Deitei-me. Meu pensamento continuava freneticamente a pensar em coisas mirabolantes. Pensava coisas do “arco da velha”, como dizia o ditado popular. Quando fechava meus olhos ainda podia ver meu outro eu falando comigo, dizendo que tinha de aprender o que havia esquecido ou deixado para trás. Assim, difícil foi para conseguir descansar merecidamente e conseguir fechar os olhos.
Mesmo ainda dormindo, meus sonhos ainda me diziam algo. Foi neste ponto que percebi que mesmo em meu subconsciente podia encontrar-me com meu outro eu.
- Olá Coiote! Não esperava ver-me aqui, não é? – disse ele.
- Bem, devo dizer que é surpreendente, mas, já li algo sobre sonhos e sei que o quanto mais se pensar em determinado assunto logo na fase de transição de estado acordado para estado sonolento, é possível que sonhe este mesmo assunto. Estou certo? – perguntei sorrindo.
- Sim, isto é bem verdade. Não nessas palavras, mas é por aí. Acho que por isso então você está mais preparado para ver tudo isto que está passando. Sua mente já está aberta o bastante para conseguir diferenciar ilusão e realidade. Ou, diversas realidades.
- Mas, diga-me, o que quer? Se apareceu dentro de meu sonho, acho que é para me ensinar alguma coisa, não é?
- Não necessariamente. Disse a você para que descansasse. Somente passei por aqui para dizer-lhe, que pelo sonho, podemos também encontrar respostas. Quando comandamos o que acontece nos nossos sonhos, podemos entender porque determinadas coisas acontecem e possivelmente acontecerão.
- Então, você está me dizendo que pelos meus sonhos, posso ver meu passado, assim como me vejo ao espelho? – perguntei entusiasmado.
- Sim. Pode se enxergar ainda mais! – exclamou. – Pode-se usar de outras formas e assim ver o que você poderia ter feito. O resultado de outra ação pode ser obtido. E, com estas possibilidades, podemos ter a ação que quisermos, bastando controlar o que queremos sonhar. É um tanto difícil ao tentarmos de início, mas, depois, acostumamos com que podemos fazer. Em outras religiões, e filosofias de vida, isto é chamado de “Cordão de Prata”, desligamento do corpo e assim outras formas existem para explicar isto.
- O que vem a ser isto? – perguntei.
- É isto o que está fazendo agora! – exclamou.
Pude perceber que neste instante, estávamos em algum lugar que parecia um vazio, todo pintado de branco. Quando andávamos o eco do barulho do salto do sapato era muito profundo, embora, não pisássemos em nada concreto. A voz ecoava como se fosse uma concha acústica sem fim.
- Eis a questão garoto. Estamos longe do que poderia ser a realidade. Estamos num plano astral. – sua voz ecoava. - Somos seres que vivemos em uma dimensão, real e concreta, assim é como todos pensam. Mas, esta é uma realidade que poucos conseguem enxergar e entendê-la. Passamos por ela todos os dias enquanto estamos querendo dormir e quando vamos acordar na manhã seguinte. Isto é o que outras pessoas dizem como um desligamento do corpo e o espírito e este plano espiritual, vaga há uma dimensão superior ao da terceira dimensão a que vivemos. – ficou um pouco em silêncio para que eu pudesse acompanhar seu raciocínio. - Assim, preso o espírito ao corpo por um cordão espiritual da tonalidade prata, é chamada por esse nome. Cordão de Prata ou viagem astral. Você pode encontrar isto em vários livros sobre budismo, espiritismo, ocultismo e por outros escritores que dizem saber o que se trata a espiritualização.
- Isto é muito interessante. – comentei vagarosamente e observando o local onde estávamos.
