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Infeliz ou fútil

A antiga Verônica sempre teve uma vida de luxo e conforto depois de se casar com Sebastian, afinal ele se tornou um médico renomado e rico. Ela não precisou trabalhar, apenas aproveitou as viagens pelo mundo, as compras nas melhores lojas e as festas mais badaladas. Tudo isso estava registrado nas redes sociais dela e mesmo que minhas lembranças tivessem ido embora, percebi pelos meus olhos nas imagens que nunca me senti feliz e completa com essa vida superficial. Senti que faltava algo ali, talvez um propósito, uma paixão, um sentido. Algo a se agarrar.

— Como eu me tornei tão vazia? — me pergunto, olhando o roteiro de viagem para a próxima aventura que a antiga eu faria antes de toda a confusão acontecer.

Ela iria para Paris, mas tudo indicava que iria sozinha.

— Você está infeliz com o que você é? — Sebastian pergunta, entrando na sala e tirando os sapatos. O cansaço é evidente em seu corpo, após um dia longo e estressante de trabalho. Acho que deu para minha tristeza no tom da minha voz, mas o pobre homem não sabia como me ajudar naquele instante, pois aquela realmente era a realidade da mulher que me tornei. Era nítido que ele tentava dar tudo o que eu queria antes, mas parecia que nada era suficiente.

— Oi, doutor — falei empolgada ao vê-lo, tentando disfarçar meu desânimo com um sorriso fraco. Ele retribui o sorriso, mas sem muita convicção. — O que houve?

— Nada… é que você costumava me chamar de doutor no início do nosso casamento. Era um apelido carinhoso, uma forma de demonstrar algo forte por mim. — ele diz, sentando-se na poltrona ao meu lado. — Mas de uns anos pra cá você só me chamava de doutor quando queria alguma coisa ou quando estava brava comigo.

Penso na simples forma de chamá-lo e em como os olhos do homem brilharam com aquele gesto tão pequeno. Eu não me lembro como me apaixonei por ele, nem de como ele era gentil, atencioso e divertido. Muito menos se ele conseguia me fazer sentir especial, amada e desejada.

— Quando parei de falar assim com você? — perguntei, curiosa. Isso colocou o médico a pensar. Ele tenta se recordar da última vez que eu o chamei de doutor com carinho, mas não aparentemente não conseguiu. Deveria fazer tanto tempo que ele nem se lembrava mais.

— Acho que acabou quando nossas brigas começaram. Nossas brigas… — ele suspira, lembrando das inúmeras discussões que teve com a antiga eu. — Será que ainda vale a pena?

— Você está pensando em desistir de nós? — pergunto, sentindo um aperto no peito. Eu entendi que o casamento estava em crise antes do acidente, mas algo dentro de mim não quer admitir. É como se ainda o amasse, mas sem saber como expressar isso. — Quer dizer, eu iria entender. A sua esposa traiu você e depois bateu a cabeça perdendo a memória e agora não se lembra de nada que viveram, seria seu triunfo para sair dessa confusão.

O médico sorri um pouco mais aberto.

— Não, eu… eu só queria que as coisas fossem diferentes. Que nós fôssemos diferentes. — ele diz, olhando nos meus olhos. Tenho certeza que estou corada com uma esperança cravada nas minhas orbes. — Eu ainda te amo, Verônica. Eu nunca deixei de te amar.

— Eu sou diferente agora. Sem memórias, lembra? — indago, esperançosa. Por mais que não me lembre, sinto uma conexão com ele, uma atração e uma curiosidade. Isso me faz querer saber mais sobre ele, sobre nós e sobre o que vivemos. Quero recuperar o que perdi, mas também criar algo novo.

— É verdade, talvez estivéssemos precisando de uma chance de nos redescobrir. — ele sugere, hesitante. Posso ver em seu rosto que ele não sabe se é certo aproveitar da situação, se é justo ou ético com ele mesmo fazer isso, mas vejo também que ele não quer desperdiçar essa oportunidade. — O que você acha de começarmos do zero? De nos conhecermos de novo, de nos apaixonarmos de novo, de nos amarmos de novo?

— Boa ideia! — Me animo. Vejo ali uma possibilidade de mudar aquela essência horrível que tudo se tornou. Quero ser uma pessoa melhor, uma esposa melhor, uma amante melhor e tentar fazer esse homem feliz mesmo sem saber exatamente porque e isso me a faz suspeitar que meu coração ainda se lembra dele. — Já sei, vou acertar você com um taco, aí nós dois ficamos sem memórias e começamos do zero. Que tal?

Sebastian abre um enorme sorriso com minha piada. Parece que isso o faz mergulhar em uma lembrança distante e boa, pois seus olhos brilham enquanto me fitam.

— Acho que podemos recuperar a essência do nosso amor sem precisar de outro acidente, ok? — ele brinca, tentando entrar na empolgação.

— Será que se eu me lembrar de tudo, vou voltar a ser essa pessoa vazia? — questiono, incrédula comigo mesma, pois não entendo como pude me tornar tão infeliz, tão insatisfeita e tão ingrata. Tenho certeza que não quero voltar a ser assim.

— Isso é uma escolha sua. Se quiser ser assim, seja ou seja melhor — ele fala e penso em suas palavras. Ele tem razão, só eu tenho o poder de escolher quem quero ser e o que ela quero fazer.

— Eu amei você, posso ver nas fotos pela casa, mas me pergunto porque isso acabou. Você não parece ter mudado muito, só trabalha igual um condenado — revelo, olhando para as fotos que decoram as paredes. Vejo os momentos felizes, sorrisos sinceros e abraços calorosos. Novamente me pergunta onde foi que nos perderam.

— Nunca quis que se preocupasse com boletos para pagar e gosto de mimar você, então é por isso que trabalho assim. — ele diz, se aproximando do meu rosto para beijar-me na testa. Novamente posso ver que ele queria dar a antiga eu tudo o que ela merecia, tudo o que ela sonhava, tudo o que ela desejava. Mas seus olhos se culpam por ter deixado algo passar e isso me dói o coração. Logo ele se lembra e percebe a surpresa no meu olhar. — Me perdoe, foi força do hábito.

— Fazia isso quando chegava? — pergunto, sentindo os dedos dele se afastarem do meu rosto. Não posso negar que não gostei do gesto. O toque dele era sincero e amável.

— Fazia. — ele responde. — Algumas vezes você esquivava. — ele confessa. Parece se lembrar de como eu me afastava dele.

Olho diretamente para o fundo de seus olhos e analiso a expressão dolorida no rosto do homem e ele me devolve o olhar agora com intensidade e paixão, fazendo meu coração acelerar.

— Eu queria tanto me lembrar desses beijos, eles parecem tão doces. — Seguro a mão dele e a leva até minha bochecha, sentindo o calor da sua pele. O vejo se arrepiar por dentro. — Eu preciso me lembrar.

— Verônica, eu não quero forçar nada com você, mas se ficar tão perto assim vou acabar te beijando. — ele diz, com a voz rouca de desejo. Sinto meu coração conversar com o dele e tenho certeza que eles se lembram um do outro, mas minha memória ainda é uma página em branco que devolve-me rapidamente para a realidade.

— Desculpa — digo, soltando a mão dele e corando. — O seu jantar está no microondas.

Agora não consigo olhá-lo de volta e isso faz o homem sorrir por um instante. Logo ele volta das suas viagens ao passado, se recompoe e me deixa continuar a me frustrar com a pessoa que me tornei depois de ter tudo.

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