Capítulo 1
SARAH Fui abandonada logo após nascer, sem jamais ter conhecido meus pais biológicos. Até hoje, não sei o motivo pelo qual minha mãe me deixou. Ela simplesmente desapareceu, me deixando à mercê do destino. O que leva uma mãe a abandonar o próprio filho? Essa pergunta ecoa na minha mente diariamente, mas até agora, nunca encontrei respostas. Cresci no orfanato Santa Marta, em Campo Grande, Recife. As tias sempre disseram que fui deixada na porta, ainda recém-nascida, enrolada em um cobertor velho. Esse orfanato é o único lar que conheço. Não tenho irmãos, tios, primos ou qualquer outro laço sanguíneo. Minha única família são as outras crianças que, como eu, aguardam pelo dia em que alguém aparecerá para nos levar para casa. Mas esse dia nunca chegou para mim. Aqui dentro, a vida nunca foi fácil. Algumas tias são boas, outras, nem tanto. Já fui maltratada, ignorada e até mesmo agredida sem motivo. Algumas vezes, fiquei sem comer por castigo. Quando era mais nova, não entendia por que algumas delas pareciam me odiar tanto. Hoje, compreendo que há pessoas que simplesmente carregam maldade no coração e escolhem despejá-la nos mais fracos. A pior de todas ainda está aqui. Ela nunca se foi. Se pudesse, já teria me expulsado. Sinto isso em seu olhar, em sua voz fria quando se dirige a mim. Mas o que mais me assusta não é o desprezo dela, e sim os segredos que tento ignorar. Uma vez, escondida atrás de uma porta, vi essa mesma tia recebendo dinheiro de um casal. Minutos depois, eles saíram com uma criança nos braços. Fiquei paralisada, incapaz de processar o que havia acontecido. Seria apenas uma doação? Ou aquilo era algo mais? Nunca falei sobre isso com ninguém. Nem mesmo com meu melhor amigo. Algo me diz que saber demais nesse lugar pode ser perigoso. O tempo passou, e uma verdade cruel se tornou evidente: quando casais vêm ao orfanato em busca de uma criança, eles sempre escolhem as mesmas. Meninas de olhos claros, pele clara, cabelos sedosos. E eu? Sou sempre ignorada. — Oxe, gente preconceituosa só atrapalha! — murmuro, irritada. A maldade no mundo é alimentada pelo preconceito racial, e dentro dessas paredes não é diferente. Se minha pele fosse mais clara, será que eu já teria sido escolhida? Será que teria uma casa, uma família, alguém para chamar de "mãe"? Dói pensar nisso. Dói saber que algo tão superficial como a cor da minha pele define o meu destino. Ainda assim, me agarro à única coisa que pode me levar para longe desse lugar: os estudos. Aqui, temos uma escola improvisada dentro do próprio orfanato. Os professores são dedicados e fazem o possível para nos oferecer um futuro, mesmo sabendo que poucos de nós terão a chance de alcançá-lo. A professora Fabiana é minha favorita. Ela não apenas ensina, mas também nos trata com respeito, como se fôssemos importantes. Ela me inspira a continuar, a sonhar, mesmo quando tudo parece perdido. — Você tem um futuro brilhante, Sarah — ela sempre me diz. — Não deixe ninguém convencê-la do contrário. Eu quero acreditar nela. Quero acreditar que um dia poderei sair daqui e construir uma vida para mim. Mas, no fundo, uma voz me assombra, sussurrando que o mundo lá fora não é tão diferente daqui dentro. E se ninguém nunca me quiser? E se eu estiver condenada a ser invisível para sempre? Os dentistas e médicos que nos atendem aqui são voluntários, e acredito que fazem parte de uma ONG. Sempre me pergunto o que realmente significa ser parte de uma organização como essa. Se mais pessoas fossem altruístas como os voluntários que nos ajudam, o mundo seria um lugar mais justo e humano. Mas a realidade fora dessas paredes não é tão generosa. Agradeço a Deus por ter despertado em mim essa paixão pelos estudos. Sonho em um dia ingressar na universidade e conseguir um bom emprego, algo que me traga satisfação e orgulho. Sei que o conhecimento pode abrir portas que, de outra forma, permaneceriam fechadas para alguém como eu. Neste orfanato, apesar de todas as dificuldades, temos o básico para sobreviver: abrigo, educação e um mínimo de apoio. Sem isso, não sei onde estaríamos. Talvez nas ruas, enfrentando uma realidade ainda mais cruel. Ou pior, talvez nem estivéssemos vivos para contar nossas histórias. Ouço relatos terríveis sobre crianças que vivem nas ruas, sendo exploradas, passando fome e frio. Em meio a essa realidade, deveria me sentir sortuda por estar protegida aqui. Mas segurança não significa felicidade. O que mais me dói não