- Sim. Mas, mais interessante ainda é observar que há tempos, você, é possuidor do dom desta viagem astral, como mencionei antes, cordão de prata. Como disse também, são poucos que conseguem viajar astralmente e quando conseguem muitos não se recordam do que fizeram, falaram ou ouviram. Acordam, depois pensando que fora mais um de seus sonhos comuns e que não dão valor algum a eles. – deu-se outro silêncio para ele ver se eu estava o acompanhando. – Acredita que muitas pessoas, milhões, sequer sabem controlar seus sonhos? Quiçá se lembrar deles no dia seguinte! Não imaginam que suas mentes, ligada ao espírito, poderiam tê-los levados para outros lugares do universo em outra dimensão.
- É muito para minha mente. – falei.
- Não! Isto é só o princípio! Começará a ver isto com mais frequência e verá que é tão simples como tomar um elevador para um andar superior ou inferior, ou tomar uma escada rolante que lhe conduz ao andar superior de um estabelecimento qualquer.
- Surpreendente! – falei parando para digerir o entendimento. – Então, estou tendo agora uma viagem astral?
- Sim! Bem-vindo ao mundo do qual realmente viemos! – disse ele se curvando como se fosse ele um súdito dando boas-vindas ao rei.
A minha volta tudo continuava branco. Uma sensação de paz interior, se posso dizer, que já estou interiormente em um todo e que me livrei de meu corpo moribundo afetado pelas imperfeições e pelo cansaço.
- Agora Coiote, eu irei embora e o deixarei sozinho em seus pensamentos. Observe o que pode controlar, este será um bom teste para que consiga soltar todo o seu potencial mental e espiritual. O controle desta viagem irá mostrar o quanto pode aprender. Rápido, ou, vagarosamente. Mas, já está mais do que provado que seu potencial é de quem pode aprender muito mais rápido do que podíamos e o que você pode imaginar.
- Mas, o que devo fazer nesta imensidão branca? – perguntei inocentemente.
- Veja por si só o que pode fazer! Tente! – disse andando um pouco mais para o fundo, se é que existe profundidade ali, e foi aos poucos desaparecendo.
Vi-me sozinho naquela imensidão. A todo momento eu sentia que poderia estar ficando realmente louco. Um arrepio de quem está ansioso e desesperado ao mesmo tempo somente deu ar de passar em mim e logo não senti mais isso. A paz voltou e senti que estava em harmonia. Tudo o que jamais pensei acontecer comigo, sim, estava acontecendo realmente. Todas as matérias interessantes que havia lido a respeito de viagem astral, naquele momento, não me ajudaram de nada. Eram todas praticamente obsoletas. Comecei a pensar nas coisas que haviam acontecido até ali. Aquela imensidão tornou-se parte da minha vida antiga e que eu já havia vivido e observado ao espelho. Vi meu pai chorando e eu sem virar para olhá-lo e indo embora. Depois, as cenas foram andando mais rápido e parou quando as cenas começaram a me chamar a atenção. Era o dia da festa em que me vi pela primeira vez. As cenas eram nítidas como se eu estivesse vendo ao vivo. Até mesmo sentia o cheiro das bebidas e da fumaça dos cigarros que as pessoas soltavam. Isto sim era uma das viagens mais estranhas e, ao mesmo tempo, interessantes que já pude ter.
Acordei no outro dia em minha realidade, e fui para a Fábrica trabalhar. Achei que poderia estar ficando louco e esta frase me acompanhou por um bom tempo. A todo o momento eu me perguntava mentalmente: “Eu estou ficando louco?”. Chegando ao meu serviço na hora costumeira, pude ver um carro prateado, chegando quase ao mesmo tempo. Encostei a bicicleta, que em alguns dias usava, e coloquei-a em seu lugar de costume. O carro quase parou em cima de mim e quando olhei para gritar com a pessoa que estava ao volante, tomei um susto ao ver que aquele rosto sorridente era muito conhecido. Para meu espanto, era Renata. Estava totalmente diferente. Abriu a porta do seu carro e enquanto descia já gritava pelo meu nome.
- Coiote! Bem que meu tio disse que você estava do mesmo jeito! E vejo que disse a verdade! – Disse ela sorrindo e vindo até mim com os braços aberto pedindo um abraço.
