MICHAEL ENTROU para o grupo de teatro na escola e se dava muito bem com todos os companheiros, principalmente com as garotas, ele tinha o dom natural de tratar com o público feminino, era um predador natural e as mulheres adoravam ser presas de Michael, o garoto mais bonito e descolado da cidade.
Sua atuação era carregada de excentricidades que o professor de artes não sabia se isso era genialidade ou pura maquiagem teatral, ou os dois, mas Michael era uma metamorfose ambulante, era quase uma pessoa com TMP – Transtorno de Múltiplas Personalidade, porém, ele sempre tinha o controle de tudo, com exceção de sua vida familiar, da qual não dependia dele tal controle.
Michael visivelmente tinha muitos problemas dentro de casa e o professor Clark estava ciente de todos eles.
Antes de ser professor, era amigo de Michael e sempre que podia tirava-o daquele turbilhão de emoções traumáticos que enfrentava dia-a-dia com seus pais e o levava para dormir em sua casa e passar um tempo com a sua família e mostrar que havia uma vida boa longe de tudo aquilo.
— Mike, quero que saiba que pode sempre contar conosco.
— Eu sei – disse Michael em um dos poucos momentos de humildade.
Ao lado da família do professor Clark ele não precisava se mostrar o que na verdade não era, Michael simplesmente era um garoto que queria e merecia ser amado, ele não precisava conquistar nada e nem demonstrar algo para ninguém, simplesmente as pessoas apreciavam a sua companhia e viviam felizes.
KENNEDY SEMPRE quis trabalhar com artes e quando se formou percebeu que não tinha a menor aptidão para ser ator, ele não conseguia demonstrar quaisquer sentimentos em sua atuação, era quase que fria e visualmente decorado.
— Próximo!
Foi o que mais Kennedy ouviu nos dois primeiros anos, até que surgiu a oportunidade de ser figurinista e estar trabalhando mais de perto do diretor deu a ele a oportunidade de conhecer seu verdadeiro dom, de ensinar e dirigir peças de teatro.
O diretor não sabia mais o que fazer para deixar a peça do jeito que ele queria, até que Kennedy deu a ideia mais simples que alguém poderia sonhar.
— E se limpássemos o ambiente, diretor?
— Que ideia estúpida, Kennedy.
— O senhor não está encontrando as peças certas, o ideal é começar do zero e ver onde estamos errando.
O diretor estava sem cabeça e sem tempo, então pediu para que todos desmontassem o cenário e o remontassem, até que ele viu onde estava o erro.
— Não é possível que estava aí o tempo todo essa merda.
Kennedy chegou perto dele e o diretor o abraçou.
— Kennedy, meu garoto, você salvou o dia.
Depois deste dia, Kennedy foi chamado para ser o diretor assistente e diretor de arte de inúmeras peças e ministrava aulas de teatro como forma de descobrir novos talentos.
Foi nesse sentido que Kennedy Clark conheceu Michael Vane.
KENNEDY CLARK estava andando pela calçada e um garoto se esbarrou nele e caiu.
— Você está bem, garoto?
O garoto estava chorando, quando ia se levantar, um homem o puxou pelo braço e disse de forma exageradamente grosseira:
— Ele está bem, queira ficar bem também sem se intrometer em nossa vida, agora vamos, moleque.
Kennedy tentou intervir, mas Michael entrou entre eles e fez que não com a cabeça e saiu acompanhado pelo pai segurando em seu braço que olhou de cara carrancuda para Kennedy.
Clark viu o pobre garoto olhando para trás como se estivesse implorando por ajuda.
Ele não sabia explicar porque, mas aquilo mudaria para sempre a vida deles.
Aquele garoto era Michael Vane.
— VOCÊ ESTÁ no caminho certo, Michael, acredito verdadeiramente que terá um grande futuro no teatro, quem sabe na Televisão ou talvez no cinema se tiver um pouco de sorte.
— Eu não acredito na sorte.
