SARAH Deixa eu parar de pensar na loucura de Alexander e falar sobre o que amo cozinhar.Desde criança, sempre ouvi dizer que a comida tem o poder de contar histórias. E, se existe um lugar onde cada prato carrega memórias, é Pernambuco. Aqui, a culinária não é apenas uma refeição, mas um elo entre passado e presente, uma herança que resiste ao tempo e se reinventa a cada geração.Eu nunca tive mãe ou avó para me ensinar as receitas de família, mas tive as tias do orfanato. Elas não apenas me ensinaram a cozinhar, mas a sentir cada ingrediente como parte de um legado que deveria ser respeitado. Em tempos de festividade, tia Mara e tia Vanda traziam mantimentos de suas próprias casas para preparar iguarias que nos faziam esquecer, ainda que por um instante, a solidão que crescia nos cantos daquele lugar.Lembro da primeira vez que provei um bolo de rolo de verdade, feito com paciência e precisão. As camadas finíssimas de massa abraçavam a goiabada como se fossem fios de um destino já
SARAHO restaurante já está em plena atividade quando finalizo os últimos pratos salgados. Eles estão organizados em uma ampla estufa de vidro, garantindo a temperatura ideal e a preservação dos sabores. A estratégia de preparar tudo com antecedência evita atrasos e proporciona uma experiência impecável para os clientes. No entanto, isso não diminui a pressão sobre mim. Cada prato deve sair perfeito, sem margem para erros.As saladas, claro, são montadas na hora. Os saladeiros já estão a postos, prontos para atender aos pedidos específicos de cada cliente. Sei que alguns optaram pelo risoto de limão siciliano com salmão, enquanto outros preferiram o peixe grelhado acompanhado de purê de batata e arroz à grega. Tudo foi planejado minuciosamente para que a execução seja impecável.Mas, por mais que eu tente manter o controle, há sempre um imprevisto.— Chef Sarah, um dos garçons acabou de derramar um prato inteiro na mesa do cliente! — avisa uma das cozinheiras, aflita.Respiro fundo, s
SARAHComo pode uma pessoa passar tanto tempo sem interagir sexualmente e, quando finalmente o faz, não sentir absolutamente nada? Não deveria ser o contrário? O desejo reprimido explodindo, a necessidade se tornando insaciável? Mas não. Foi como beijar o vento, tocar o vazio. Uma experiência mecânica, sem qualquer emoção, sem qualquer vestígio de prazer.Talvez seja uma maldição. Uma punição imposta pelo ingrato que partiu sem se despedir, levando consigo mais do que deveria. O pior é que não posso culpá-lo. Encontrou seu pai. Um reencontro que eu jamais impediria. Eu aceitaria, compreenderia. Sentiria saudades, claro, mas ao menos teria a certeza de que ele estava bem.O problema é que eu não tenho essa certeza.Penso nisso mais vezes do que gostaria. Tento me convencer de que sua ausência não deveria afetar tanto. Mas as noites vazias e os dias monótonos me mostram o contrário. Dedicar meu tempo ao ingrato? De forma alguma. Melhor focar nas minhas conquistas e no que realmente me t
SARAHSaio da cozinha ajeitando o chapéu alto e branco sobre minha cabeça. Meu avental ficou para trás, não era apresentável o suficiente para essa ocasião. Respiro fundo, ajusto minha postura e sigo em direção à mesa principal, onde o senhor García me aguarda com um sorriso acolhedor.— Aqui está a nossa talentosa chef, a responsável por todas essas iguarias deliciosas — anuncia ele, com um brilho de orgulho nos olhos. — Posso assegurar que ela é uma das chefs mais renomadas da atualidade.Meus olhos percorrem a mesa, absorvendo rostos e expressões. Algumas são novas, outras familiares, mas uma em particular me atinge como um soco no estômago. Meu corpo trava, minha garganta seca e um calafrio percorre minha espinha.Eu conheço esse homem.Não é possível. Deve ser um terrível pesadelo. A única explicação lógica.O que ele está fazendo aqui? Como me encontrou? Seria apenas uma coincidência cruel do destino?Os anos passaram, mas eu jamais esqueceria aquele rosto. Ele mudou, mas aind