No tempo real, ou seja, no presente e fora do espelho, Renata e eu havíamos ficado muito amigos, embora não nos víamos com tanta frequência, pois ela fazia faculdade em outra cidade. Somente nos encontrávamos nas festas em que íamos, o que não era sempre também. Às vezes eu estava muito distante de tanto beber e fumar, outras vezes ela estava com algum acompanhante e assim os nossos encontros eram basicamente “oi, tudo bem?”. Na verdade, sempre foram meros desencontros.
Suas palavras me deixaram um pouco constrangido, por estar do “mesmo jeito”, pensei que poderia estar estagnado no tempo, mas depois de refletir nos pequenos segundos em que estivemos abraçados, vi que era muito bom estar do mesmo jeito, pelo menos exteriormente, mas dentro, havia acontecido e ainda estava acontecendo, uma revolução imensa.
- Nossa, Coiote! Você nunca me abraçou deste jeito. – houve um silêncio. – Como você está? – perguntou olhando para mim de cima para baixo.
- Como você mesma disse, estou do mesmo jeito. – falei abrindo os braços e dando um giro em torno de mim mesmo como se estivesse vendo como estava. – E você? Como está?
- Vou bem! Agora vou trabalhar com meu tio! Não é legal? – disse sorridente.
- Sério? Legal! Iremos nos ver sempre então?
- Pois é. O tio Fagundes pediu para que eu melhorasse o rendimento da fábrica. Espero que eu consiga.
- Vai conseguir sim. Você é muito inteligente. E ainda mais, você estudou para saber fazer isto, não é verdade? – falei convencendo-a.
- Obrigada! Você também é muito inteligente. Dá para se notar em seus olhos. Mas, agora eu preciso subir. Passe lá em cima no escritório qualquer hora. Quem sabe me ajuda?
- Sim, passarei. – respondi.
Renata foi andando do estacionamento até a entrada do escritório. Fiquei a observá-la e seu jeito de andar cativou-me. Antes, uma menina. Agora, uma mulher. Era de uma doçura seu olhar e até em seu jeito de andar. Ainda mais, vi que havia se tornado uma mulher magnífica. Seu perfume ficou em meu corpo e meu rosto, e, chegando à porta virou-se, acenou balançando a mão ao ar em sinal de despedida.
Aquela cena ficou gravada em minha mente enquanto trabalhava. Meu trabalho era pouco, logo foi encerrado e enquanto eu estava ali parado, conversando com os amigos da fábrica, senti alguém me observando lá de cima, da janela do escritório superior. Era uma grande janela que começava logo depois de um metro de cada lado das paredes laterais. Trinta por cento da janela era de uma só sala, que, nesta ocasião, estava escura e fechada, sendo a sala do Sr. Fagundes. Os setenta por cento de janela eram divididos entre a sala de Renata e a dos outros funcionários que trabalhavam no escritório da Fábrica. Vi então o rosto de Renata observando-me lá de cima. Acenou e sorriu rapidamente e voltou ao seu serviço.
Saí do trabalho e fui direto para meu apartamento. Enquanto andava, meu pensamento estava onde Renata talvez estivesse. Este reencontro me proporcionou lembranças e uma satisfação inimagináveis. Quando escutei que teria outra chance com ela, através de meu outro eu, e pedi realmente que acontecesse, não imaginei que seria tão rápido assim! Entrando em meu apartamento, fui surpreendido pela voz de meu outro eu.
- Olá! – disse ele do banheiro enquanto passava e fui obrigado a dar um passo para trás.
- Você? – falei vendo-o na “janela” que na verdade era o espelho. – Ainda bem que está aí! Quero lhe perguntar.
- Então pergunte! – exclamou ele enquanto parava à porta do banheiro.
- Se esquecemos de aprender o que tínhamos que aprender, o que temos que fazer para ter este aprendizado, quando tomamos consciência de que o esquecemos?