— Deveria.
— Se eu acreditasse em sorte, teria nascido em uma família no mínimo amável, mas nasci pobre e em uma família amaldiçoada por todos os diabos que existem no mundo, porque eu deveria acreditar em sorte?
— Você está exagerando, todo mundo tem problemas familiares, Michael.
— Exagerando? Olha a minha vida... eu não tenho nada... meu pai é um bêbado, minha mãe é uma mulher frustrada, eu sou um mentiroso que encena as loucuras dos outros para sobreviver.
— Você tem tudo o que as pessoas sempre sonharam, é bonito, talentoso, tem um imã natural que faz as pessoas quererem estar perto de você e não é qualquer pessoa que tem um dom desses, eu mesmo queria ser você, sabia?
— Isso não serve para nada se você não tem nada.
— Mas você tem... o fato de você ainda não enxergar o seu potencial não quer dizer que ele não existe, precisa enxergar o Michael além da situação que está vivendo, enxergue o Michael vencedor de um Oscar ou um Tony Awards.
Mas Michael tinha outros planos que incluíam ter tanta sorte que as pessoas jamais diriam que era sorte demais para quem tinha tanto talento como ele.
— Não posso me dar ao luxo de sonhar, senhor Clark.
— Se você não sonhar, Michael, jamais vai poder viver.
— Não faz muita diferença.
Kennedy abraçou o garoto.
— Talvez agora não faça, mas lá na frente irá fazer toda a diferença.
Kennedy ficou cara-a-cara com ele e disse:
— Feche os olhos, Michael.
Ele obedeceu.
— Existe algo que você quer muito?
Ele assentiu.
— E isso te faz feliz?
Michael sorriu imaginando uma família feliz, vendo-o interpretar na Broadway.
— É ruim sonhar, Michael?
— É muito bom, uma pena que nunca se tornará realidade.
— Os sonhos só não se tornam realidade quando não acreditamos neles, basta apenas um passo na direção dele para que as portas se abram e Deus te abençoe.
CLARK SABIA QUE MICHAEL tinha um sério problema em demonstrar suas emoções, ele lhe confidenciara todos os abusos que seu pai praticava em casa e por isso o interior de Michael era um labirinto do Minotauro, existia momentos em que ele era para chorar e estava resistente como um diamante e em outros em que deveria ter uma leveza natural em sua interpretação, começava a chorar.
— Michael... achei que tínhamos resolvido esse tipo de erro.
Michael não sabia o que dizer.
— Desculpa, professor, é que...
— Não existe “É que...”, você tem que se concentrar, não dá para olhar para a plateia e dizer para eles que você está tendo uma vida difícil, a vida é assim...
— Eu sei...
— Não, você não sabe...
Clark ficou cara-a-cara com ele.
— As pessoas não querem saber do seu problema, Mike, elas veem ao teatro para esquecer dos problemas delas, querem sentar e relaxar, querem entrar em outra dimensão, e quem proporciona isso a elas?
— Nós – disse ele humildemente.
— Exato! Nós proporcionamos isso a elas, e sabe porquê?
Ele negou com a cabeça.
— Mike, aqui no palco você não é o Michael Vane, você é o personagem que encanta o mundo... fecha os olhos.
Ele obedeceu.
— Respira fundo... – Michael obedeceu... – Imagina você entrando por aquele palco vestindo uma capa.
Ele assentiu.
— Essa capa é o Mike... você está tirando essa merda de capa e está pendurando naquele cabideiro ali na entrada, está visualizando isso?
Ele assentiu novamente.
— Ótimo! Você não é mais o Michael neste momento, você é o personagem, o personagem é a capa que você está vestindo agora, não há mais Michael Vane nesse momento, ele está naquele cabideiro, quando você sair daqui, pode pegar a capa se quiser, ou pode pegar outras capas, isso é o que um artista é, isso é o que um artista faz... uma pessoa repleta de capas... escolha uma para viver e simplesmente viva intensamente aquilo...
