NICHOLAS Não sei se a palavra certa é ódio, mas é isso que sinto desde o momento em que a vi com outro. Pensando bem, talvez ela também me despreze. Afinal, eu fui embora sem me despedir, sem dar uma explicação, depois de pedir que ela me esperasse no nosso lugar secreto.Prometemos que estaríamos juntos. Mas a traição dela... essa eu não consegui perdoar.E, ainda assim, me pego pensando…O que ela queria me dizer naquele dia?Será que havia uma explicação plausível para o que vi? Ou pior… será que me precipitei?Por que diabos estou tendo esses pensamentos?Sempre acreditei que a conhecia por completo. Ela costumava seguir minhas orientações, trocávamos confidências o tempo todo. Eu sempre tive o controle. Como não percebi que Sarah já não era a mesma?Deveria ter notado os sinais. O desinteresse. A distância. A falta de desejo por mim. Mas… a maneira como se entregava, os sons que escapavam dos seus lábios… era tudo real? Ou apenas uma ilusão que escolhi acreditar?Desde que chegu
NICHOLASEmma sempre foi minha fortaleza. Desde que entrei nesta casa, quando ainda era um garoto ferido pelos abusos constantes do meu pai, foi ela quem me acolheu. Agora, a mansão é minha. Tomei posse do que me pertence e enviei aquele homem para bem longe. Mas, apesar da distância, o ressentimento que carrego dentro de mim não desaparece tão facilmente.Emma insiste que preciso deixá-lo para trás, mas como se esquece uma cicatriz que ainda queima? Ela pode não ter o mesmo sangue que ele, mas, de certa forma, teve uma sorte que eu nunca tive. Meu pai sempre a tratou com carinho ironia cruel da vida. Ela chegou aqui já adolescente, rejeitada pelo próprio pai biológico, e mesmo assim encontrou nele algo que eu jamais conheci: afeto.Enquanto eu me atirei nos negócios para superar a raiva, ela construiu sua própria vida, longe da sombra do nosso pai. Nunca quis nada que viesse dele. Hoje, é uma mulher independente, dona de um empreendimento bem-sucedido, uma guerreira.Meu celular vib
NICHOLASNão faço ideia do motivo que me levou a concordar com essa viagem ao Brasil. Fechar esse acordo é importante para os negócios, mas a simples ideia de voltar àquele lugar me dá nos nervos.Talvez seja loucura. Algum tipo de distúrbio. Foi o que as crianças do orfanato costumavam dizer. Elas achavam que eu era estranho, principalmente por estar sempre ao lado de Sarah.Mas o que elas sabiam sobre a vida?Sarah era a única coisa boa naquele inferno. Passar meu tempo com ela fazia tudo parecer menos cruel. Ela era minha paz em meio ao caos.Agora, anos depois, estou prestes a pisar naquele país de novo. E tudo já está preparado. O hotel foi reservado, os compromissos estão alinhados, e minha mala está pronta para essa maldita viagem.Mas como se isso não bastasse, Manu decidiu que quer ir junto.Isso complica tudo.Tenho quase certeza de que ela não sabe que David também vai. E se soubesse, talvez pensasse duas vezes antes de insistir.Minha irmã sente algo por ele. Isso está óbv
SARAHA cozinha está fervilhando de atividade. O calor intenso dos fogões, o tilintar dos utensílios e o aroma marcante das especiarias preenchem o ar, criando um ambiente caótico, mas deliciosamente familiar para mim. Este é o meu reino, onde dou vida a pratos que encantam paladares exigentes.Hoje, o restaurante está lotado. Visitantes de fora vieram experimentar as iguarias mais refinadas do cardápio, e a responsabilidade de preparar esses pratos está inteiramente sobre mim. Cada detalhe precisa ser impecável, pois qualquer deslize pode comprometer a reputação deste lugar.— Sarah, hoje parece que vai ser animado, hein? Olha o tamanho dessa mesa! Deve ter lugar para umas vinte pessoas! Vamos trabalhar bastante hoje — diz Sabrina, minha colega de trabalho, cheia de energia.— Sim, e os pratos que estou preparando são os mais caros do cardápio. Hoje o restaurante vai faturar mais do que em qualquer outro dia… Melhor para nós, que ganhamos uma boa comissão — respondo, concentrada em f