- Esta sim é uma ótima pergunta! – respondeu ele. – Mas, vejamos. Quando vamos à escola, aprendemos a matéria que o professor nos explica, certo?
- Sim, copiamos a matéria e temos a explicação. – dei de ombros.
- Pois bem, quando o aluno falta em alguma aula deste professor ele perde a explicação resumida, que é mais fácil para que os alunos entendam. Embora, o aluno possa copiar a matéria de algum colega seu, posteriormente.
- Sim, mas perdeu a explicação. – falei mostrando que já havia entendido.
- Isso mesmo! Então, este aluno não irá ter a explicação correta de forma que terá que aprender sozinho esta matéria. E é isso o que está acontecendo contigo agora Coiote. Você perdeu a aula e agora terá que aprender sozinho! – disse ele.
- Interessante. Bom, hoje eu encontrei com Renata. – falei.
- Sim, eu sei. – disse.
- Como assim você sabe?
- Existem muitas coisas que você ainda não sabe sobre mim. – disse ele balançando o dedo em forma negativa.
- Então me explique! – questionei. – Gostaria de entender o que está acontecendo comigo! Já é um tanto difícil estar sozinho e conversar comigo mesmo, não acha?
- Tudo bem Coiote, vou lhe explicar. Sente-se.
Olhei ao banheiro e não vi nada em que pudesse sentar-me. Vi que podia então abaixar a tampa do vaso sanitário e fechar a porta do banheiro e ter o espelho maior para ver meu outro eu. Assim o fiz. Neste espelho pude ver melhor meu outro eu, quase que corpo inteiro.
- Algumas pessoas sentem medo demasiado em ter uma loucura, mas, mal sabem que todos vivem numa extrema loucura dia-a-dia. – disse categoricamente. – Não de forma literal, mas se prestarmos a devida atenção, este mundo se torna uma loucura generalizada. Pessoas correm desesperadas atrás de dinheiro para comprar artefatos de luxo, outras correm desesperadamente catando as sobras dos ricos, para somente se alimentarem. Tudo isso é uma grande loucura. Tudo chega a ser uma tremenda ilusão! Todos deveriam ser felizes e ter o que gostariam de ter. As riquezas do mundo são praticamente infinitas, pois elas se renovam, ou assim era o que deveria acontecer. – disse perdendo um pouco a sua verdade. – Mas, não é a grande maioria que tem esta capacidade de ver o mundo desta maneira. Embora todos podem vê-la, muitos não querem acreditar. Embora vejam, não o vivem. Com isso, a loucura que era para ser normal, torna-se insanidade. E ainda existem pessoas que se desligam desta forma de realidade e estão assim aptas a ver a verdadeira realidade. Muitos ainda dizem: “Quero viver meus sonhos, pois, são as minhas verdades”.
- Está me confundindo. Está dizendo que a realidade é uma loucura? – perguntei.
- Sim! Esta é a resposta! Isto é o que está acontecendo com você, é apenas ilusão?
- Às vezes parece. Mas, às vezes parece uma forte realidade! – falei.
- Por isso estou aqui. Para você, esta é sua realidade! O que para outros é uma pura ilusão, para você é um pedaço da sua realidade!
- É algo de deixar cabelo em pé! – falei.
- Sim, é verdade. A sua realidade passou do ponto da loucura e agora elas se misturam sem que você fique perturbado. Já se acostumou com essas, digamos, “viagens”. E sabe lidar com elas com proeza, o que seria difícil para outras pessoas.
- Já me acostumei com a loucura de minha mente? – perguntei a mim mesmo.
- Isso é o que chamamos de “Linha da Loucura”.
- Linha da loucura? – espantei-me.
