que nos conhecemos, e ela sempre confiou em mim. Ela sabe que não lhe fui, nem serei infiel, e isso para ela basta. Não me questiona, pois confia em mim.

“Sanvay é antiga e existem poucas pessoas que moram lá ...  São como vilarejos. Somente pessoas da mesma linhagem, ou do mesmo sangue podem fazer o que chamamos de passagem para lá. Não se sabe como começou nem porquê, muito menos quem foi o primeiro a ir para lá.”

“Lá é um mundo diferente desse, em costumes e regras. Em tudo. No começo é difícil se adaptar, mas você sempre quer voltar, não sei o motivo, mas você volta e volta. Comecei a ir pra lá um pouco mais velho que você, eu tinha 19 anos na minha primeira viagem.”

“O que posso te dizer? É viciante. Lá existem pessoas maravilhosas, como também as que você tem que evitar. Sinto que essa passagem exista para que de alguma forma os ajudemos, eu acabo indo para lá mais vezes até do que poderia, mas a cada vez se torna mais necessário minha presença, eles não conhecem nosso mundo.”

“Sanvay é diferente e tem uma magia que nos hipnotiza como você ir á uma festa ou á casa de parentes adoráveis e não quer mais voltar; lá é sempre assim, e só volto porque tenho e amo vocês. Há uma senhora lá, que é a matriarca, ela se chama Carita, e apesar de ser rígida, às vezes até impiedosa, todos a respeitam. As pessoas, ou a amam, ou a odeiam, mas todos a respeitam por ser a mais velha de lá. No início eu tinha medo dela, e achei que faria parte da segunda opção. A de odiá-la, mas passei a amá-la e hoje somos amigos.”

“Como eu disse, não sabemos por que existe esse lugar, bem como eles também não sabem por que existimos aqui. Talvez haja, como diz Cárita, outros lugares que não só nós e eles, mas no momento, sei que existem esses dois. E para mim, é o que basta ... Sinto-me feliz por ter conhecido Sanvay, me sinto privilegiado de poder fazer parte dos dois mundos, porém, amo os dois.”

“O que você precisa saber basicamente sobre Sanvay:” - continuou seu pai.

− Você jamais contará a outra pessoa sobre esse lugar! Nem a sua mãe e nem a seus irmãos, amigos ou parentes. Absolutamente a ninguém!  Isso é importante que você saiba, ou a porta para a passagem se fechará e perderemos o direito, e as próximas gerações, nossos descendentes, não a conhecerão tampouco, acabará para nós.

“Você fará a passagem, pois agora sabe dela. Lá existem pessoas, povoados distantes um do outro, que precisarão de você!  Você nunca é escolhido a toa. É uma dádiva filho, poder ir e voltar; Acredito e repito, que eles precisem de nós.”

“Advirto-o  também, de  que Sanvay é meio místico, não é como o nosso mundo, estejas preparado. Alguns detém poderes que eu não conseguiria te explicar, você terá que ver com seus próprios olhos. Cárita precisa de nossa ajuda, e tenho ajudado da forma que posso, pois tenho vocês aqui para voltar e cuidar; Esse é um dos motivos que não queria ter contado a você tão cedo, você ainda é jovem e á partir do momento que você começar a fazer a passagem, não poderei mais te ajudar, você estará por conta própria e me sucederá. Não pode se fazer a viagem os dois, ainda que da mesma linhagem.”

"Como posso te dizer, há também lá, dragões!"-  Disse - lhe.

O rapaz arregalou os olhos que fez com que o pai risse, mas não o interrompeu, por mais que era o que mais quisesse fazer. 

− Como eu disse, é uma terra mística. Eles ficam encabulados também quando digo que aqui temos cavalos e vacas; é inacreditável para eles o nosso mundo. Em alguns lugares lá, não chove o suficiente. Por isso gosto tanto quando chove aqui e saio na chuva mesmo quando está frio.

"Não em todos os lugares, é claro, mas onde estou, como eu costumo dizer, aquartelado, chove pouquíssimas vezes por ano. Isso é difícil, pois dificulta o plantio, alimentação e essas coisas básicas que não damos valor, e que vem com a chuva."

“Há uma espécie de hierarquia, como também há aqui, de pessoas que detém mais poderes que outros, e vivem com dificuldades como todos vivem por aqui também. Sei lá, hahaha talvez devêssemos também tentar ajudar desse lado, mas aqui é tão imensamente maior que lá, que nem sei se daria para notar. Bem, mas já me desviei do assunto, como eu dizia, existem alguns povoados distantes uns dos outros e que não se dão muito bem. Como eu disse, onde “ moro’’ lá,  por assim dizer,  chove-se pouco, e nossa luta principal,  é conseguir obter água. A chuva lá  é mais valioso que o ouro por aqui, bem mais, pois vivemos sem o ouro, não é? Porém sem chuva, já é outra história.”

"Não podemos levar nada daqui, antes que você pergunte! Há um lugar lá chamado Ctasraíle, parece meio impronunciável, mas a gente se acostuma. Nesse lugar costuma-se chover quase toda semana; Eles tem de tudo lá, suas plantações são invejáveis, seus animais [Lá, há alguns animais muito diferentes daqui], são saudáveis, até mesmo a saúde deles, é melhor."

“Diz o imperador desse lugar, eu o chamo assim, pois ele é quem impera lá, chama-se Ungozu, que não pode dividir a água com os outros, pois defasaria para o seu povo. Não sabemos se é verdade, mas ele nunca quis sequer ouvir o que qualquer um tenha a dizer sobre isso, e olha que inúmeras tentativas foram feitas nesse sentido.”

“Acho seu tipo de reinado meio tirano, dizem que o que antecedeu ele, era mais maleável, porém pensava como ele e não gostava de dividir a chuva, que é como dizem por lá. Pode ser que eles estejam certos em não dividir, pois pode ser que não daria para todos, mas eu tentaria mesmo assim, se eu pudesse escolher. Acho injusto que tantos sofram e até morram, enquanto outros se banqueteiam.”

“Temos alguns dragões, como eu disse.  Nós os chamamos de Fiilts, e não dragões, temos alguns que nos ajudam na questão da água. Os que têm á vontade, não podem controlar ela caindo do céu, entende? Então alguns de nossos Fiilts, voam o mais alto que podem e nos trazem o máximo que conseguem. Mas há os Fiilts de Ungozu que tentam impedir, então é difícil e complicado a busca por água. Ungozu acha que um dia a chuva cessará para todos e enquanto isso, estoca e tenta coibir que tentemos também chegar até ela.”

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