Quando Michael abriu os olhos percebeu que era outra pessoa.
— Quem é você, Michael?
— Quem é Michael?
— ESTAMOS PRONTOS PARA CONTINUAR PESSOAL – gritou Clark acenando para todos que agora realmente iria começar.
— Michael nunca mais voltou para pegar aquela capa em sua mente.
MICHAEL TINHA o mais profundo respeito pelo professor Clark, era o homem a quem tinha como pai, todos os dias depois da escola o levava para uma lanchonete e lhe pagava um lanche com refrigerante.
— Como estão as coisas em casa, Michael?
— Na mesma, professor.
O professor assentiu.
— Sabe a minha opinião sobre a situação, não é mesmo?
— Sei sim... mas jamais faria algo sem o consentimento da minha mãe, seria injusto com ela.
— Aquele homem é perigoso.
Ninguém melhor do que ele sabia disso...
— Eu também sou, professor...
Kennedy Clark sabia disso melhor do que ninguém, uma pessoa que consegue viver muitas vidas, interpretar muitas histórias pode ser quem ele quiser, inclusive um assassino.
HANNAH ERA TUDO o que todas as garotas sonhavam ser na escola, a garota mais linda, descolada, bem-de-vida e desejada pelos rapazes mais interessantes e atraentes, para ela os garotos eram apenas um delicioso banquete em que poderia fazer o que bem entendia e logo descartá-los, não era um fim em si mesmo, mas sempre foi um meio para ter o que queria, e ela sempre quis ter tudo na vida, o único que parecia não cair sob seus encantos era Michael Vane.Muito pelo contrário, parecia que Michael sempre a tinha nas mãos e fazia o que bem queria com ela.Literalmente...Fazia sempre tudo o que queria...Ao contrário das pessoas na escola, Hannah sabia que Michael era um pobretão de quinta categoria que não tinha onde cair morto, ela conhecia a sua família que, coincidentemente trabalhava para seu pai, mais por consideração do que por merecimento, pois Carl Vane era um al
A PRIMEIRA PEÇA de teatro que Michael encenou foi um estrondoso sucesso em sua cidade e rodaram o Estado realizando dezenas de apresentações, inclusive no palácio do governo em que foi aplaudido em pé por todos os políticos mais importantes do Estado, incluindo o governador e três senadores da República.Em cada uma destas cidades Michael deixava corações partidos e histórias que nem se lembravam por tê-las repetido dezenas de vezes.— Você não se cansa não? – Disse Hannah, seu par na peça de teatro.— Me cansar? Está maluca? Eu quero é mais...Eu sempre quero mais...— Eu sonho fazendo isso pelo resto da vida... só há duas coisas que jamais irei me cansar nesta vida.Ela queria que pelo menos uma destas coisas fossem sempre com ela ou ela própria, mas Hannah sabia qu
O CURSO ESTAVA TERMINANDO e todos estavam se preparando para o grande baile e Maisie teve que ir acompanhada de seu irmão, pois não havia sido convidada por ninguém, afinal, ela era a garota mais alta de sua turma, a mais inteligente e só isso já estava assustando todos os garotos.— Cara, é deprimente saber que tenho uma irmã derrotada como você, sabia?Maisie fez cara de poucos amigos.— Cala a bola, seu idiota, você é uma pessoa incrível quando não está falando, respirando e nem vivendo, sabia?Eu a acertei em cheio...— Mas eu pelo menos terei companhia para o baile no ano que vem.Maisie bufou indignada enquanto via o irmão mostrar a língua.— Ainda há bastante tempo para você estragar isso, é seu maior talento.Maisie se arrependeu daquelas palavras todos os dias de su