- Vou lhe explicar. Imagine que temos uma linha que nos separa a realidade, da loucura ou ilusão. Nós estamos acostumados a separar estas duas “coisas”, de realidades. Digo realidade, pois, a loucura também é uma realidade. Um tanto quanto exótica, posso dizer, mas, é uma realidade. Pois bem, quando alguém nos diz que viu um “fantasma”, dizemos logo que isto está fora da realidade, porém, da nossa realidade. Mas, nós não sabemos a que ponto esta pessoa acha normal o que vê. – continuei olhando para ele, incrível o que estava acontecendo e também a explicação. - Se estivermos acostumados com coisas totalmente irreais, sabemos que nossa linha da realidade está um pouco mais distante do que a maioria das pessoas, por isso, muitos acreditam em fantasmas e outros não! A linha da loucura da maioria está intacta, no mesmo lugar! Não creem em coisas deste tipo. Mas, você, por sempre fazer com que sua mente “viaje”, fez com que sua mente levasse a linha da loucura para extremos jamais antes considerados! Você pode acreditar que um fantasma pode conversar contigo! Se não, eu não estaria aqui!
- Você então é um fantasma? – perguntei assustado.
- Não, mas não é normal alguém conversar com ele mesmo ao espelho e este ainda com uma personalidade diferente da sua, não acha?
- Sim, é um tanto estranho, como eu mesmo já disse.
- Então! – continuou ele. - Esta linha da loucura, quanto mais adiante estiver, mais a pessoa poderá ver coisas irreais e pensar que são reais. Pois, na verdade, todas as coisas que são vistas, são reais, mas algumas pessoas disseram, um dia, que tudo isso eram somente loucuras de nossas mentes. Criação de nossa mente. A mente não é louca, é incompreendida por ser grande demais. Ou seja, o que sua mente cria, se torna real! – disse terminando de forma espetacular.
- Então esta linha da loucura é que irá dizer quanto estou avançado mentalmente? – perguntei.
- Bingo! Está aí a resposta! Mas, ainda temos outra linha que anda junto com a linha da loucura. – disse ele me espantando mais uma vez. - É a linha do Medo. Se a pessoa tem medo do que pode pensar, então a linha da loucura fica completamente estagnada e com isso não obtêm nenhum avanço mental. E o que difere o medo de um medo de segurança é o que cada um acha possível ou não que aconteça. Bem, se você acha que eu posso estar aqui a ensinar-te, então acho que você está muito longe com suas linhas, tanto da loucura quanto a do medo.
- Agora eu tenho certeza de que estou realmente longe da realidade de muitos. – falei.
- Sim, é uma mente quase que desligada da realidade. Você acha tudo isso muito normal, embora às vezes confunda com o que é a sua realidade, com a realidade dos outros. Este é o seu maior e único problema.
- Como assim? – perguntei.
- A sua realidade não é igual à de outras pessoas. Você é mais interior, enquanto as pessoas são exteriores. Bem, você é mais mental, enquanto as pessoas ao seu redor são materiais, terrenas, não espirituais como você. Entendeu?
Acendi um cigarro. Mesmo sendo algo material para lhe causar prazer. Fiquei olhando para o espelho enquanto soltava a fumaça e do outro lado não vi o reflexo da fumaça. A minha imaginação era realmente muito grande. - Então, é tudo muito simples? – perguntei. – Quanto mais eu levar a linha do medo para longe, mais eu terei levado a linha da loucura para o horizonte e tudo será possível?
- Sim, mas, deverá ter extremo cuidado! A linha do medo serve para duas coisas. Para lhe mostrar onde está o seu início e seu fim. E para que não caia na ilusão de uma mente, fazendo-o que nunca mais volte a diferenciar as realidades. Em miúdos, ela serve de parapeito para que não caia no abismo da irrealidade e ali fique preso.
- Então ter medo é bom? – indaguei.
- Sim! Logicamente é o instinto que mais nos protege! Sem sombra de dúvidas! Assegura-lhe que não irá ficar vivendo em algo que não existe.
- Então, pelo jeito, temos várias, inúmeras realidades? – perguntei.