SARAH Deixa eu parar de pensar na loucura de Alexander e falar sobre o que amo cozinhar.Desde criança, sempre ouvi dizer que a comida tem o poder de contar histórias. E, se existe um lugar onde cada prato carrega memórias, é Pernambuco. Aqui, a culinária não é apenas uma refeição, mas um elo entre passado e presente, uma herança que resiste ao tempo e se reinventa a cada geração.Eu nunca tive mãe ou avó para me ensinar as receitas de família, mas tive as tias do orfanato. Elas não apenas me ensinaram a cozinhar, mas a sentir cada ingrediente como parte de um legado que deveria ser respeitado. Em tempos de festividade, tia Mara e tia Vanda traziam mantimentos de suas próprias casas para preparar iguarias que nos faziam esquecer, ainda que por um instante, a solidão que crescia nos cantos daquele lugar.Lembro da primeira vez que provei um bolo de rolo de verdade, feito com paciência e precisão. As camadas finíssimas de massa abraçavam a goiabada como se fossem fios de um destino já
SARAHO restaurante já está em plena atividade quando finalizo os últimos pratos salgados. Eles estão organizados em uma ampla estufa de vidro, garantindo a temperatura ideal e a preservação dos sabores. A estratégia de preparar tudo com antecedência evita atrasos e proporciona uma experiência impecável para os clientes. No entanto, isso não diminui a pressão sobre mim. Cada prato deve sair perfeito, sem margem para erros.As saladas, claro, são montadas na hora. Os saladeiros já estão a postos, prontos para atender aos pedidos específicos de cada cliente. Sei que alguns optaram pelo risoto de limão siciliano com salmão, enquanto outros preferiram o peixe grelhado acompanhado de purê de batata e arroz à grega. Tudo foi planejado minuciosamente para que a execução seja impecável.Mas, por mais que eu tente manter o controle, há sempre um imprevisto.— Chef Sarah, um dos garçons acabou de derramar um prato inteiro na mesa do cliente! — avisa uma das cozinheiras, aflita.Respiro fundo, s
SARAHComo pode uma pessoa passar tanto tempo sem interagir sexualmente e, quando finalmente o faz, não sentir absolutamente nada? Não deveria ser o contrário? O desejo reprimido explodindo, a necessidade se tornando insaciável? Mas não. Foi como beijar o vento, tocar o vazio. Uma experiência mecânica, sem qualquer emoção, sem qualquer vestígio de prazer.Talvez seja uma maldição. Uma punição imposta pelo ingrato que partiu sem se despedir, levando consigo mais do que deveria. O pior é que não posso culpá-lo. Encontrou seu pai. Um reencontro que eu jamais impediria. Eu aceitaria, compreenderia. Sentiria saudades, claro, mas ao menos teria a certeza de que ele estava bem.O problema é que eu não tenho essa certeza.Penso nisso mais vezes do que gostaria. Tento me convencer de que sua ausência não deveria afetar tanto. Mas as noites vazias e os dias monótonos me mostram o contrário. Dedicar meu tempo ao ingrato? De forma alguma. Melhor focar nas minhas conquistas e no que realmente me t
SARAHSaio da cozinha ajeitando o chapéu alto e branco sobre minha cabeça. Meu avental ficou para trás, não era apresentável o suficiente para essa ocasião. Respiro fundo, ajusto minha postura e sigo em direção à mesa principal, onde o senhor García me aguarda com um sorriso acolhedor.— Aqui está a nossa talentosa chef, a responsável por todas essas iguarias deliciosas — anuncia ele, com um brilho de orgulho nos olhos. — Posso assegurar que ela é uma das chefs mais renomadas da atualidade.Meus olhos percorrem a mesa, absorvendo rostos e expressões. Algumas são novas, outras familiares, mas uma em particular me atinge como um soco no estômago. Meu corpo trava, minha garganta seca e um calafrio percorre minha espinha.Eu conheço esse homem.Não é possível. Deve ser um terrível pesadelo. A única explicação lógica.O que ele está fazendo aqui? Como me encontrou? Seria apenas uma coincidência cruel do destino?Os anos passaram, mas eu jamais esqueceria aquele rosto. Ele mudou, mas aind