SARAHAo entrar em casa, as lágrimas continuam escorrendo livremente pelo meu rosto, como se meu coração tivesse sido partido mais uma vez. Tento controlar o choro, mas é impossível. O impacto de vê-lo novamente me atingiu como um vendaval.Eu preferia nunca mais ter cruzado com ele.Não posso permitir que ele descubra sobre minha filha. De jeito nenhum. Mas é evidente que ele sequer teria interesse em saber ele nunca se importou de verdade comigo.Absurdo!Ao atravessar a sala, avisto o casal abraçadas no sofá, sorrindo diante da televisão. O aconchego da cena me atinge em cheio, despertando uma dor profunda dentro de mim. Mas, no instante em que elas percebem meu estado, saltam de seus lugares, alarmadas.— Ei, o que aconteceu? — Fernanda me encara com olhos cheios de preocupação antes de seu rosto se transformar em pura fúria. — Aquele desgraçado fez alguma coisa com você? Se fez, eu juro por Deus que acabo com ele com as minhas próprias mãos!Seu tom ameaçador me faria rir em qual
NICHOLASEu devo estar tendo uma alucinação. O destino, cruel e irônico, parece determinado a me atormentar. Dentre todos os lugares do mundo, era aqui que eu tinha que encontrá-la? Logo ela, a mulher que eu passei anos tentando esquecer, mas que ainda assombra meus pensamentos.E, para minha surpresa, ela não é apenas uma funcionária qualquer. Não, isso seria simples demais. Ela é a chefe do estabelecimento.Que reviravolta injusta.Como ela conseguiu esse cargo de maneira justa? Ou seria mais uma de suas manipulações?Se eu soubesse que ela estava aqui, jamais teria colocado os pés nesse restaurante. Eu teria escolhido outro lugar, qualquer outro lugar. Mas agora já é tarde. O cheiro da comida, o sabor familiar do tempero... é ela.E então, a vejo.O coração bate com uma força insuportável contra o peito. A raiva e a saudade se misturam em um cóctel explosivo de emoções. Odeio o que ela fez comigo, odeio o que ela se tornou para mim. Mas não posso negar: ela está ainda mais deslumbr
NICHOLASJá no hotel, busco refúgio em doses generosas de álcool. Mas nem mesmo a bebida é capaz de apagar a fúria que me consome. O gosto amargo do passado ainda está em minha língua, misturado ao desejo cruel de vingança.Já se passaram anos, mas o ódio continua ardendo em meu peito como se tudo tivesse acontecido ontem.Minha irmã demonstrou interesse em sair, mas eu estava focado em beber e encontrar uma mulher para me envolver até me distrair completamente. Precisava afastar aquela maldita da minha mente, mas o álcool e o prazer momentâneo nunca foram suficientes para apagar as cicatrizes que ela deixou.Ok, eu lembro de tudo. Acho que meu ódio por ela não me faz esquecê-la.Logo, minha irmã invade meu quarto, determinada. — O que aconteceu naquele restaurante com aquela mulher? Me conta agora, ou eu vou descobrir sozinha, me ouviu, Nicholas? Ela estava gelada, tremendo, como se tivesse visto um fantasma ou fosse ter um ataque cardíaco. Então, me conta tudo e não esconda nada.Se
NICHOLASEu me sinto um fracassado, sinceramente.É estranho ouvir meus funcionários me descreverem como controlador e arrogante, pois mal consigo controlar minhas próprias emoções diante do turbilhão que me consome ao pensar nela. A mulher que amei com cada parte do meu ser… e que me destruiu sem hesitar.Qual homem derrama lágrimas por uma traidora?Apenas eu.Que tormento!O homem que tem controle sobre negócios milionários, decisões estratégicas e riscos calculados está aqui, sozinho, se afogando em mágoa. Até agora, ainda não compreendo como ela pôde me magoar dessa maneira. Éramos inseparáveis. Confiávamos um no outro. Ou pelo menos, era o que eu pensava.— Meu irmão, será que tudo o que aquele garoto disse sobre ela era verdade? Como isso pôde acontecer? Ela ter feito uma aposta para perder a virgindade… soa muito estranho. Acho que você devia ter conversado com ela, saber o que ela tinha a dizer.Emma, minha irmã mais velha, me encara com aquele olhar analítico e sereno. Mas o