- Bingo! Não entendo como você pode ser assim tão capaz de pegar as respostas no ar e com tanta facilidade! – pausa e soltei a fumaça ao ar com um sorriso no canto dos lábios. – Existem diversas realidades. Eu mesmo sou de uma realidade bem distante desta que você vive. Existem ainda dimensões em que as pessoas são diferentes em estilo, personalidade, e tantas outras diferenças. Existem realidades passadas e futuras. Existem até mesmo realidades distintas dentro de nossas mentes. Mas, por enquanto, você não precisa saber destas coisas, embora você possa entender perfeitamente. Vamos voltar à questão da sua realidade. Você viu Renata, e como ela estava? – disse ele como um maestro, mudando a vibração de nossa conversa.
- Linda! Quase fiquei sem respirar quando a vi. – falei mostrando felicidade.
- Realmente ela ficou muito bonita! Tornou-se uma mulher de beleza inconfundível. E o que você acha? – perguntou ele.
- Não sei. O que deveria achar? – falei sem sentido.
- Bem Coiote, você não encontrava com ela há muito tempo, não é?
- Sim, fazia um bom tempo. – falei olhando para o chão, tentando imaginar a última vez que encontramos.
- Como te tratou?
- Sempre fora educadíssima, quase nobre. – falei lembrando.
- Pois é. E o seu olhar?
- Como assim o seu olhar? – perguntei.
- O olhar mostra o que sentimos Coiote. Você já deveria saber, ou, se lembrar disto.
- Sim, eu sei! Mas, como iria saber, depois de tanto tempo sem a encontrar? Talvez pudesse estar diferente em seu olhar. Quando amadurecemos, isso muda muito. Então, temos que ter calma para entender um olhar. – respondi.
- Isso mesmo Coiote. Você ainda consegue surpreender. Mas, e agora? O que pensa em fazer?
- Não sei! O que deveria fazer?
- Isto eu não posso lhe responder. Cabe a você e somente você achar o que deverá fazer. Mas, não se preocupe! Você terá que achar a resposta antes e esta resposta lhe ajudará a entender tudo.
- Você às vezes atrapalha ao invés de ajudar-me. – falei.
- Nem tudo cai como chuva meu rapaz, nem brota do chão, nos é dado pelo ar, ou desaparece com o fogo. Temos que aprender a achar. Temos que aprender a cavar e finalmente, a criar.
- Mas Coiote? – perguntei e me surpreendi por tê-lo chamado pelo meu nome, achando assim um tanto estranho. – Se tivermos que voltar a aprender o que esquecemos, isto prova que deveria acontecer de outro modo, então, seria justo pensar que tudo o que aconteceu depois de um primeiro esquecimento seria diferente! Não seria assim?
- Está certo Coiote. – disse ele respondendo e usando também o meu nome. – Tudo ao nosso redor tende a mudar diante as nossas escolhas, e isto é fato! Mas, depois que deixamos passar uma escolha significativa, tudo tende a ser realmente diferente. Mas, não podemos imaginar qual será o fim disto, pois tudo é feito como uma reação em cadeia. Não podemos sequer imaginar quando foi à primeira escolha errada que fizemos. Não temos registro disto, nem ao menos alguém em outra realidade pode nos dizer. É algo totalmente diferente. Mágico.
- Então, as coisas poderiam sim, serem diferentes do que estão? – perguntei.
- Lógico! Como eu disse, tudo tende a mudar diante de uma escolha! Um bom exemplo disto é quando entramos num ônibus. Até entrarmos dentro dele, estamos na realidade da plataforma de embarque, certo?
- Sim, esta é a realidade do momento. – falei compreendendo onde ele queria chegar.
- A partir do momento que o ônibus segue seu rumo, nossa realidade é ver que estamos parados dentro do transporte e nos levando a uma nova realidade. Esta nova realidade é uma nova cidade, um novo ar, novos companheiros e assim por diante. Se escolhermos então pegar um novo ônibus para outro destino qualquer, estaremos mudando novamente o que iria ser a nossa realidade! Física! – disse meu outro eu e em seguida riu.