é a fome ou o medo do futuro. É a solidão. As outras meninas me evitam. Elas formam grupos e me excluem como se eu fosse invisível. Algumas são mais velhas, outras mais novas, mas todas parecem compartilhar um pensamento: eu sou diferente delas. Até aquelas que têm a pele escura, como a minha, me olham com desprezo. Como se, de alguma forma, minha presença incomodasse. Como se eu fosse um erro. O que há de tão errado comigo? Ser rejeitada sem motivo me faz questionar quem eu sou. Será que minha cor de pele me torna menos digna de amizade? Será que sou tão diferente assim? A resposta parece ser óbvia para elas, mas para mim, é um enigma doloroso. Apesar disso, há uma amizade que me mantém firme. E sei que ela é recíproca. Talvez seja esse laço que desperta a inveja e a raiva das outras. Ele. Meu melhor amigo. Meu refúgio. Meu porto seguro. Ele tem a pele clara e olhos azuis que parecem enxergar além do que mostro ao mundo. Chegou ao orfanato quando tinha seis anos. Achei que ele seria adotado rapidamente. Afinal, crianças como ele costumam ser as primeiras a serem escolhidas. Mas, por algum motivo, ele continua aqui. Assim como eu. Já se passaram dezesseis anos desde que fui deixada neste lugar. O tempo está passando rápido demais, e um pensamento me atormenta: o que será de mim quando chegar aos dezoito? Para onde irei? A ideia de ser expulsa do abrigo me aterroriza. Quando atingimos a maioridade, somos obrigados a partir. Alguns vão para instituições temporárias, mas a maioria simplesmente some no mundo. Eu não quero perder meu amigo. E, mais do que isso, não quero perdê-lo para um destino incerto. Ele sempre esteve ao meu lado. Sempre me protegeu. E mesmo sendo mais reservado, seu carinho transborda em pequenos gestos. — Olá, minha linda! Como você está? Sempre que ele me chama assim, sinto meu coração acelerar. "Linda". Eu não estou acostumada a ouvir palavras gentis dirigidas a mim. Mas quando vêm dele, soam diferentes. Me aquecem por dentro. Ele é magro, usa óculos de lentes grossas e já foi alvo de provocações cruéis. As crianças o chamavam de "extraterrestre", zombavam de sua aparência. No passado, ele chorava por isso. Hoje, apenas ignora. Mas eu vejo. Vejo a dor por trás do silêncio. Vejo que, apesar da aparência frágil, ele carrega uma força que poucos percebem. E é essa força que me mantém de pé. Porque, no fundo, sei que ele é a única pessoa que realmente me vê. E se um dia ele for embora… o que restará de mim? Para mim, sua aparência nunca foi um problema. Enquanto as outras meninas o ignoram, eu o vejo como o mais bonito de todos. Seu cabelo bagunçado, os óculos de lentes grossas que escorregam pelo nariz e aqueles olhos azuis que sempre me observam com atenção... Para mim, ele é lindo, com seus óculos e tudo. Mas mais do que isso, ele é a única pessoa que nunca me olhou com desprezo. Nicholas nunca me tratou diferente por causa da cor da minha pele. Nunca hesitou em segurar minha mão, em me defender, em me chamar pelos apelidos carinhosos que sempre me aquecem o peito. Ele é diferente de todos aqui, dos que me insultam, dos que dizem que meu futuro será sombrio apenas por eu ser quem sou. Sei que já passei da idade para ser adotada. Essa ilusão morreu há muito tempo. Mas ainda assim, mantenho a esperança de construir uma vida fora daqui. De fugir para algum lugar onde eu possa ser apenas Sarah, sem precisar provar meu valor a cada olhar de julgamento. Enquanto eu tiver o apoio do meu amigo, sinto que sou capaz de enfrentar qualquer desafio. Mas por quanto tempo ele ainda estará aqui? O tempo está contra nós. A cada dia, ficamos mais velhos, e quando completarmos dezoito anos, seremos descartados desse lugar, como se nunca tivéssemos existido. Eu sei disso. Já vi acontecer com outros antes. Eles saíram com uma mochila nas costas e nenhuma certeza do amanhã. O futuro é uma sombra que me assusta. Nicholas também será jogado para fora. E se ele for embora antes de mim? E se eu ficar sozinha? — No que essa cabecinha tanto pensa que nem me responde? — a voz de Nicholas me tira dos pensamentos. — Está tudo bem com você? Eu pisco algumas vezes, voltando para a realidade. Ele está ao meu lado, como sempre esteve. Mas até quando? — Desculpa, Nicholas — murmuro. — Estava apenas refletindo sobre coisas banais, nada importante. Ele me observa por alguns segundos, e eu percebo a preocupação em seu olhar. Talvez eu devesse guardar o que sinto. Talvez fosse mais seguro manter