Guga me passou uma vasilha de cerâmica fumegante e cheirosa, e só então eu percebi o tamanho da fome que eu sentia.
Mayara encontrara alguns saquinhos de sopa pronta na casa e os cozinhou com macarrão para que jantarmos. Tínhamos também um pacote de torradas cheio. Aquela era a refeição mais completa que caiamos há dias. Provavelmente os antigos moradores não tinham cães, pois não havia nenhum saco de ração na casa. Eu ainda estava com um pequeno na minha mochila, mas achei melhor guardá-lo e, ao invés disso, dividimos a nossa própria comida com Mel, com um adicional generoso de torradas. Ela não pareceu se importar.
Duas velas iluminavam a sala de estar pequena e simples da casa, onde nos reuníamos, em volta de uma mesa baixa de centro. Achamos uma lanterna pequena na gaveta da cozinha, m
No fim, devido à exaustão e ao medo, achamos melhor discutir esse tipo de coisa no dia seguinte. Também, por isso, não trouxe aquele assunto à tona. O que não impediu que Guga o trouxesse:Acho que a melhor forma de saímos vai ser pela parte de trás, para o jardim da outra casa. A gente pode levar à mesa da cozinha até lá para Mel conseguir pular, mas no pior dos casos, eu pulo, e você ergue ela no colo para mim . Ele olhava para mim. Se ela me morder, tudo bem, não é como se tivesse outra forma mesmo.Mel não te morderia, mesmo odiando colo. Falei, deixando meu desânimo evidente. Todas as ruas devem estar infectadas.Mayara pousou a mão com suavidade no meu cabelo, fazendo carinho. Assim que Mel terminou de comer, um pouco afastada de nós
A primeira realização que eu tive era de que, na verdade, eu não conseguia ver tanto quanto eu esperava que conseguiria. Era um pouco mais fácil enxergar as ruas mais próximas, porém a escuridão implacável da noite de lua coberta escondia os segredos daquela cidade. Os gemidos muitos deles denunciavam a presença das coisas. De infinitas delas. Eu também estendia a nitidez, para entender quantos exatamente eram. Ao meu ver, parecia somente uma enchente de escuridão que se concentrava em frente ao portão da frente.Virei a cabeça, olhando para o outro lado, tentando enxergar como estaria a rua atrás da cada vizinha. Precisei franzir os olhos e fazer muito esforço, ainda assim pouco consegui distinguir. Somente a realização de que não parecia que um oceano preto se estendia pela rua me fazia ter esperança de que, havendo ou não, pelo menos a
Não estávamos tão errados em pensar que havia esperança, afinal.No dia seguinte (que na verdade não parecia um dia seguinte para mim, já que mal havia dormido) estávamos calmos e era mais fácil pensar sem dezenas de zumbis ao nosso encalço. Antes de descer, eu pude perceber que o telhado nos dava um acesso fácil a qualquer uma das casas ao redor. Além de, claro, nos dar a real situação das ruas, que com toda a certeza não era nada boa.A maré de corpos que se espremia nos muros altos da casa era assustadora, completamente maior do que quer outra que havíamos visto da televisão. Praticamente toda a rua em frente a casa estava ocupada por zumbis e não havia a menor possibilidade de saímos por ali.Mas havia verdade naquilo que Mayara dissera no dia anterior: nas ruas paralelas, embora fossem igualmente mortais, habi
Mayara, por outro lado, atirou-se sobre o garoto de cabelos levemente acobreados, histérica, plantando-lhe beijos nas bochechas. Elton não conseguia segurar o riso, abraçando-a de volta.Logo, a felicidade se esvaiu conforme a única pergunta possível invadiu meu cérebro como um tiro. Quem a externou, porém, foi Mayara:Meu Deus, e os outros? Eles estão bem? Ela agarrou os ombros de Elton, suas unhas curtas, mas pintadas de cor-de-rosa (cortesia dos dias a toa em minha casa, onde ela também pintara as minhas e de Valentina), cravando-se em sua jaqueta.Estão.... vivos. Ele hesitou e, por um momento, achei que meu coração pararia. Conseguimos fugir ontem, assim que perdemos vocês de vista e vimos que não tinha como lutar contra tantos. A gente não sabia bem para onde ir e eles não paravam
O machucado de Cláudio era bem sério.Quando entramos na casa, iluminada pela luz natural que entrava por todas as janelas abertas, Valentina e Amanda correram em nossa direção e abraçaram cada um de nós com fervor. Quando a abracei, tive a impressão de que Valentina estava um tantinho mais encorpada do que quando tudo começou.Cláudio não veio até nós, mesmo que a sua expressão parecesse genuinamente contente ao nos ver. Ele estava deitado no sofá preto da sala, um cobertor preguiçosamente jogado sobre seu corpo. Mesmo sob a luz, era possível ver que a sua pele, normalmente com um brilho saudável, estava pálida, quase acinzentada.Quando ele tentou se erguer-se para nós cumprimentar, o cobertor escorregou e pudemos ter uma ideia das extensõ
E naquela hora eu ainda não sabia o que eram as coisas… o treinador deixou eu e mais 8 alunos trancados lá, completamente apavorados, sem ter noção do que acontecia no pátio. Então começaram a vir os gritos, os sons de fuga e desespero. Alguns alunos bateram à porta do ginásio e imploraram para que abríssemos, mas nós também estávamos presos lá. Somente então percebi que sua voz estava inconstante, pontuada por fungadas nervosas. E ficamos lá, em completo horror, esperando o treinador voltar ou a polícia chegar ou literalmente qualquer coisa acontecer. A pior parte foi a incerteza, o medo… eu sabia que ele não ia voltar. Eu me sentia abandonado para morrer, claustrofóbico… foi a pior coisa que eu já senti na minha vida… pior sensação… eu falo sério, Rute: eu prefiro que ess
Meus olhos demoraram até se ajustar a escuridão. Os pedaços de papelão na janela cobriam a maior parte da luz natural, mas algumas frestas mal cobertas permitiam uma pequena iluminação passar. Assim que passou para o lado de dentro, Mel se sacudiu fervorosamente.A farmácia não era muito grande. Um balcão comprido ocupava a parde oposta a entrada e separava a área de medicamentos. Quatro corredores eram divididas por prateleiras logo a nossa frente. Tudo parecia na mais perfeita ordem lá dentro, todas as prateleiras lotadas de diversos itens, como se fosse somente um dia de venda normal. Não era possível ver nenhum zumbi, mas dei o comando para que Mel ficasse na entrada e eu e Elton nos separamos para dar uma segunda olhada nos pontos cegos.Cláudio respirava com dificuldade, sentado no chão com as
Senti um baque na minhas costas e compreendi que eu mesma havia perdido o equilíbrio, apoiando-me na prateleira atrás de mim. Tentei arrumar a postura, mas o zumbido no meu ouvido desorientava. Uma sensação aterradora de vazio pareceu engolir meu coração, conforme meu corpo não atende ao impulso de correr na direção de Guga. Eu simplesmente não conseguia processar o que estava acontecendo, quase preparada para acordar de um sonho ruim ainda é minha casa .Uma criança! Ele tem 17 anos! Bem ao longe, a voz de Amanda começou a se tornar clara. Ela estava aguda, marcada pelo choro.Eu não queria! Me desculpe eu achei que ele estava vindo na minha direção... eu mandei ficarem parados! Só então me dei conta do homem que empunhava a arma, agora estava ajoelhado no chão, completamente em prantos. Seu