- Entendi! As escolhas são semelhantes a ônibus. Cada um nos leva a diferentes lugares, ou a diferentes possibilidades.
- Sim, isso é a lógica mais banal que poderia ter-lhe dito e compreendeu perfeitamente! – disse tentando banalizar as escolhas.
- Tudo é tão simples, mas, ao mesmo tempo é tudo tão cheio de mistérios. Será isso o que dá a sensação de prazer em viver? – perguntei.
- Sim Coiote! São os pequenos detalhes que nos fazem sorrir ou chorar. Mas, agora, tenho que ir embora novamente. Você já tem muito o que pensar. Quando resolver estes pequenos problemas, eu voltarei, com algumas novas lições surpreendentes. – disse ele.
- Surpreendentes? – falei. – Você quer me deixar maluco de hospício! A linha da loucura nem existe mais!
- Não se preocupe amigo! – disse ele rindo descontraído. – Você aguenta estas loucuras. Somente não se preocupe, pois, as respostas, encontrarão lugar dentro desta sua mente fértil.
Logo que terminou suas palavras, desapareceu. Restou somente o meu velho rosto novamente estampado ao espelho. Olhos vermelhos mostravam a loucura do dia anterior. Com sono e bem cansado de tanto pensar, resolvi dormir antes do almoço. Beirava-se às dez horas da manhã e havia tempo de sobra para isso.
Depois de um belo sono reparador, sem a invasão de nenhum pensamento, nem mesmo meu outro eu, apareceu em algum sonho, levantei-me e pus a descobrir onde estavam as panelas para que pudesse preparar o meu almoço. Liguei a pequena TV e fiquei escutando notícias do mundo inteiro. Terremotos, furacões, secas, enchentes. Os alimentos ficando cada vez mais caros e em proporções alarmantes. Fome tomando conta de países pobres e regiões pobres dos países ricos, se tornando cada vez maiores. E tudo isso que pode ser visto, é fruto de nossas próprias mãos terrenas. Cheguei a pensar que o planeta estava uma bagunça, assim como a minha cozinha, mas lógico, em proporções consideráveis. Até encontrar as panelas e preparar o alimento demorou um pouco.Logo consegui almoçar. À tarde, recostei-me e fiquei analisando o que teria que aprender naquelas situ
- Viu? – perguntou meu outro eu. – As diferenças de escolhas fazem acontecer isto. Enquanto na sua realidade é de um jeito, na minha realidade tudo está acontecendo de forma diferente.- Então as nossas escolhas afetam também as outras personalidades que existem em outras dimensões? – perguntei.- Não necessariamente. Tem certos motivos que fazem existir muitas mudanças, o que nos traz as grandes diferenças entre um e outro. Por exemplo, agora, eu estou mudando totalmente a sua personalidade, fazendo que você veja tais coisas. Estou fazendo com que comece a entender as realidades e é obvio que você irá fazer coisas diferentes daqui para frente, não é certo?- Sim é verdade. Então somente as pessoas que conseguem se “ver” no espelho é que conseguem enxergar como estou vendo tudo agora?- Não que se
Levantei-me por fim, andei um pouco pela grama cumprimentando com um sorriso a todos que olhavam para mim e eu me esquecendo de minha aparência que chamava a atenção. Sentia-me novo, como se tivesse nascido novamente. Já estava quase à hora do almoço e estava ficando com fome. Saí do parque e procurei algum restaurante por perto e para minha surpresa, enquanto atravessava a rua, uma buzina de carro chamou-me a atenção. Olhei procurando em um lado e depois para outro e encontrei Renata com um grande sorriso de surpresa. Parou o carro ao meu lado e disse: - Nem se combinássemos iríamos nos encontrar, hein?