minhas emoções trancadas, mas nunca consegui. Não com ele. — Você é tão gentil comigo… Eu te amo, Nicholas. As palavras escapam antes que eu possa contê-las. — Você é verdadeiramente único. A única pessoa que se preocupa comigo. Não consigo imaginar minha vida sem você. Minha voz vacila, e minha garganta se aperta. O medo de perdê-lo é maior do que eu consigo expressar. — Sinto tanto medo de te perder, de você partir e me abandonar. Não sei como vou lidar com sua ausência. O silêncio dele pesa como uma tempestade prestes a desabar. Ele me olha, mas não responde. Seu desconforto é evidente. Será que falei demais? Será que o assustei? Meu coração martela no peito enquanto espero por uma reação, qualquer coisa que me mostre que ele entende. Mas tudo que recebo é um olhar carregado de algo que não consigo decifrar. E então, percebo o inevitável: talvez ele não sinta o mesmo. Talvez eu esteja prestes a perder a única pessoa que me faz sentir que pertenço a algum lugar.SARAHA ansiedade corrói meus pensamentos. Meu amigo está prestes a ser expulso do abrigo, e a incerteza sobre seu destino me assombra. Ele já ultrapassou a idade limite, então por que ainda está aqui? Nunca vi exceções serem feitas, e essa demora parece suspeita. Será que a diretora está tentando encontrar um lugar para ele? Ou há algo mais acontecendo nos bastidores?A simples ideia de sua partida me apavora. Ele sempre esteve ao meu lado, e a perspectiva de perdê-lo me faz sentir um vazio esmagador. O que será de mim se ele for embora?Enquanto estou perdida nesses pensamentos, ele surge de repente, sem aviso. Antes que eu possa reagir, seus lábios tomam os meus em um beijo inesperado. Não houve permissão, nem hesitação. Apenas o toque quente e arrebatador dele contra minha boca.Por um breve instante, minha mente se esvazia. Meu primeiro beijo. Meu coração martela dentro do peito, e um calor diferente se espalha pelo meu corpo. Felizmente, estamos no nosso refúgio secreto, longe
Nicholas sempre foi a personificação da bondade. Desde pequeno, seu coração generoso se manifestava nos menores gestos: ele cedia sua comida quando a quantidade era pouca, ajudava sem esperar nada em troca e distribuía sorrisos como se fossem presentes. Para mim, ele é a pessoa mais incrível do mundo.Estou na cozinha, concentrada no preparo do almoço, quando Raíssa surge sem avisar. Seu tom de voz carrega uma provocação venenosa, o tipo de veneno que se infiltra e corrói sem pressa.— Você está bem distraída hoje, não é mesmo, coisinha? — ela debocha, cruzando os braços. — Estou tentando te apressar para levar essa comida. O que houve? Está com a cabeça no Nicholas?Ignoro o sarcasmo, mas a maneira como ela me observa faz minha pele arrepiar.— Você não se cansa de ser subserviente a ele, garota? — A ironia em sua voz se intensifica. — Ele nunca se interessaria por alguém como você. Uma adolescente negra com cabelo crespo? Acorda, Sarah! Ele pode não ser perfeito, mas ainda assim est
SARAHPor que ele está agindo assim?Não consigo compreender o que está acontecendo. O que passa pela cabeça dele para se comportar dessa maneira comigo agora?Estou vulnerável, quase sem roupas, com ele sobre mim, meus seios expostos, e suas mãos deslizando pelo meu corpo com uma provocação deliberada. Ele está prestes a me tomar, mas hesita. A tensão no ar é densa, quase tangível. Sinto o peso de seu desejo, a rigidez de seu corpo contra o meu, mas, por alguma razão, ele se contém.Estou perdida entre o medo e a incerteza. Será que ele vai me forçar? Mas, apesar da excitação clara, ele evita tocar em minhas partes íntimas. Apenas acaricia, beija meu pescoço, e seus lábios se aproximam perigosamente do meio dos meus seios. Quem nos visse nesse momento, pensaria que estamos em plena relação.Tudo mudou quando Nicholas entrou. Seus olhos se fixaram em nós, atônitos, observando Felipe entre as minhas pernas, despido. A cena é incrivelmente íntima e não há como justificá-la sem que par
SARAH Já se passaram três semanas e meu namorado desapareceu completamente. Não fez contato, não deixou nenhum recado explicativo, e estou perplexa com essa atitude, já que nunca se comportou dessa maneira anteriormente.Tia Mara mencionou que alguém da família o levou.Contudo, de que forma.Ele omitiu o fato de possuir parentes e de informar sua partida.Por que razão ele agiu dessa maneira em relação a mim?Partiu dessa forma, enganando e insistindo que eu era sua prioridade, o que revela que seu amor não era verdadeiro.Não compreendo essa situação e continuo chorando desde aquele dia.Estou experimentando sensações desconfortáveis e nauseantes, tudo o que ingiro acaba sendo expelido e não tenho ideia do motivo.Acredito que estou enfrentando algum problema de saúde.É importante mencionar que estou me sentindo indisposto para às minhas tias, talvez esteja com uma enfermidade transmissível e não desejo que as crianças contraiam.Que horror, que doença será não posso chegar perto
