Lua de Sangue
Lua de Sangue
Por: Anne Vaz
Prólogo

Jahi Gad

Em um mundo onde a nossa existência não passa de história de terror, mito e fábula, é sempre perigoso ter que adentrar ao mundo humano para conseguir recursos importantes para a manutenção de minha pequena matilha. 

Minha companheira é uma loba diferente, o cheiro adocicado que exalava dela não é de uma simples ômega, havia algo a mais nela que transcendia o que realmente Freya deve ser. Uma magia muito mais antiga do que a espécie que somos. Ao vê-la deitada no enorme ninho que ela havia preparado há algumas semanas vinha me deixando ansioso, a gestação do nosso bebê estava terrivelmente acelerada.

Por esse motivo decidi nos afastar de tudo e principalmente da matilha a qual fazíamos parte. Deixamos a nossa ilha Hailuoto para trás, quando vários outros lobos passaram a ter muito interesse em como Freya cheirava.

Realmente a minha companheira se tornou muito mais atraente para mim, devido a nossa ligação. Mas ela também ficou sedutora para outros lobos da nossa matilha e isso me incomodou, além de me deixar bastante temeroso com a nossa segurança.

Comecei a ficar assustado com a segurança da minha pequena loba que se sentiu ameaçada e desde então ela não conseguiu retornar para seu “eu” humano. A mantendo em seu estado animal há mais de três meses.

Nos tornamos nômades apenas para que Freya possa ficar em segurança assim como nossos filhos ou filho, ainda não temos certeza de quantos bebês teremos, mas pelo cheiro que ela estava exalando, tenho a sensação que será apenas um filhote.

Olho para a minha companheira deitada em seu ninho, no fundo da toca que consegui encontrar e transformar em nosso refúgio. Caminho até ela e com cuidado para não levar outra mordida, sorrio ao ver os seus olhos em minha direção, vendo se não baguncei o seu trabalho. Freya se tornou meio obsessiva com a forma que cada um dos panos que ela havia escolhido para formar o seu ninho estavam arrumados. O que me faz sorrir, sei que minha linda loba será uma ótima mãe protetora como é de seu instinto.

Me aproximo dela me abaixando para ficar próximo aos seus olhos e poder conversar com ela por um instante.

— Acha que consegue voltar, meu amor? — Pergunto para a loba deitada.

Ela estava exibindo a sua enorme barriga e a via com uma respiração cansada, sabia que seu parto vinha se aproximando e isso começava a me preocupar. Um rosnado baixo e um suspiro é a sua resposta a minha pergunta.

— Tudo bem, tenho que ir à cidade comprar mantimentos para você, acho que logo a nossa toca terá um novo habitante. — Digo fazendo um carinho atrás de sua orelha.

Ouço um ganido baixinho, aquilo me deixa tranquilo de uma forma inexplicável, é algo que me deixa feliz, sei que minha companheira está bem.

— Prometo não demorar! — Digo e saio de seu ninho com cuidado.

Olho novamente para a loba que estica as suas patas se espreguiçando e deita a sua cabeça em um dos travesseiros que escolheu para se tornar parte de seu ninho. Seus olhos se fecham e meu lobo parece inquieto em deixar nossa companheira aqui.

“Não a deixe”

Ele insiste mais uma vez rosnando em minha cabeça, sinto o fogo da transformação em meu peito, mas forço o controle para não me tornar um lobo enorme agora, afinal preciso ir a uma farmácia e comprar algumas coisas para ter aqui assim que nossos lobinhos nascerem.

Viro de costas quando noto que ela finalmente pegou no sono. Tento ser o mais rápido que posso para chegar a Oulu. Olho para todos os turistas que passavam por mim, assim que chego no centro da cidade e puxo o capuz do meu casaco para esconder um pouco o rosto do frio e volto as memórias antigas:

Havia se passado apenas alguns dias que Freya havia saído do seu cio, precisei afastá-la de toda a nossa matilha, já que o cheiro dela se tornou atrativo a todos os lobos, até mesmo aos que já tem as suas companheiras, o que chamou a minha atenção.

— Isso deve ser alguma maldição ou feitiço lançado sobre ela, não tem outra explicação! — Ouço um dos médicos da nossa alcateia dizendo.

— Mas por quê? — Pergunto intrigado.

— Você sabe que sua companheira é de uma alcateia que tem o costume de usar a magia, não é? — Apenas concordo com a cabeça. — Pode ter acontecido algo…

Essa conversa nunca saiu da minha cabeça e a decisão de sair da matilha foi a escolha certa ou seria morto assim que estivesse distraído. O pai de Freya é o alfa de nossa alcateia e assim que nos unimos pelas bençãos da deusa Selene, devia me tornar o líder da alcateia por minha companheira ser a filha mais velha.

Mas tudo isso perdeu o sentido quando todos estavam muito interessados a me matar apenas para acasalar com a minha companheira.

Entro na farmácia e começo a escolher o que precisaremos assim que ela entrar em trabalho de parto, estava com uma cesta em minha mão e escolhia várias coisas até que comecei a sentir aquela queimação em meu peito novamente, algo estava errado. Ergo a minha cabeça e via apenas mais alguns pouco clientes fazendo suas compras.