Terminei de lavar as louças e ali fiquei sentado à cadeira de metal da cozinha. Tudo estava em silêncio e eu fumava o meu cigarro. Olhei para a ponta do cigarro em brasa a que acabara de acender. A fumaça saia sem consentimento e inundava a casa com o odor. Por um pequeno impulso, meu pensamento foi até meu pulmão, acabava de pensar em como ele poderia estar por dentro. Aquele pensamento me assustou. Assim como via a fumaça saindo do cigarro, imaginei aquela mesma fumaça entrando em meus pulmões e fazendo-os ficarem negros e com aquele cheiro forte de nicotina e outras substâncias que nem mesmo sabemos o nome. Um enjoo apareceu e apaguei a ponta do cigarro na torneira da pia com uma sensação de que eu iria vomitar se desse mais um trago naquele cigarro. Não era de se espantar, pois, já há algum tempo que estava, sem perceber, diminuindo os cigarros que acendia. Era uma dependê
Os dias passaram, e chegou à hora de ir para a palestra sobre a informatização. Renata e eu estávamos animados e Sr. Fagundes estava também empolgado. Estávamos no pátio da empresa que servia de estacionamento e havia alguns quiosques com mesas e cadeiras que eram usadas para os lanches dos empregados quando não queriam ficar conversando na cozinha da empresa. Perto do carro de Renata conversávamos sobre coisas corriqueiras e Sr. Fagundes chegou.- Olá meus meninos de ouro! – disse primeiro dando um beijo terno em Renata e depois me cumprimentando com firmeza com aquele sorriso grande ao rosto. – Minha sobrinha querida e meu filho adotivo. Estão animados?- Sim tio! Estamos animados para melhorar tudo isso aqui! – respondeu Renata.- E eu, estou tendo a minha grande chance de ouro! – Falei. – Muito obrigado Sr. Fagundes!- Sim, meu rapaz! Vocês
Não ficamos conversando muito a respeito de coisas interessantes nas quais eu pudesse usá-las para colocar neste livro, mas, o telefone tocou, mudando tudo o que iria acontecer a partir daí. - Alô? – respondeu Renata atendendo ao telefone celular. - Oi? Renata? – disse a voz com o toque do telefone. - Sim, sou eu, quem está falando? – disse Renat
O tempo passou e aquilo tudo estava me cansando. Olhava ao espelho e não me via. Somente um rosto novo que me tornei. Nem mesmo lembrei que Renata iria voltar no fim desses seis meses.Por final, estavam todos satisfeitos comigo. Recebi premiações das empresas que eu ajudei a crescer com minhas pequenas ideias. Do banco, que entrou em outro tipo de atividade em exportação e de Fagundes, que viu sua fábrica antiga receber novos funcionários, o que o deixava extremamente satisfeito.Um belo dia sentei-me no banco da praça e fiquei a observar. Nesta data não estava fumando, nem mesmo cigarros de nicotina. Vi o movimento constante do centro da cidade. Pessoas caminhavam com suas marchas, cada qual com a sua pressa. Jovens sentados aos bancos, alguns encabulando aula, outros, somente por diversão ficavam ali conversando.Os universitários desfilavam com seus uniformes brancos, ou jaquetas de
Fagundes me olhou como quem não acredita em escutar aquela grande pergunta e recostou-se novamente ao sofá e fez seus lábios fazerem barulho de bexiga sendo esvaziada.- As rodas do tempo! Meu Deus! – disse ele. – Digamos que para encontrarmos um tempo, temos que esperar ciclos de tempos, ou anos, que se passam, para que algo novo aconteça. Quando nos deixamos ficar à mercê de tudo o que achamos ser interessante, mas, que de nada será de valia à nossa vida, estamos deixando o tempo ficar andando sem nos preocupar com as “rodas do tempo”. As rodas, nada mais são do que o tempo necessário para que ocorram as coisas que desejamos ou para que tenham um tempo certo para acontecer. Fatos e momentos têm que acontecer antes de se chegar ao fim, ao que imaginamos em nossa realidade interna, e quando deixamos essas rodas do tempo agir sobre nós, estamos esperando as coisas acontece