SARAHImagino que todos já saibam da minha relação com Nicholas. Assim como devem estar cientes de que ele simplesmente me abandonou sem uma única explicação.Eu te odeio!— O que foi, querida? — a voz carregada de ironia de Raíssa me atinge como um golpe. — Está sentindo falta do Nicholas? Acha que ele nunca mais vai voltar porque agora tem uma vida muito melhor do que a sua?A raiva fervilha dentro de mim. Apenas encaro aquela garota que sempre fez questão de me desprezar sem motivo algum.— Você sabe onde ele está, não sabe, Raíssa? — pergunto, tentando manter a calma. — Pode me dizer, por favor?Ela sorri, um sorriso frio e venenoso.— E se eu soubesse? — Ela dá de ombros, se divertindo com a minha angústia. — Não te contaria, sua patética.Por que essa garota me odeia tanto? O que foi que eu fiz para merecer essa hostilidade? Sempre foi assim. Desde o primeiro dia em que nos conhecemos.Ignoro a dor crescente no peito e me afasto, ocupando-me com as tarefas do dia. O tempo passa,
SARAAinda não sei qual será minha estratégia, mas sei que preciso ser forte."Tenha pensamentos positivos, Sarah. Isso só trará benefícios para você."Respiro fundo e tento manter essa ideia na mente.O abrigo onde estou agora não é bonito, mas ao menos tenho um teto sobre minha cabeça. Isso já é um alívio. Meu plano é conseguir um trabalho, economizar e, com o tempo, alugar um lugar para viver com meu bebê.Já faz uma semana que estou aqui. Tenho comida, um lugar para dormir, mas ainda não encontrei um emprego. Minha idade dificulta as coisas. Cada dia sem uma solução me deixa mais ansiosa.Preciso agir.Uma senhora do abrigo concordou em me levar até a escola para tentar fazer minha matrícula. Preciso concluir meus estudos. A educação sempre foi importante para mim, e se quero um futuro melhor para mim e meu filho, preciso lutar por isso.Quando chegamos à escola, a funcionária da administração me olha de cima a baixo, com uma expressão séria.— Documentação? — ela pergunta.— Eu…
SARAHO tempo passou, e meu ventre começou a crescer, tornando impossível esconder a evidência de uma nova vida se formando dentro de mim. Cada vez que olhava para minha silhueta no espelho, sentia uma mistura de medo e encantamento. Era real. Eu carregava um filho no ventre, um ser que não tinha pedido para vir ao mundo, mas que já era tudo para mim.A surpresa nos olhos das pessoas era inevitável, mas ninguém demonstrou tanto espanto quanto Michelle. Eu não tive coragem de contar sobre a gravidez antes, e quando ela finalmente descobriu, sua expressão foi um misto de choque e empolgação. Para minha surpresa, ao invés de me julgar, ela sorriu com sinceridade e disse, com entusiasmo, que adoraria ser madrinha do bebê.A senhora Adriana, no entanto, ficou boquiaberta. Ela não disfarçou a incredulidade ao saber que eu, tão jovem, estava prestes a ser mãe. Seu olhar era um misto de preocupação e compaixão, mas diferente do que eu esperava, ela não me condenou. Pelo contrário, logo se pro
SARAHNa sala de aula, os olhares curiosos me acompanhavam a cada movimento. Algumas colegas cochichavam, disfarçando sorrisos maldosos. Eu era a única jovem grávida da escola, e isso parecia dar a elas o direito de me julgar.Não era preciso ouvir as palavras para entender o que diziam. "Piranha", "irresponsável", "se meteu nessa sozinha". Eu já conhecia todos esses rótulos.Mas não me importava.Ergui a cabeça, segurei o lápis e me concentrei nos estudos. Eu não precisava da aceitação delas. Meu foco estava em garantir um futuro digno para mim e para meu bebê.Assim que a aula terminou, peguei meus materiais e saí sem olhar para ninguém. Nenhuma delas fazia questão de falar comigo, então por que eu deveria me importar?A verdade é que, por dentro, havia momentos em que queria gritar, confrontá-las, jogar suas palavras venenosas de volta. Mas não valia a pena. Eu não podia me permitir esse tipo de estresse. Meu bebê precisava de tranquilidade, precisava de uma mãe forte.Os meses se