Mas um homem com os cabelos brancos em um coque me chamou atenção. Volto a minha atenção para as minhas compras sentindo o cheiro de magia que exalava dele, o odor ocre deixava claro que ele não era um homem comum, deve fazer parte de algum círculo mítico que existe na imensidão desse universo.

Nervoso e ansioso, pego somente o necessário e vou em direção ao caixa para pagar minhas compras queria sair daquele lugar o mais rápido, mas em vez de voltar pelo mesmo lugar que vim, escolho ir por um novo caminho, para evitar que ele encontre o caminho até a minha toca.

Depois de rodar meia cidade e parar em um café, tenho certeza que ele não estava me seguindo. Não conseguia mais sentir o odor que sai daquele desconhecido. Decido voltar para a minha toca e ver como estava a minha companheira. Saí da cafeteria e olhei para todos os lugares. Ergo um pouco as narinas para confirmar e, de fato, não conseguia mais o sentir.

Meu lobo dentro de mim estava agitado, podia ouvi-lo rosnando e tentando me impulsionar para frente. Ele desejava que retornasse para a nossa toca rápido, é como se estivesse prevendo o perigo que estava a espreita.

Volto para a minha toca ansioso para rever a minha linda loba branca. Caminho para dentro da minha toca e então volto a sentir o odor daquele homem novamente. Para o meu desespero ele estava lá, deitado no meu ninho e com a minha companheira presa com o braço dele envolvendo o seu pescoço e uma adaga apontada em direção à barriga protuberante de minha companheira. Dou um passo a frente e o vejo apertar o seu pescoço.

— Muitos erros cometidos… — Ele começa dizendo. — Não se preocupe Jahi, seu filhote nascerá, darei a chance para que esse bebê mostre ao mundo lupino o quão valioso é. — Diz e vejo minha companheira se contorcer em dor.

Dou um passo a frente para poder ver melhor se ela estava bem e então sinto a presença de outra pessoa que acerta um golpe em minha nuca, fazendo com que caísse de joelhos de frente para minha companheira que começa a uivar com dor.

Com os olhos vidrados no que acontecia com a Freya. O grunhido alto da loba branca a minha frente me deixa ansioso e tento me aproximar, respiro fundo sentindo o meu peito queimando. Os rosnados do meu lobo me deixam ainda mais irritado com esse maldito apertando a minha companheira como estava.

O uivo de Freya me deixa desesperado e a forma que aquele homem apertava a sua barriga, forçando o nascimento do meu pequeno lobinho me deixou transtornado. Darei a minha vida para proteger a minha família e tenho certeza que quando o pai de Freya souber que alguém foi enviado para nos matar, ele entrará em guerra.

Mas antes que pudesse me aproximar do ninho da minha loba protetora sinto o primeiro impacto no meu corpo, o som oco de vários disparos não impede que entre no círculo que ela havia feito com tanto carinho a espera dos nossos filhotes.

Cambaleio e sinto a dor percorrendo por todo o meu corpo, não tenho forças e o meu lobo uiva desesperado por não poder salvar a companheira pela ligação que nossa deusa Selene abençoou há tantos anos!

Caio perto de suas patas e vejo o seu pelo tingido com o seu sangue, ouço o choro de minha loba e a lágrima que escorre em seu pelo, faz com que me martirize por não proteger a minha família os deixando vulneráveis.

— É uma menina… — Aquele desgraçado diz.

Ergo a minha pata dianteira tentando alcançar Freya, sua fisionomia de desespero estava estampada. Aquele maldito aperta o seu pescoço mais uma vez.

E depois de muitos meses Freya consegue voltar ao seu estado humano, seu rosto estava banhado em lágrimas.

— Me perdoe Jahi, não esqueça eu te amo mais que tudo… — Ouço um disparo oco.

Fico sem reação ao ver aquele homem com a arma apontada agora em minha direção. Minha companheira é lançada a minha frente sem vida, seus lindos olhos que um dia tinham um tom achocolatado agora estava sem brilho e sem alma.

Meu lobo emite um uivo cortante, deixando a sua dor e mágoa pela perda rasgar o silêncio que se fez dentro daquela toca, o lugar que escolhi para ser o meu lar e o recinto que imaginei ser a nossa pequena fortaleza. Mas falhei terrivelmente com a mulher e a loba que amo.

— Pode matá-lo, se aquele beta idiota acha que pode me enganar, ele está muito enganado, essa pequena será a ruína dele! — Ele diz.

Ergo o meu olhar uma última vez para o céu estrelado que tanto a minha companheira amava e via sobre nós a luz que entrava pela abertura no fundo da nossa toca, o lugar onde será nos descanso para a eternidade. Selene estava esplendorosa cheia e vermelha.

Minha filha, minha pequena lobinha com a pele tão linda como a lua e com uma penugem sobre a sua cabeça com a mesma cor que a nossa deusa. Sorrio para a divindade que nos banhava com a sua luz e sou grato por tudo o que experimentei até aqui.

Olho mais uma vez para a minha companheira, sinto o cano da pistola em minha têmpora e meu lobo traz um pensamento do fundo da minha mente.

Deixando claro em nosso leito de morte que a profecia se cumpriu naquela noite!

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