HANNAH OBSERVAVA de longe a situação mais ridícula que já tinha visto, dando-lhe até ânsia, o pobre idiota de seu amante todo doce com a intelectualzinha e desengonçada da turma.— Está tudo bem, querida? – Disse Jeromy – você parece um pouco distraída.— Claro... – disse voltando à sua triste realidade – está uma noite incrível, não é mesmo?— Você não imagina o quanto...Claro que eu imagino...Ele a beijou e enquanto consumavam o ato ela olhava para Michael que lhe devolveu a piscadinha.ELA ESPEROU pacientemente Michael se desvencilhar da chata da Maisie e disse da forma mais gentil que já havia falado com Jeromy em toda a sua vida interrompendo a dança:—
MAISIE ESTAVA OLHANDO para a porta do banheiro onde Michael tinha entrado após colocar os óculos e não estava acreditando no que viu, Hannah tinha entrado logo em seguida... ela sabia o que aquilo queria dizer, afinal, ninguém erra o banheiro das garotas para o dos garotos sem querer, nem mesmo uma toupeira intelectual como Hannah Colleman.E eu que imaginava que ela era a minha melhor amiga... acho que sou tão burra para ver essas coisas óbvias quanto ela é para as matérias da escola...Para Maisie a noite e talvez a vida dela tinha terminado naquela noite, ela jamais conseguiria olhar para Michael novamente e enxergar um futuro ao seu lado, ele simplesmente tinha sido um cachorro da pior estirpe possível, e estragou o que já não estava bom naquela noite, mas a cada minuto que passava os dois lá dentro daquele maldito banheiro, mais Maisie perdia as
— QUEREMOS ANUNCIAR agora os grandes premiados da noite com a coroa de rei e rainha do baile anual deste ano.As pessoas começaram a aplaudir euforicamente.Hannah sabia que seria a rainha, faltava saber se seria o rei do baile naquele ano, não que para ela fizesse qualquer diferença, mas se fosse o Michael, então a despedida seria ainda melhor do que ela havia planejado.— Com vocês... Hannah Colleman... e... Michael Vane...Michael chegou até ela e disse:— Me permite? – disse para Jeromy que acenou positivamente.Michael lhe deu gentilmente o braço direito e ela engatou suavemente nele e foram à frente de todos enquanto eram ovacionados pelos colegas de turma que abria o corredor para eles passarem.— Acho que agora estamos prontos para a vida que merecemos ter no futuro.— Eu sei que vou viver, já não sei você, se
DIFERENTE DO QUE ERA a sua vida em sua casa, estar na Companhia de Teatro da escola era algo que o tirava daquele submundo em que vivia, seu pai alcoólatra, transformava sua vida num verdadeiro inferno, quando não tentava espancá-lo conseguia espancar a sua mãe, e por vezes até estuprá-la, ele sabia que por alguma sorte divina ele nunca tinha pensado nele daquela forma, mas do seu pai daria para esperar qualquer coisa.Michael também não conseguia culpar diretamente a sua mãe, já que era uma vítima de seu pai que sempre tratava a si mesmo como vítima de tudo e todos, descontando assim nele e em sua mãe suas próprias frustrações e derrotas.Mas nem sempre a vida de Michael havia sido aquele inferno, por muito tempo eles viviam numa espécie de purgatório, o
ALICE FOI BRUTALMENTE assassinada certa noite e algumas pessoas disseram que um garoto frequentava a casa dela há alguns meses, a polícia já conhecia Cain muito bem e não foi difícil de associarem que dois mais dois era igual a quatro.— Mas eu não fiz nada.— Claro que não... você nunca faz nada, não é mesmo, garoto?Cain ia protestar, mas recebeu uma bofetada do policial que o jogou imediatamente ao chão.— Acho bom você entender quem manda nisso aqui, garoto, esta é a vida, ou você se adapta ou simplesmente a natureza se encarregará do resto... ou seja, eu sou a natureza e vou me encarregar de você rapidinho.CAIN FICOU SOB CUSTÓDIA e no dia em que era para ser seu julgamento, tudo o que viu não foi justiça, era um castelo de cartas marcadas, era como se ele fosse mudo em uma histó